3 de julho de 2025
Politica

PT convoca influenciadores para dar gás a ‘modo pré-campanha’; especialistas criticam estratégia

SÃO PAULO E BRASÍLIA — O Partido dos Trabalhadores convocou influenciadores digitais nesta quarta-feira, 2, para reforçar a nova estratégia de comunicação do governo Lula. Com apoio do Palácio do Planalto, a cúpula do partido reuniu cerca de 270 criadores de conteúdo e apoiadores numa reunião virtual para incentivá-los a dar gás à “campanha taxação BBB” (bilionários, bancos e bets). Especialistas criticam a estratégia e falam em “impacto incerto”.

O encontro reuniu principalmente influenciadores ligados ao PT, muitos com pouco alcance nas redes. Participaram, além do secretário nacional de comunicação, o deputado federal Jilmar Tatto (SP), o presidente do partido, o senador Humberto Costa (PE), e o marqueteiro Otávio Antunes, responsável pela campanha BBB.

Antunes explicou que a estratégia será dividida em fases. A primeira, já em curso, busca chamar atenção para o tema e trabalhar o conceito de justiça. A segunda deve investir em comparações objetivas — como mostrar que o Bolsa Família, que contempla milhões de pessoas, custa ao Estado o mesmo que isenções fiscais concedidas a poucos produtores rurais.

PT convoca influenciadores para reforçar comunicação do governo Lula na crise do IOF
PT convoca influenciadores para reforçar comunicação do governo Lula na crise do IOF

Tatto afirmou aos participantes que a batalha nas redes sociais para defender o governo Lula na crise do IOF se trata de entrar num “modo pré-campanha, porque o País está polarizado”. Ele afirmou, no entanto, que o enfrentamento não é com o Congresso. O tom adotado pelo dirigente contrasta com o de alguns aliados do governo que, nos últimos dias, passaram a publicar mensagens nas redes com a hashtag “Congresso inimigo do povo”. Petistas afirmam que o movimento não partiu da legenda, mas foi uma reação orgânica de usuários das redes sociais.

Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, grupo de advogados pró-PT, foi chamado pelo ministro da Comunicação Social do governo Lula, Sidônio Palmeira, para participar do encontro e oferecer uma orientação jurídica na comunicação dos influenciadores. Ele sugeriu cuidados nas publicações nas plataformas digitais, de modo a “não caluniar, difamar ou injuriar ninguém” e evitar processos.

“Precisamos agradecer ao Hugo Motta, porque ele deu um choque em todos nós. Ele permitiu que a gente reagisse, que deixasse claro o projeto que a gente defende”, afirmou Carvalho, em referência ao fato de o presidente da Câmara ter pautado a derrubada do aumento no IOF.

O advogado propôs que o PT forme uma equipe jurídica para assessorar os comunicadores digitais “que porventura tenham alguma dúvida judicial”. A orientação é que os apoiadores disseminem conteúdo verídico, de feitos realizados pelo governo Lula, além de entrar com força na campanha a favor de taxar o 1% mais rico do Brasil.

Ao Estadão, Carvalho afirmou que é preciso mostrar à população o antagonismo entre os projetos do Congresso e do Executivo: “Esse enfrentamento não fomos nós que propusemos, estamos só reagindo ao Congresso. É a defesa de uma competência atribuída ao Executivo (regulamentar o IOF)”, declarou. “Se o governo não fizer nada, vai se criar um tsunami institucional”.

As recentes derrotas do governo no Congresso Nacional deram à esquerda um pretexto político para reorganizar seu discurso, até então focado quase exclusivamente na defesa da democracia e no combate ao bolsonarismo.

O discurso contra privilégios e o poder econômico animou o entorno de Lula depois da boa repercussão nas redes sociais, território dominado pelo bolsonarismo, e a nova estratégia já está sendo testada com olhos voltados para 2026. Especialistas, porém, veem dificuldades para que esse discurso ganhe tração.

Materiais para redes sociais já estão sendo produzidos, e a Frente Povo Sem Medo — ligada ao deputado Guilherme Boulos (PSOL) — convocou manifestação para o dia 10 de julho, em São Paulo, com dois motes: taxar os super-ricos e pôr fim à escala 6×1.

