Bolsonaro se põe pela 1ª vez fora do páreo em 2026 e muda prioridade; saiba como ficou seu discurso
BRASÍLIA — “Eleição sem Bolsonaro é negar a democracia”. Em 16 de março, diante de um público de quase 20 mil pessoas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PL) rechaçou a possibilidade de não disputar o Palácio do Planalto em 2026 — frase que ele repetiria no mês seguinte num ato na Avenida Paulista. A intenção, entretanto, desapareceu do discurso do ex-presidente.
Condenado à inelegibilidade por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, Bolsonaro se colocou fora do páreo na eleição de 2026 pela primeira vez no ato organizado por seus aliados em São Paulo no último domingo, 29.
A mudança fica evidente na comparação com outros pronunciamentos do ex-presidente. O Estadão analisou os discursos de Bolsonaro em três diferentes atos públicos: em 16 de março, no Rio de Janeiro; 6 de abril em São Paulo, e no domingo, 29, também na capital paulista. O levantamento mostra que ele reduziu o tempo dedicado ao projeto de anistia e abandonou a cobrança de que tem que ser candidato em 2026.
No domingo, 29, afirmou para 12,4 mil pessoas presentes na manifestação, de acordo com levantamento de pesquisadores da USP, que “nem ele precisa ser o presidente” da República para mudar o País, bastaria um Congresso majoritariamente eleito com seus aliados.

“Nós temos como resolver o Brasil. Me permitam repetir: me deem 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil. E digo mais: nem eu preciso ser presidente. O Valdemar, me mantendo como presidente de honra do Partido Liberal, nós faremos isso por vocês”, declarou Bolsonaro.
A declaração vem num momento de avanço no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado para impedir a transição democrática para o governo Lula. No mês passado, a Corte encerrou o interrogatório de oito réus, incluindo o ex-presidente, do núcleo 1 da denúncia, classificado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como crucial na trama. Bolsonaro pode ser condenado à prisão até o fim do ano.
Bolsonaro tem destacado em seus últimos discursos a importância de a direita bolsonarista eleger pelo menos metade das cadeiras na Câmara e no Senado. O plano, exposto de modo subjetivo, é enfrentar autoridades que venham a “extrapolar as suas funções”.
O Senado se tornou obsessão da direita, uma vez que se trata da Casa responsável por julgar pedidos de impeachment contra ministros do STF. Parlamentares do PL passaram a defender abertamente construir uma maioria para contra-atacar Alexandre de Moraes, tornado desafeto número um do bolsonarismo por conta de inquéritos investigando o ex-presidente.
“Vamos investir ano que vem numa bancada grande no Senado. Uma bancada que não vai perseguir ninguém, mas (que será) forte para alguém que porventura queira extrapolar as suas funções”, declarou Bolsonaro em fevereiro, durante um evento do PL.
Já no último domingo, ele colocou o objetivo de forma mais abrangente: “Com essa maioria, nós elegeremos o nosso presidente da Câmara, o nosso presidente do Senado, o nosso presidente do Congresso Nacional, a maioria das comissões de peso no Senado e na Câmara. Lá no Senado, nas sabatinas, nós decidiremos quem prosseguirá nessa missão ou não. Nós indicaremos os integrantes das agências. Nós escolheremos, e não o presidente, o presidente do Banco Central e todo o seu secretariado. Nós seremos os responsáveis pelo destino do Brasil”, discursou.
Na medida em que o cerco se fecha sobre Bolsonaro, o último ato na Avenida Paulista marca uma transição em seu discurso. O tempo dedicado ao tema da anistia do 8 de Janeiro em suas declarações do alto do carro de som encolheu, enquanto as eleições do ano que vem e os feitos de seu governo (2019-22) ganharam mais espaço, de acordo com levantamento feito pelo Estadão.
Se no ato em Copacabana Bolsonaro usou 28,99% de seu discurso falando de anistia, a porcentagem caiu para 22,93% no evento seguinte, até chegar a 11,63% no último domingo. Com o projeto para perdoar os condenados no 8 de Janeiro emperrado no Congresso, o tema perdeu força — e alas do PL defendem que o ex-presidente concentre sua comunicação em desgastar o governo Lula com outros assuntos, como as fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo.
Já as eleições de 2026 passaram de 5,56% em março para 10,90% em abril e 14,71% agora. Ainda que estejam mais presentes em suas falas, o foco mudou da eleição à Presidência da República à eleição ao Congresso Nacional.
A tese da perseguição para tirá-lo do jogo, que era 14,56% de seu discurso em março, passou para 20,36%, e agora esteve presente em apenas 7,53% de sua fala. E os ataques às instituições passaram de 10,95% no primeiro ato para um pico de 16,05% no mês seguinte, antes de cair a 2,30%.
