‘O crime organizado é uma ameaça para a democracia’, diz procurador antimáfia italiano
O procurador nacional antimáfia e antiterror da Itália Giovanni Melillo afirmou as democracias estão atravessando um “momento dramático” diante dos desafios que a complexidade das novas redes da criminalidade organizada impõe aos países e com sua capacidade para desestabilizar países e economias. “Guerras e aumento de tarifas comerciais criam oportunidade para essas redes, que se especializaram em superar obstáculos de sanções e sabem multiplicar fraudes fiscais e tributárias a forma de ligar a economia ilegal à legal.”

Segundo ele, o crime organizado opera a desestabilização social de grandes áreas de planeta, em uma processo nem sempre percebido nos países mais mais desenvolvido. “Economia de guerra são forma de multiplicadoras das economias criminais, pois podem servir para aumentar os serviços ilegais.”
Melillo veio ao Brasil para concluir um acordo com o Ministério Público de São Paulo e com a Procuradoria Geral da República para a formação de um grupo comum com a Diretoria Nacional Antimáfia e Antiterrorismo na Itália de combate à criminalidade organizada. Por meio dele, informações poderão ser compartilhadas entre os dois países e pedidos e diligências serem cumpridos sem a necessidade de cartas rogatórias ou de validação de provas.
“Pessoalmente, vejo um valor estratégico na colaboração com o sistema judicial brasileiro em razão das ações de organizações criminosas brasileiros e as italianas, particularmente, ’Ndrangheta”, afirmou. Segundo ele, a procuradoria italiana considera ter responsabilidade em relação a países da Américas Latina para transferir informações sobre lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Melillo afirmou que a colaboração entre a Itália, Brasil e União Europeia é estratégica. “Estamos falando de relações entre sistemas democráticos, relações que são decisivas para a manutenção da vida democrática desses países.” Ao seu lado estava o subprocurador-geral da República José Adonis Callou Araújo Sá, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Federal. “Valorizamos demais essa colaboração”, disse.
Adonis e Melillo participavam do seminário “Crime Organizado e mercados ilícitos no Brasil e na América Latina”, promovido pela cátedra Oswaldo Aranha da Universidade de São Paulo (USP). “Hoje, o vice-procurador-geral está na Argentina para tratar dessa temática. Em julho, eu e o procurador-geral (Paulo Gonet) vamos à Itália para tratar dessa temática.” Será nessa viagem que o acordo com a Procuradoria Nacional Antimáfia e Antiterrorismo deverá ser assinado.
Durante o evento, Melillo tratou do cenário atual de guerras na Europa como fatores de multiplicação do potencial de entes criminosos. Citou o caso de mexicanos ligados a cartéis da droga que foram lutar na Ucrânia para aprender e poder usar o que treinaram ali em seu país. E alertou para as tecnologias digitais como “um autêntico multiplicador da periculosidade do crime organizado”.
“As redes criminais têm possibilidade de contato e capacidade de mobilização em escala global que desafiam a capacidade dos sistemas nacionais de lutar de modo eficaz contra essa ameaça. Não é possível afrontá-las apenas do ponto de vista nacional ou europeu. Elas pedem uma integração das estratégias de investigação e compartilhamento de informações, o que atualmente é insuficiente.”, afirmou Melillo.
De acordo com om procurador italiano, é urgente que as sociedades tenham consciência dessa urgência. “Assistimos na América Central e na África a dissolução do tecido democrático. Na África, o crime organizado financia guerras civis e processos de desestabilização que alimentam redes criminais diversas. As grandes democracias ocidentais são o ponto de ataco principal das grande redes criminais.”
Segundo ele, a questão criminal não pode ficar confinada às seções dos tribunais e da policia. É necessário uma “dose de vigilância democrática e de consciência cultural” para construir e sustentar uma “demanda social de controle e repressão das grande organizações criminais”, pois elas são fatores de desestabilização política e social. Se esse problema estiver reservado apenas aos magistrados e às forças de polícia, a partida estará perdida. Essa partida se joga na demanda social de defesa das instituições democráticas.
Para Melillo, os estados autoritários são os que têm melhores relações com as redes criminosas e terroristas. “Desse ponto de vista os países democráticas têm uma reponsabilidade grande. As redes criminais sabem que a partida não se joga em nível nacional, mas em ambito regional e internacional. A reponsabilidade que hoje pesa sobre redes de polícia e de justiça dos estados democráticos é gigantesca. Sobre nós existe a reponsabilidade de estender até ao máximo o elástico da colaboração internacional.”
Nesse contexto, segundo ele, algumas alianças são mais importantes e decisivas do que outras. “E aquela que envolve a Europa ocidental e Brasil é um desses eixos fundamentais, não só pela riqueza do mercado ilegal, pela potências da organizações que gerem esses mercados. Exemplo disso que nos últimos anos os mafiosos mais importantes foram presos no Brasil, o que demonstra o interesse e a estratégia ligadas a essas figuras.”
Para ele, a cooperação internacional tem de ir além de pedidos específicos, como ouvir uma testemunha ou prender um foragido. “Hoje temos a necessidade de compartilhar o conhecimento do fenômeno criminal, que se transforma rapidamente. É nesse terreno que se joga a eficácia da capacidade nacional de enfrentar a criminalidade organizada.”, disse Melillo.
Por fim, o procurador concluiu: “O que está em jogo é a estabilidade do sistema econômico e a saúde de nossa democracia. Há uma instintiva incompatibilidade entre crime organizado e a democracia. É necessário aceitar esses desafios e o único mecanismo de mitigação desse cenário é a colaboração entre estados e aparelhos judiciários diversos. Este estou feliz de trabalhar com os colegas brasileiros.”