Cidade ‘mini-Brasil’ mantém divisão Lula-Bolsonaro e escolhe Tarcísio como nome da direita em 2026
SÃO SEBASTIÃO DO OESTE (MG) — Na praça central de São Sebastião do Oeste, cidade de 8,5 mil habitantes no interior de Minas Gerais, nenhum morador passa incólume sem cumprimentar um vizinho. Como todos se conhecem, ninguém quer desagradar ao outro e, assim, não se discute — nem se fala de política.
“Melhor não, tem cliente que pode não gostar”, diz o dono de um dos únicos restaurantes da cidade, Rafael Dias, ao se negar a falar de eleições. O estabelecimento funciona em frente à praça, construída sobre um antigo cemitério e hoje coração dos serviços da cidade, da igreja à prefeitura, do açougue à sorveteria.

Na Câmara Municipal na rua ao lado, todos os nove vereadores são da base do prefeito. Ninguém faz oposição. Um dos parlamentares escondeu o voto para presidente na eleição passada para não perder os aliados, eleitores do adversário. Não há no Legislativo representantes nem do Partido dos Trabalhadores (PT) de Luiz Inácio Lula da Silva, nem do Partido Liberal (PL) de Jair Bolsonaro. “Aqui ninguém briga por política”, diz o vereador José Fábio de Almeida, o Fabão.
A resistência em discutir um assunto tão crucial para a vida em sociedade esconde a divisão pela qual São Sebastião do Oeste passa nos últimos anos. Questionados em quem votariam se o segundo turno da eleição para presidente fosse hoje e a disputa, entre Lula e Bolsonaro, os sebastianenses se repartem em porções similares: 33% com o ex-presidente, 31% com o petista, e 35% sem resposta ou votando branco e nulo.
Os dados são de uma pesquisa feita pela Travessia em parceria com o Estadão. O instituto entrevistou 380 moradores de São Sebastião do Oeste entre 20 e 22 de maio. A cidade foi escolhida por representar uma espécie de “microcosmo” do Brasil — ela vem espelhando as eleições presidenciais da última década com uma semelhança quase perfeita.
Em 2022, enquanto Lula derrotou Bolsonaro por um placar de 50,90% contra 49,10% dos votos do País, na cidade mineira o petista venceu por 50,99%, contra 49,01% do adversário. Se a nível nacional a diferença se deu por pouco mais de 2 milhões de votos, em São Sebastião do Oeste essa margem foi de 101 eleitores.
Já em 2018, Bolsonaro derrotou Fernando Haddad (PT) num placar de 55,13% contra 44,87% dos votos no Brasil inteiro. Em São Sebastião do Oeste, a diferença foi quase a mesma: 55,25% de Bolsonaro e 44,75% de Haddad. Em quatro anos, a cidade virou de bolsonarista para lulista numa margem semelhante à do País — como uma amostra representativa da preferência política dos brasileiros, uma “mini-Brasil”.
A cidade adquiriu essa característica na última década, contam os moradores, pela grande oferta de empregos que tem atraído uma multidão de migrantes, em especial de Alagoas, para as fábricas da região. Tem quem diga que a cidade é hoje “metade mineira, metade nordestina”. Os migrantes, oriundos do sertão, votam no PT, enquanto os moradores tradicionais, preferem o PL.
Os dados mostram a força de Bolsonaro enquanto líder de massa. Desde que deixou o poder, ele se recusou a reconhecer a vitória do adversário, foi indiciado pela Polícia Federal sob acusações de fraude em cartão de vacinação, de apropriação indevida de joias milionárias e de tentativa de golpe de Estado — caso em que ele responde como réu na Justiça. Mesmo assim, sua preferência se mantém similar a de Lula.
Lula tem as entregas, Bolsonaro tem o discurso
Quando perguntados o que pensam sobre os dois líderes, os sebastianenses costumam atribuir a Lula entregas concretas, como programas sociais, e a Bolsonaro conquistas mais subjetivas, como valores e discurso.
