Populares em suas bases, pelas emendas, deputados não se preocupam com ataques de Lula
Quem viaja por pequenas cidades de todas as regiões do Brasil, com o radar político ligado, já percebeu que a apropriação de boa parte do orçamento do governo pelo parlamento mudou a paisagem dos municípios. São tratores, pontes, postos de saúde, ônibus escolares, caminhões, ambulâncias em locais que até há pouco tempo a prefeitura mal tinha recursos para honrar a folha de pagamentos. Pergunte como foram conseguidos esses benefícios. A resposta será: “via emenda de deputado fulano de tal, ou da deputada sicrana de tal”.

Esse é o pano de fundo de um governo acuado que precisa do Supremo Tribunal Federal (STF) para governar, já que os deputados prescindem do Executivo. É o que explica a frase do presidente Lula, em tom de desabafo, proferida em entrevista na TV Bahia, da Rede Globo. “Se eu não entrar com um recurso no Poder Judiciário, não for à Suprema Corte, não governo mais”.
Quando o governo, governistas, militantes e bajuladores de ocasião abrem uma franca campanha contra o Congresso – pelas razões certas e erradas – não irão conseguir alcançar o seu alvo. Dizer que um deputado é defensor dos ricos contra os pobres não vai fazer sentido na ponta.
Hoje, a população gosta de emendas porque vê o Estado chegar perto de suas casas, e quem não gosta, mesmo que com razão em seus pontos, é intelectual.
A questão de fato é complexa. Com o crescimento exponencial dos recursos para deputados e senadores, o governo federal, cada vez mais, perde a capacidade para executar ações estratégicas. Uma grande obra de infraestrutura, por exemplo.
Ainda não estão claras as consequências desse modelo, fora a perda de poder de barganha do Executivo nas votações no Congresso, com os riscos para a governabilidade do governo atual e dos próximos. Mas a contrapartida tem sido uma série de rincões que receberam obras e equipamentos de modo inédito.
Nesse novo panorama, o parlamentar ligado à região se torna um grande benfeitor aos olhos de seu eleitorado – e para as autoridades locais, sobretudo os prefeitos. Por isso, podem apostar, não estão nada preocupados com os julgamentos que recebem de gente das grandes cidades.
Pavimentação, escolas, caminhões de lixo, maquinário hoje são frutos de emenda. O custeio para saúde de baixa e média complexidade também depende delas, além de postos de saúde e equipes médicas. Há também recursos para ações de turismo, entidades assistenciais. Houve, de fato, uma dispersão do dinheiro.
Hoje chegou a um ponto que os próprios ministérios pedem que os parlamentares destinem emendas para a pasta, de maneira que consigam viabilizar e liberar os recursos. São, também, de alguma maneira, reféns do Parlamento.
O episódio recente de um deputado do União Brasil que se recusou a ser ministro para continuar deputado é ilustrativo: hoje, para quem está na ponta, o parlamentar local tem mais prestígio do que o ministro do Lula. Afinal, o representante da localidade tem mais dinheiro para distribuir.
Existem também as endemoniadas “emendas Pix”. Essas são particularmente admiradas na ponta por liberarem rapidamente dinheiro, evitando um processo burocrático que às vezes duravam dois anos. Refazer a ponte que caiu, reformar a praça, a van escolar, podem ser viabilizados em poucos meses pelas emendas Pix.
Ou seja, na queda de braço do governo com o Congresso, o Legislativo conta com essa força avassaladora. E quem quiser dar uma rodada pelos estados brasileiros, vai ver que não querem renunciar a isso – nem os parlamentares, nem os líderes locais, nem a população local.
Dizer que se trata de um processo que pode haver corrupção, que falta fiscalização – críticas mais que válidas – não irá alterar o estado de coisas. Lá na sua terra, o deputado é rei e não está nem aí para as críticas do pessoal da capital que o considera um defensor dos ricos contra os pobres. Sabe que o ataque não terá aderência de quem interessa: seu eleitor.