‘Mini-Brasil’ reflete decepção com Lula por inflação e alta de imposto em cenário de pleno emprego
SÃO SEBASTIÃO DO OESTE (MG) — “Venha trabalhar conosco”. O carro de som roda a cidade divulgando as vagas abertas no abatedouro. Na recepção da fábrica, tomada pelo cheiro da granja, uma pilha de fichas de inscrição para candidatos interessados. Nas redes sociais, publicações insistindo por currículos. A Avivar Alimentos sofre para preencher as vagas.
O emprego vai bem em São Sebastião do Oeste, de 8,5 mil habitantes no interior de Minas Gerais: 48,36% da população está ocupada, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o 11º melhor índice entre os 853 municípios de Minas Gerais, e a posição número 152 entre as 5.571 cidades do País.

A oferta é tamanha que o município tem atraído uma multidão de gente, em especial de Alagoas, para trabalhar no frigorífico que sustenta a economia local. “Aqui tem mais nordestino que mineiro”, brinca a costureira Alessandra Lourenço, de 30 anos, em frente ao casebre onde mora, numa rua sem asfalto. Ela deixou o sertão alagoano em busca de trabalho.
Mesmo assim, a principal empresa de São Sebastião do Oeste passa por um déficit de funcionários enquanto tenta se desenvolver. Ela é responsável por 3.500 empregos diretos na cidade, segundo a prefeitura. “O frigorífico não consegue mais achar (trabalhador) aqui na cidade. Agora estão tentando nas cidades próximas. Está faltando até casa popular para atender (à demanda da migração)”, diz a analista de administração Tamires Valéria Silva, de 35 anos, funcionária da Avivar.
Tamires não exagera. Até a prefeitura de Pedra do Indaiá, por exemplo, publicou dias atrás um vídeo do vice-prefeito Clécio Tellis (PSD) anunciando, ao lado de funcionárias de recursos humanos da empresa, vagas de trabalho da cidade vizinha.
Em meio à prosperidade que fez dobrar a receita bruta da cidade entre 2019 e 2023, para R$ 64,3 milhões ao ano, o sebastianense, entretanto, está desanimado com o rumo econômico do País. Quase metade (47%) diz acreditar que a economia do Brasil piorou nos últimos meses, enquanto 14% avaliam que está melhor. Outros 23% afirmam estar igual.
Os dados são de uma pesquisa feita pela Travessia em parceria com o Estadão. O instituto entrevistou 380 moradores de São Sebastião do Oeste entre 20 e 22 de maio. A cidade foi escolhida por representar uma espécie de “microcosmo” do Brasil — ela vem espelhando as eleições presidenciais da última década com uma semelhança quase perfeita.
Em 2022, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou Jair Bolsonaro (PL) por um placar de 50,90% contra 49,10% dos votos do País, na cidade mineira o petista venceu por 50,99%, contra 49,01% do adversário. Se a nível nacional a diferença se deu por pouco mais de 2 milhões de votos, em São Sebastião do Oeste essa margem foi de 101 eleitores.
Já em 2018, Bolsonaro derrotou Fernando Haddad (PT) num placar de 55,13% contra 44,87% dos votos no Brasil inteiro. Em São Sebastião do Oeste, a diferença foi quase a mesma: 55,25% de Bolsonaro e 44,75% de Haddad. Em quatro anos, a cidade virou de bolsonarista para lulista numa margem semelhante à do País — como uma amostra representativa da preferência política dos brasileiros, uma “mini-Brasil”.
São Sebastião do Oeste vive o mesmo paradoxo econômico do País. A taxa de desocupação no Brasil marcou 6,6% em abril, o menor patamar para o período em toda a série histórica do IBGE. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,4% em 2024, acima da expectativa do mercado no começo daquele ano. No primeiro trimestre deste ano, o País teve o quinto melhor desempenho entre 49 países com a alta de 1,4% na economia, segundo a agência de classificação de risco Austin Rating. Apesar disso, a economia vai na direção errada na avaliação de quase metade das pessoas.
Nas conversas que o Estadão teve com dezenas de sebastianenses, o compromisso do petista com programas sociais é identificado pela maioria, mas até mesmo apoiadores do PT dizem sentir que a economia não está boa para todo mundo. O comerciante de 51 anos José Vericiano da Silva, conhecido como “Zé Alagoa”, é um deles.
“Minhas vendas aumentaram, porque a periferia está comprando mais. A sociedade, como um todo, melhorou. Mas eu sei que para alguns a economia piorou”, diz. A auxiliar de cozinha Ana Beatriz Andrade, de 24 anos, para quem o emprego e a renda “melhoraram muito” sob Lula, faz parte dos 14% otimistas. Seu marido, Ronaldo Feliciano da Silva, de 31 anos, diz que “a economia não está indo bem, o preço das coisas está alto demais”. Os três são eleitores do petista.
No lado dos pessimistas, a inflação é a principal queixa. A alta acumulada nos últimos 12 meses foi de 5,53% em abril de acordo com o IPCA, o índice oficial do governo. “As coisas estão muito caras no mercado. O boi no pasto está barato, mas no açougue chega caro. É muito imposto”, afirma a professora Cácia Maria Gomides, de 58 anos. O artista Carlos da Silva Barros, 70, que votou nulo, diz que a economia está “desabando”.
A taxa básica de juros (Selic), hoje em 15% ao ano, calibrada pelo Banco Central como remédio à inflação, é outra reclamação que cai no colo de Lula. “Ele (presidente) não fez coisas boas. Aumentou o combustível, os alimentos, inflação, a taxa de juros. Está muito alto”, diz o autônomo Rafael Araújo, de 33 anos.
Perguntados sobre o que mais na área econômica do governo Lula lhes desagrada, os moradores da “mini-Brasil” relatam sentir que o presidente é inimigo do agronegócio, que a carga tributária só cresce e que é difícil encontrar trabalhadores dispostos a assinar a carteira de trabalho — porque supostamente estes preferem continuar na informalidade para continuar a receber auxílios federais.
A prefeitura de São Sebastião do Oeste calcula que a população da cidade vá crescer quase 200% nos próximos dez anos, para cerca de 25 mil habitantes, por conta dos migrantes que não param de chegar em busca de carteira assinada. A falta de moradia é a principal dor de cabeça do poder público. Placas anunciando lotes a preços módicos pipocam no subúrbio da cidade.
A profunda transformação pela qual passa São Sebastião do Oeste indica que nos próximos anos o município pode perder a característica de espelhar o Brasil de maneira tão fiel. Os moradores temem que a satisfação com o emprego na região dê lugar à preocupação com a violência. É a última semelhança com o resto do País que os sebastianenses querem ter.