Locações ‘short stay’ por aplicativos de hospedagem em condomínios; entenda
A locação por micro temporada, também conhecida como “short stay” ou locação atípica, continua sendo um tema polêmico em condomínios residenciais. Em Barcelona, cerca de 66.000 anúncios foram excluídos de plataformas digitais a pedido do governo local, que busca coibir impactos negativos na oferta de moradias. No Brasil, desde 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem dividindo opiniões sobre a validade dessas locações em empreendimentos exclusivamente residenciais por meio de aplicativos como Airbnb. A seguir, um panorama dos entendimentos do STJ, seguido de sugestões de cláusulas e boas práticas para assembleias condominiais.
Em abril de 2024, a 3ª Turma do STJ, no REsp 2.121.055/MG (Rel. Min. Nancy Andrighi), reafirmou que a locação via plataformas digitais configura contrato atípico de hospedagem, distinto da locação por temporada prevista na Lei 8.245/91, e que, em condomínios de uso exclusivamente residencial, a convenção pode vedar expressamente esse modelo, em razão da rotatividade e riscos à segurança. O julgamento foi suspenso por pedido de vista.
No REsp 1.954.824/MG (4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha), houve indeferimento inicial à locação atípica, mas o relator reviu seu voto para admitir a prática, desde que a convenção não a proíba expressamente. Também ficou pendente de vista.
Para uniformizar o entendimento, a 3ª Turma propôs a afetação do tema à 2ª Seção do STJ (que reúne ministros da 3ª e 4ª Turmas de Direito Privado), o que deverá resultar em decisão vinculante.
Sugestões de cláusulas e boas práticas
• Cláusula de destinação residencial
“Fica vedado o uso de unidades para hospedagem atípica ou curta temporada, inclusive por meio de plataformas digitais, salvo autorização expressa em assembleia e alteração da convenção por quórum mínimo de 2/3 dos condôminos.”
Autorização de hospedagem de curta temporada
Fica expressamente autorizada a locação por meio de aplicativos de hospedagem (ex. Airbnb, Booking.com), desde que previamente regulada em assembleia, e observado o disposto na Convenção e no Regimento Interno, bem como as seguintes condições mínimas:
- Sossego, saúde e segurança: os hóspedes não poderão perturbar o sossego, a saúde ou a segurança dos demais condôminos.
- Limite de hóspedes: será definido em assembleia o número máximo de hóspedes por unidade.
- Prazos: estabelecer-se-á prazo mínimo de permanência e intervalo obrigatório entre locações, visando preservar o caráter residencial e a manutenção das áreas comuns.
- Responsabilidade por danos: o condômino-locador responderá por quaisquer danos ao patrimônio comum ou infração às normas internas, mediante termo de responsabilização e liberação de ingresso, com identificação e foto dos hóspedes.
- Portaria: é vedada a utilização da portaria para serviços de entrega ou liberação de chaves a hóspedes, evitando o desvio de suas atribuições.
- Sanções disciplinares: a Convenção ou o Regimento Interno deverão prever multa e demais sanções disciplinares em caso de descumprimento de quaisquer das condições acima.
A regulamentação concreta dos limites de prazo, número de hóspedes e demais parâmetros referidos deverá constar de aditivo ao Regulamento Interno ou à Convenção, aprovado em assembleia especialmente convocada por, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos condôminos.
Como boas práticas, recomenda-se que as assembleias condominiais incluam em pauta a discussão sobre locações “short stay”, apresentando previamente um estudo de impacto que aborde aspectos como rotatividade de hóspedes, segurança, encargos tributários e administrativos, de modo a justificar a necessidade de deliberação coletiva. Para subsidiar o debate, é importante convidar especialistas — um advogado com experiência em Direito Condominial e, se possível, um síndico profissional — para expor os riscos jurídicos, os potenciais benefícios e ilustrar com exemplos de outros condomínios que já regulamentaram o “short stay”.
Na sequência, deve-se votar uma norma clara que estabeleça prazos máximos de estadia (por exemplo, até 30 dias), limite o número de unidades autorizadas a operar nessa modalidade e determine a responsabilização civil dos condôminos-locadores, inclusive no que diz respeito a eventuais danos ao patrimônio comum e perturbação da ordem. Por fim, recomenda-se prever mecanismos de fiscalização — seja por equipe interna ou serviço terceirizado — e fixar penalidades proporcionais para o descumprimento das regras, como multas graduais e até a suspensão temporária do uso de áreas comuns.
Adotar esse conjunto de medidas contribui para conferir maior previsibilidade às decisões condominiais, reduzindo a margem de conflitos e fortalecendo a segurança jurídica enquanto não se alcança uma posição definitiva do STJ ou ocorre eventual reforma legislativa.
Desta forma, conclui-se que, à vista das posições majoritárias do STJ, a hospedagem atípica descaracteriza a destinação residencial do condomínio e pode ser vedada mediante convenção. Contudo, até a edição de decisão vinculante pela 2ª Seção ou alteração legislativa, vedar tal modalidade sem disciplina prévia expõe o condomínio a riscos de questionamentos judiciais. Recomenda-se, portanto, a convocação de assembleia para revisão da convenção, com a inclusão de regras claras e quórum qualificado, de modo a garantir segurança jurídica e efetivar a vontade coletiva.