17 de agosto de 2025
Politica

Alta de evangélicos no País reduziu participação eleitoral e não aumentou polarização, diz estudo

Pesquisa inédita sobre o “boom evangélico” no Brasil e seus impactos no processo eleitoral mostra que o crescimento desse grupo religioso entre 1994 e 2018 está associado à redução no comparecimento às urnas nas eleições ao longo dos anos. O estudo também indica que o aumento desse grupo não se traduziu em maior polarização, apesar dos fiéis evangélicos estarem comumente associados a uma certa “fervorosidade” no campo político.

O estudo realizado pelo PhD em Ciência Política pela Universidade de Zurique, na Suíça, e professor da Universidade de Reading, no Reino Unido, Victor Araújo, é o primeiro a isolar efeito causal do crescimento das igrejas evangélicas sobre diversos aspectos da política eleitoral.

Combinando dados municipais, eleitorais e métodos estatísticos avançados, o pesquisador identificou que o aumento de igrejas evangélicas em cidades brasileiras está associado a uma redução média de 1,8 pontos porcentuais de comparecimento de eleitores nas eleições proporcionais e majoritárias. O resultado contraria a hipótese inicial levantada por Araújo e comprovada em estudos anteriores realizados no contexto dos Estados Unidos de que mais igrejas tornariam o engajamento eleitoral desse grupo maior.

Marcha para Jesus em São Paulo, em maio, reuniu políticos de direita como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
Marcha para Jesus em São Paulo, em maio, reuniu políticos de direita como o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)

Os resultados opostos se devem sobretudo à demografia do eleitor evangélico brasileiro. Como explica o professor, esse grupo no Brasil é formado por cerca de 65% de fiéis com renda máxima de três salários mínimos, concentrando uma maioria de baixa renda. Isso faz com que o eleitor evangélico fique sob uma pressão cruzada, devendo escolher entre candidatos que trazem discursos de que podem melhorar sua qualidade de vida ou aqueles mais alinhados às doutrinas espiritual e moral compartilhadas pela igreja.

“O eleitor fica entre duas valências, a ideia de que ele deveria votar para aquele político que está mais disposto a aumentar o gasto social, que por norma são os partidos de centro-esquerda e de esquerda, mas ele fica dividido, tem um trade-off entre votar por esse partido e votar por candidatos que estão mais alinhados na valência moral, que, em geral, são partidos de centro-direita e partidos de direita”, explica Victor. Como saída para não desagradar os pares, parcela desse eleitorado evangélico decide não votar.

O estudo foi publicado na última quarta-feira, 25, na revista especializada Political Science Research and Methods, da Universidade de Cambridge.

Outro achado estatístico foram evidências de um aumento gradual do conservadorismo em municípios com maior concentração evangélica, especialmente a partir de 2012, indicando um deslocamento do eleitorado para a direita na escala ideológica. Segundo o cálculo, um aumento no número de igrejas por 100 mil habitantes representa um eleitorado se deslocando 17% a mais para a direita.

Por outro lado, o aumento dos evangélicos, que já respondem por um quarto da população brasileira segundo o Censo 2022 Religiões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado este mês, não mostrou mudanças substanciais na competição partidária ou na polarização ideológica no cenário eleitoral.

Ou seja, apesar da pesquisa sugerir que o crescimento de minorias religiosas pode impulsionar transformações eleitorais graduais, influenciando como as pessoas votam e participam, não ficou comprovado uma possível correlação entre o aumento dos evangélicos e a polarização política que se intensificou no País nos últimos anos.

“Minhas descobertas recomendam cautela ao atribuir a ascensão dos evangélicos aos níveis crescentes de polarização entre as democracias”, destaca Araújo. O grupo, que passou de 21,7% da população em 2010, para 26,9% em 2022, foi disputado pelos diferentes candidatos nas últimas eleições e segue sendo parcela da população que pode definir os resultados nas urnas.

Como mostrou o Estadão a partir de levantamento inédito, nas cidades com maior concentração de evangélicos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu votação maior do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das últimas eleições. Os resultados corroboram uma tendência que já era apontada nas pesquisas de intenção de voto, e que mostram maior desaprovação de candidatos de esquerda entre grupos evangélicos.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/2023, que instituiu o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto, em 2024.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/2023, que instituiu o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto, em 2024.

Encampando terreno para 2026, o governo tem dado uma série de acenos ao público cristão, embora ainda “tímidos” e sem um retorno até o momento. Do ano passado até agora, o presidente sancionou leis com temas simbólicos, por exemplo, criando o Dia do Pastor Evangélico e o Dia Nacional da Música Gospel, data em que o ex-vice-líder do governo Bolsonaro, deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), orou por Lula.

Na direita, o feito se repete, mas o apoio do segmento em retorno aos possíveis candidatos é evidente. Na Marcha Para Jesus em São Paulo, no feriado de Corpus Christi deste ano, por exemplo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), possível oposição a Lula em 2026, chegou a cantar louvores e subir no trio elétrico com uma bandeira de Israel nas costas, recebendo aplausos da multidão de fiéis.

Para Araújo, uma das principais contribuições do seu estudo para as próximas eleições é a sinalização de que a esquerda está perdendo duas vezes. “Há uma porção do eleitorado que, porque ficou mais conservadora, tem uma probabilidade menor de votar em candidatos de centro-esquerda e de esquerda. Mas também tem esse porcentual de eleitores que votariam neles, mas porque se converteram ao evangelicalismo, a opção mais viável para não se indispor com seus pares evangélicos é simplesmente não votar”.

 

 

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