Comentários sobre o governo Bolsonaro corresponderam a 7,03% no primeiro ato, 11,13% no segundo e 20,78% no último. Trata-se de uma tentativa de reforçar na memória de seus apoiadores as medidas tomadas nos quatro anos em que ocupou o Palácio do Planalto
O levantamento não contabilizou a marcha pela anistia em Brasília, realizada em 7 de maio e que reuniu 4 mil pessoas, porque o ex-presidente discursou por três minutos — diferentemente das demais vezes, em que usou o microfone por cerca de meia hora em cada participação. Aquele momento marcava o ápice da articulação na Câmara pela aprovação da anistia, o que influenciou a sua manifestação no carro de som.
“Anistia é um ato político e privativo do Parlamento brasileiro. Se o Parlamento votou, ninguém tem que se meter em nada, tem que cumprir a vontade do parlamento, que representa a vontade da maioria do povo brasileiro”, disse na ocasião.
Veja a mudança de discurso de Bolsonaro sobre sua participação nas eleições de 2026
Rio de Janeiro (16 de março de 2025)
“Eleições sem Bolsonaro é negar a democracia no Brasil. Se eu sou tão ruim assim, me derrotem (nas urnas). O TSE, por ocasião das eleições do ano que vem, será um tribunal isento, diferente daquele que conduziu as eleições em 2022”.
São Paulo (6 de abril de 2025)
“Eleições 26 sem Jair Bolsonaro é negar a democracia, é escancarar a ditadura do Brasil. Se o voto é a alma da democracia, a contagem pública do mesmo se faz necessário. Nós temos como sair dessa. O ano que vem o TSE terá um perfil completamente de isenção. E podemos voltar a confiar nas eleições do ano que vem”.
São Paulo (29 de junho de 2025)
“Nós temos como resolver o Brasil. Me permitam repetir: me deem 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil. E digo mais: nem eu preciso ser presidente. O Valdemar, me mantendo como presidente de honra do Partido Liberal, nós faremos isso por vocês”.
Veja como Bolsonaro tem se referido a eleger 50% do Congresso
Brasília (21 de fevereiro de 2025)
“No ano que vem vocês vão me dar mais de 50% na Câmara e no Senado. Nós vamos voltar (…) Vamos investir ano que vem numa bancada grande no Senado. Uma bancada que não vai perseguir ninguém, mas (que será) forte para alguém que porventura queira extrapolar as suas funções”.
Rio de Janeiro (16 de março de 2025)
“Eles não derrotaram nem derrotaram o bolsonarismo. Não derrotaram. E nem derrotarão. Aqueles que defendem Deus, pátria, família e liberdade. Nós estamos mais fortes. E peço a vocês: por ocasião das eleições do ano que vem: me deem 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do nosso Brasil”.
Brasília (6 de junho de 2025)
“Não podemos deixar cadeiras vazias na Câmara e no Senado. E eu digo: dai-me 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do nosso Brasil. Hoje, poucas pessoas, em nome da defesa da democracia, estão conduzindo o Brasil para uma ditadura. O ponto de inflexão está chegando. (…) Com 50% do Senado, nós fazemos o presidente da Casa, decidimos qual pessoa vai ser aprovada em não numa sabatina para o Supremo. As agências vão ser ocupadas por pessoas qualificadas. Nós, ouso dizer, mandaremos mais que o próprio presidente da República”.
São Paulo (6 de abril de 2025)
“Tenho esperança. Apesar de saber quem vai me julgar que nós podemos mudar esse quadro. Mudando esse quadro, eu sempre tenho dito por aí me dê 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil. Os outros 50% ficam para os partidos dos governadores que estavam aqui. Nós temos como, dentro das 4 linhas, um Senado forte não para perseguir, mas para mostrar para qualquer um que queira extrapolar, se assim fizer vá responder no tribunal do Senado Federal”.
São Paulo (29 de junho de 2025)
“Se vocês, se vocês me derem, por ocasião das eleições do ano que vem, 50% da Câmara e 50% do Senado, eu mudo o destino do Brasil. Tem outros 50% para o Republicanos, PSD, PP, MDB, União Brasil. Se vocês me derem isso, não interessa onde eu esteja, aqui ou no além, quem assumir a liderança vai mandar mais que o presidente da República. Com essa maioria, nós elegeremos o nosso presidente da Câmara, o nosso presidente do Senado, o nosso presidente do Congresso Nacional, a maioria das comissões de peso no Senado e na Câmara. Lá no Senado, nas sabatinas, nós decidiremos quem prosseguirá nessa missão ou não. Nós indicaremos os integrantes das agências. Nós escolheremos, e não o presidente, o presidente do Banco Central e todo o seu secretariado. Nós seremos os responsáveis pelo destino do Brasil. E dou um recado: não quero isso para perseguir quem quer que seja. Não quero isso para revanchismo. Eu quero isso pelo futuro do meu Brasil. (…) Nós temos como resolver o Brasil. Me permitam repetir: me deem 50% da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil. E digo mais: nem eu preciso ser presidente. O Valdemar, me mantendo como presidente de honra do Partido Liberal, nós faremos isso por vocês”.