Decisão de Trump é mais guerra comercial do que aceno a bolsonarismo
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% a produtos importados do Brasil reflete mais uma preocupação comercial do que política de Trump. A manifestação, nesta quarta-feira, 9, ocorre dois dias após o líder norte-americano criticar a Cúpula do Brics e ameaçar uma guerra tarifária. Acontece também numa sequência de embates com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que envolve interesses de plataformas sociais.
Embora cite o ex-presidente Jair Bolsonaro, a decisão está longe de ser um aceno a aliados de Bolsonaro. Uma mostra disso é que o tarifaço impacta setores da direita fortemente ligados ao bolsonarismo, a exemplo do agronegócio. A avaliação é compartilhada por especialistas ouvidos pela Coluna do Estadão.
“O que está em jogo aí é muito mais o embate entre o grupo Trump com o Moraes por causa de decisões em relação a redes sociais do que de fato em relação ao bolsonarismo”, afirmou Rodolfo Teixeira, doutor em sociologia política pela Universidade de Brasília. E completou: “Quando o Trump foi eleito pela primeira vez, ele teve a chance de conversar mais tempo com o Bolsonaro, à época presidente, e não o fez”.

As empresas Trump Media & Technology Group, ligadas ao presidente dos EUA, processam Moraes na Justiça da Florida por supostamente censurar conteúdos publicados nessas plataformas no Brasil. Na terça-feira, 8, Moraes foi citado novamente no processo.
No documento enviado ao governo brasileiro em que anunciou a alta das tarifas de importação, Trump apontou perseguição do Brasil a Bolsonaro e reclamou de decisões do STF contra empresas norte-americanas de tecnologia.
“(Isso ocorreu) como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro”, escreveu o presidente dos EUA.
Papel do Brasil nos Brics
Outro alvo de Trump na carta é a posição geopolítica do Brasil, de aproximação com a China, segundo o cientista político Creomar de Souza, CEO da consultoria política Dharma.
“Trump assumiu com a ideia de declarar guerra comercial a qualquer ator político que representasse, na visão dele, algum tipo de ameaça aos EUA. O Brasil parece ser uma dessas ameaças, ao integrar organizações como o Brics, em que está muito próximo à China, o grande rival americano”, avaliou Souza.
Nesta semana, o Brasil sediou a Cúpula dos Brics. O bloco foi criticado por Trump na segunda-feira, 7. “Qualquer país que se aliar às políticas antiamericanas dos Brics será cobrado com uma tarifa adicional de 10%”, afirmou o presidente dos EUA na ocasião. A tarifa anunciada para o Brasil nesta quarta-feira, 9, foi cinco vezes maior.
Agronegócio impactado
Como consequência econômica mais imediata, a tarifa de 50% para produtos brasileiros exportados aos EUA afetará o mercado de café e carne bovina do País, parte do agronegócio brasileiro, alinhado ao bolsonarismo.
“O aumento de tarifas tem especial impacto sobre os principais produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos, como petróleo, produtos semiacabados de ferro e aço, aeronaves e suas partes, café não torrado e carne bovina”, afirmou Renata Emery, co-head da área de tributário do escritório Tozzini Freire.
A agropecuária nacional sofrerá um “duro golpe”, completou o advogado Luís Garcia, sócio do MLD Advogados. “A tarifa representa um duro golpe para as exportações brasileiras, especialmente do agronegócio e de setores ligados a commodities, aprofundando a crise de confiança em meio à alta dos juros, retração de investimentos e desvalorização cambial”.