Lula é lembrado por medidas como o Minha Casa Minha Vida (habitação), Bolsa Família (assistência social) e o Pé-de-Meia (educação), e criticado pela corrupção, pelos “gastos da primeira-dama Janja” e episódios específicos como as fraudes no INSS.
Bolsonaro, por sua vez, é relacionado à defesa do empreendedorismo, à liberdade e ao combate à corrupção. Se as qualidades se referem a valores que ele representa, as maiores queixas contra o ex-presidente também são a respeito do que ele fala, principalmente durante a pandemia.
Substituto para Bolsonaro
O professor aposentado Mozart de Moraes Tavares, de 69 anos, vê o goveranador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como o melhor nome para a direita em 2026. “Ele já atuou até com a esquerda, no governo da Dilma, então não é um cara radical”, diz ele. O empresário Vagner de Moraes Teixeira, de 38 anos, vai além: “Eu acho que ele pode até reunir votos da esquerda e da direita. Ele faz uma boa gestão lá em São Paulo”, afirma.
Secretário municipal de gestão pública, Isaac de Melo Costa diz até gostar do governador de seu Estado, mas prefere o de São Paulo. “O (Romeu) Zema é bom, mas é travado. O Tarcísio se articula melhor. Eu iria com qualquer nome da direita, só que as pessoas mais fanáticas querem um nome radical. Ronaldo Caiado é velha política. Michelle (Bolsonaro) é ótima, mas não tem força. E o Eduardo (Bolsonaro), aquele lá é polêmico demais”, diz ele.
As opiniões de Mozart, Vagner e Isaac vão ao encontro dos dados da pesquisa Travessia. Quando perguntados quem deve ser o candidato da direita à Presidência se Bolsonaro não concorrer em 2026, 20% responderam Tarcísio, e 18%, Zema.
Michelle Bolsonaro aparece num pelotão bem mais atrás, com 9%. Pablo Marçal tem 6%; Ronaldo Caiado, 4%; Ratinho Júnior, 4%; Eduardo Leite, 3%; e Eduardo Bolsonaro, também 3%. Um terço (33%) não soube ou não quis responder.
Apesar da predileção por Tarcísio, alguns eleitores bolsonaristas preferem esperar o nome que Bolsonaro indicar. Mas, assim como reconhecem não haver ninguém à altura para substituir Lula, também dizem não ver ninguém com a estatura do ex-presidente.
“Se o Lula vier candidato, não tem pra ninguém. O Lula realmente é um mito, infelizmente”, diz a vereadora Stella Dias (Republicanos), balançando a cabeça em negação. Ela gostaria de ver Bolsonaro como candidato no ano que vem, e acha que nenhum substituto terá a mesma força para derrotar o presidente da República.
Se as condenações de Bolsonaro devem tirá-lo do páreo na disputa pelo Palácio do Planalto, a limitação de Lula fica a cargo de sua saúde. O presidente mesmo, aos 79 anos, tem colocado esse peso às condições físicas e mentais. Em um evento em 1º de junho, afirmou que vai se candidatar à reeleição se estiver “100% de saúde como está hoje”.
Enquanto as conversas sobre articulações visando a disputa pelo Palácio do Planalto esquentam em Brasília, a vida é outra em São Sebastião do Oeste. A política nacional não é um tema nas ruas. E, ainda que dividida, a cidade está distante da dicotomia esquerda-direita — afinal, elegeu tanto Lula quanto Zema (Novo) e o senador bolsonarista Cleitinho (Republicanos).
O único vereador disposto a gravar uma entrevista em vídeo para o Estadão — seus colegas de parlamento temiam melindrar seus eleitores —, Fabão traduziu o sentimento com a indefinição dos possíveis herdeiros de Lula e Bolsonaro.
“Pra 2026, se fosse os dois, Lula e Bolsonaro, o pega ia ser cerrado”, diz, com o sotaque alagoano substituído pelo mineiro após 25 anos morando. “O que está uma demanda muito grande no Brasil não é com a esquerda e com a direita, é com Lula e Bolsonaro. Só que (o povo pergunta), ah, quem vai vir (como candidato) do Lula, quem vai vir do Bolsonaro? Isso daí (o desempenho de cada um) vai ver na hora que decidir”.