4 de julho de 2025
Politica

Assistência à acusação no processo penal: um direito da vítima, nunca um dever

No processo penal brasileiro a atuação do Ministério Público, como titular da ação penal pública, já assegura a defesa dos interesses da vítima. Essa estrutura institucional tem por objetivo preservar a imparcialidade do sistema e evitar a revitimização. Nesse contexto, é um equívoco — e até um retrocesso — sustentar que a assistência da acusação seja obrigatória, como se recaísse sobre a vítima o dever de atuar ao lado do Estado na persecução penal. A participação da vítima deve ser voluntária, jamais imposta.

Essa compreensão é especialmente importante nos casos que envolvem mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ao contrário do que alguns sustentam, não é legítimo presumir que elas devam obrigatoriamente intervir como assistentes da acusação, sob pena de comprometerem sua proteção. Pelo contrário: impor essa participação pode representar uma nova forma de violência, agora institucional, ao colocá-las sob a carga emocional e processual de reviver os fatos e confrontar diretamente o agressor.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso V.R.P., V.P.C. e outros Vs. Nicarágua, foi categórica ao afirmar que a assistência jurídica gratuita no processo penal deve sempre ser oferecida, mas somente será exercida se houver solicitação expressa da vítima — seja ela criança, adolescente ou seu representante. A Corte reconheceu que a vítima é sujeito de direitos, e não mero instrumento de persecução penal. Isso vale para todas as vítimas, inclusive mulheres em situação de violência doméstica, que têm o direito de optar se desejam ou não atuar como parte acusadora.

“Essa assistência técnica jurídica será fornecida pelo Estado de forma gratuita, caso a pessoa menor de idade tenha a idade e maturidade suficientes para manifestar sua intenção de se constituir como parte acusadora no processo, com o objetivo de defender seus direitos de maneira autônoma como sujeito de direitos, diferenciado dos adultos. A assistência técnica será de livre escolha, e será oferecida e disponibilizada caso a menina, o menino ou o adolescente assim o requeira, a menos que já tenha patrocínio jurídico próprio”. (Corte IDH. Caso V.R.P., V.P.C. e outros Vs. Nicaragua. Sentença de 8 de março de 2018, § 387)

É fundamental compreender que a participação da vítima no processo penal, como assistente da acusação, é um direito que deve ser respeitado, mas nunca um dever que possa ser exigido. A vítima deve ter garantido o apoio do Estado, inclusive com assistência jurídica gratuita e especializada, mas sempre com base em sua vontade. Transformar esse direito em obrigação significa inverter a lógica do sistema acusatório e comprometer a centralidade da dignidade humana no processo penal.

Oferecer sim. Impor, jamais. O Estado deve assegurar suporte, proteção e informação, permitindo que a vítima decida, com liberdade e consciência, se quer ou não participar ativamente da persecução penal. Isso é respeitar sua autonomia, sua segurança e sua condição de sujeito de direitos.

 

 

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