“A direita e o Centrão deram o discurso que estava faltando para nós e para o governo. Agora, todo mundo está falando a mesma língua. Hoje, o PT e a esquerda têm uma linha política clara: fazer o andar de cima pagar imposto. Bilionário, banqueiro e Bets”, diz o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), secretário nacional de Comunicação do PT. Ele comemora a adesão à pauta nas redes e a retomada de uma unidade no campo progressista.

Segundo Tatto, o PT pretende intensificar a produção de vídeos semanais e engajar influenciadores para potencializar a nova linha política. “É uma guerra aberta do rico contra o pobre. Na derrubada do decreto do IOF, cutucaram a onça com vara curta. Achavam que a gente ia se encolher, colocar o rabo entre as pernas. Mas nós vamos pra cima. Eles que digam que não tem que pagar imposto.”

Para Boulos, a nova ofensiva é uma resposta aos fatos que aconteceram no Congresso, como a derrubada do veto que deve encarecer a conta de luz, o aumento no número de deputados e o próprio revés sobre o IOF. “Houve uma atuação da direita no Congresso para derrubar pautas que não são só do governo, são populares. É natural que a esquerda responda a isso, colocando quais são as nossas pautas e fazendo a disputa política. Não pode ter disputa política de um lado só.”

Boulos diz acreditar que a manifestação convocada pela Frente Povo Sem Medo levará mais gente às ruas do que o ato promovido por Jair Bolsonaro no último domingo, na Avenida Paulista. Ele reconhece, porém, que o País atravessa um momento em que a sociedade tem ido menos às ruas.

Ao longo do evento virtual, houve críticas à condução da reunião e ao rumo da comunicação. “Reunir 200 comunicadores para ouvir? Sério? Não teríamos de falar também?”, escreveu um participante. Outro afirmou: “A campanha BBB não está boa. Não está fazendo comparativo. O leigo, o trabalhador, as bases, o condomínio de cobertura não ligam os “pontos”, não entendem”.

Impacto incerto

Para especialistas em marketing político, a nova estratégia do PT pode até funcionar nas redes sociais, mas há dúvidas se vai ter um impacto real sobre o eleitorado e se traduzir em popularidade para Lula.

“O mote da campanha de 2022 era melhorar o custo de vida — e isso não está acontecendo na ponta. Tenho dúvidas se esse discurso do rico contra o pobre vai colar. Cadê a materialidade disso tudo? A vida do pobre não está melhorando, o custo de vida voltou a subir, a segurança está ruim, a saúde é precária. A realidade se impõe ao discurso”, afirma Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia.

O estrategista Felipe Soutello, que coordenou a campanha de Simone Tebet (MDB) à Presidência em 2022, diz que a proposta de reforma da renda dialoga com a história do PT e com a promessa de campanha de Lula de “colocar o pobre no orçamento”. O problema, segundo ele, está na forma como o governo e o partido têm comunicado o tema.

“O governo precisa de uma pauta— isso não é novidade. E a ideia de fazer quem ganha mais pagar mais impostos é universal. Mas esse discurso de pobre contra rico, de luta de classes, soa anacrônico, fora do tempo. Não vejo hoje, na sociedade, um sentimento de luta de classe. Esse tipo de retórica reforça a militância do presidente Lula, o eleitor histórico do PT, mas não tem capacidade de ecoar além disso. As pessoas estão mais conectadas à lógica da prosperidade, do empreendedorismo, do que da luta de classes”, afirma.

Para Soutello, o governo teria mais força se combinasse esse discurso a medidas concretas de corte de gastos. “Conseguiria dialogar melhor com a população e dar um sinal para o eleitor de centro de que está fazendo o dever de casa no ajuste fiscal.” O estrategista ainda critica os vídeos da campanha “Taxação BBB” feitos com inteligência artificial. “Política pública é feita para pessoas. Por que não trazer pessoas para o testemunhal? Somente mirar em performance de rede não é capaz de gerar empatia e intimidade para além da bolha”, questiona.

 

 

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