‘Amigo das más horas’, ‘indignação’: como foram os depoimentos sobre interferência na delação de Cid
Os advogados Paulo Amador Cunha Bueno, que há dois anos defende o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Fábio Wajngarten, ex-assessor de Bolsonaro, e Eduardo Kuntz, responsável pela defesa do coronel Marcelo Câmara, negam ter procurado a família do tenente-coronel Mauro Cid para interferir na delação dele.
Eles foram ouvidos na terça-feira, 1º, em depoimentos simultâneos à Polícia Federal, em São Paulo, mas a íntegra das declarações só foi disponibilizada hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Cunha Bueno admite que teve contato com a mãe do tenente-coronel, Agnes, mas segundo o advogado o encontro foi causal e em nenhum momento houve conversas sobre o acordo de colaboração de Cid.
Antes do depoimento, o criminalista enviou explicações por escrito ao STF. Ao se apresentar na Polícia Federal, na terça, ele pediu a palavra para ratificar o que havia informado do tribunal e não quis responder às perguntas do delegado.
“Na data de ontem (30/06/2025), no começo da noite, a defesa constituída do declarante apresentou uma petição com esclarecimentos sobre os fatos apurados. Em razão disso, ratifica o teor da referida petição, deixando de prestar esclarecimentos em sede policial”, diz o termo de depoimento.

Já Wajngarten respondeu a todos os questionamentos. O ex-chefe da Secretaria de Comunicação confirmou que trocou mensagens e telefonemas com a mulher de Mauro Cid, Gabriela, e com a filha menor de idade do tenente-coronel, mas negou ter tentando influenciar a delação, obter informações do acordo ou convencer a família a trocar de advogado.
Wajngarten disse que agiu como “amigo das más horas” e que todos os contatos foram “em caráter de solidariedade”.
O ex-secretário disse que “jamais realizou qualquer ato com objetivo de embaraçar, tumultuar ou atrapalhar as investigações em andamento” e que nunca presenciou qualquer ato de obstrução.

O próprio Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi o pivô da investigação. Ele disse em depoimento à PF, na semana passada, que os advogados fizeram contato com a mulher, a mãe e a filha menor de idade dele para tentar conseguir informações sobre o acordo de colaboração premiada e, com isso, “interferir nas investigações em andamento”.
A mulher e a mãe dele enviaram relatos por escrito ao Supremo Tribunal Federal confirmando a versão. Gabriela alegou que Wajngarten a telefonou “diversas vezes” e que a filha também foi “alvo de ligações constantes e insistentes”.
Já Agnes relatou que foi procurada pessoalmente por Kuntz, na Sociedade Hípica de São Paulo, em pelo menos três ocasiões. Em uma delas, segundo a mãe de Mauro Cid, o advogado estava acompanhado de Cunha Bueno.
“Essas tentativas de aproximação eram muito constrangedoras, porque eu sabia o que eles queriam, basicamente, que trocássemos de advogado e que fossem todos ligados a uma única defesa”, diz a declaração apresentada pela mãe de Mauro Cid ao Supremo.
As acusações foram feitas depois que Eduardo Kuntz entregou ao STF mensagens que alega ter trocado com Mauro Cid por meio de um perfil no Instagram em nome de “Gabriela” (@gabrielar702). O advogado usou as conversas para pedir a anulação do acordo de colaboração do tenente-coronel.
Cid nega ter enviado as mensagens – em áudio e por escrito. O ex-ajudante de Bolsonaro alega que alguém teria gravado as conversas, sem que ele soubesse, e repassado os áudios a Kuntz.

Nos diálogos, o tenente-coronel faz críticas a Moraes, ao delegado Fábio Shor, que conduz investigações sensíveis contra Bolsonaro, incluindo o inquérito do golpe, e insinua que as informações prestadas em seu acordo de colaboração premiada estavam sendo distorcidas (ouça todos os diálogos).
Em depoimento, Eduardo Kuntz disse que foi procurado por familiares de Mauro Cid porque o tenente-coronel estaria insatisfeito com a defesa dele e considerou trocar de advogados. O criminalista alegou que também conversou com a família no contexto de campeonatos de hipismo – a filha de Mauro Cid participa das competições.
Kuntz admitiu que esteve pessoalmente com o ex-ajudante de ordens em pelo menos três ocasiões, em março de 2023 e no início de 2024, em São Paulo e Brasília.
“Em geral, os contatos tinham como objeto questões da atividade de hipismo, podendo ter havido questionamentos sobre os processos em andamento, inclusive sobre uma possível troca da defesa técnica de Mauro Cid”, afirmou.

O advogado alegou que eles “se encontraram para saber como estava o andamento dos processos, desabafos e reclamações sobre a forma como as coisas foram conduzidas” e que “sempre se colocou disponível para atender às necessidade de Mauro Cid, para compreender se poderia ajudar pessoalmente ou indicar outra pessoa em caso de impedimento”, mas que nunca teve intenção de interferir na investigação.
O delegado Fábio Shor, que conduziu o interrogatório, questionou como a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro tomou conhecimento das mensagens que Kuntz alega ter trocado com Mauro Cid no Instagram. O advogado Celso Vilardi, que defende o ex-presidente, confrontou o tenente-coronel sobre o perfil @gabrielar702 durante o interrogatório no STF. As mensagens ainda não tinham vindo a público.

Kuntz não soube dizer como a defesa de Bolsonaro obteve as conversas. Ele alega que, pouco antes do interrogatório, mencionou o perfil supostamente usado por Mauro Cid em uma conversa informal com Vilardi, mas não revelou ao colega o conteúdo das conversas.
Eduardo Kuntz também foi confrontado sobre a existência de um grupo no Instagram integrado por ele, por Cunha Bueno e pelo perfil @gabrielar702, atribuído a Mauro Cid. O advogado disse que foi o tenente-coronel quem o pediu para criar o grupo, mas segundo Kuntz não houve conversas e o grupo ficou inativo.

O coronel Marcelo Câmara, que foi preso preventivamente depois que o próprio advogado apresentou as conversas ao STF, também prestou depoimento à Polícia Federal. Ele foi ouvido nesta terça na superintendência da PF em Brasília. Câmara negou ter se envolvido nos diálogos e disse que nunca pediu o advogado para conseguir informações sobre a delação premiada do tenente-coronel ou para interferir no acordo de colaboração.
O coronel disse que não conversou com Mauro Cid ou com familiares dele, diretamente nem por meio de terceiros, e que recebeu com “indignação” a ordem de prisão “por nunca ter deixado de cumprir as medidas que lhe foram impostas pelo STF”.