Trump dá a Lula um presente político, mas presidente brasileiro precisa ter cautela
Foi uma carta hostil e muito da malcriada, mas pode ter sido também um presente político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A mensagem enviada nesta quarta-feira, 9, por seu colega norte-americano, Donald Trump, em que ameaça sobretaxar os produtos brasileiros em 50%, abriu uma janela de oportunidade que o governo petista estava precisando, de desviar o olhar da opinião pública de problemas domésticos como fraudes no INSS e a crise do IOF. E, de quebra, explorar um patriotismo que era monopólio da oposição, e um “nós contra eles” que, desta vez, não é dos pobres contra os ricos.
Lula devolveu a carta de Trump, mas ficou com as repercussões políticas. No texto, o republicano diz que as tarifas serão impostas em parte por conta do que ele chama de “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres”. Cita ainda o julgamento de Bolsonaro que, alega, “é uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”. Com isso, líderes petistas e ministros jogaram no colo do ex-presidente brasileiro a culpa pelos impactos econômicos que a taxação terá.

Também trouxeram para o vórtice um representante importante da oposição: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que não se demorou a se associar a Trump nos últimos dias quando ele disse que Bolsonaro era um perseguido político – com direito a resgatar aquela imagem do governador brasileiro com o boné do MAGA na cabeça. Desde quarta, Tarcísio já trocou farpas com petistas e tem sido cobrado a se posicionar sobre os impactos econômicos da medida-protesto do presidente norte-americano.
A atitude do líder republicano é inédita do ponto de vista diplomático, como disseram ex-embaixadores ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Claramente não há justificativa comercial para a aplicação das tarifas. Primeiro, porque é falsa a alegação feita na carta de que há “déficits comerciais insustentáveis” entre os dois países. Os EUA são superavitários na relação comercial com o Brasil há 17 anos.
Segundo, porque o próprio presidente norte-americano nem disfarçou e citou no texto, além de sua contrariedade por Bolsonaro estar sendo julgado por tentativa de golpe de Estado, as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas à atuação das redes sociais no Brasil. Ou seja, Trump avisa que quer interferir na política interna e na justiça brasileira via comércio internacional. Simples assim.
Agora é saber se a ameaça de tarifa, que entraria em vigor em 1.º de agosto, se tornará realidade. O mundo já está acostumado à política TACO, sigla que significa “Trump always chickens out”. Algo como “Trump sempre amarela”, expressão cunhada por um jornalista do Financial Times, que viralizou a ponto de irritar o próprio presidente norte-americano. O republicano tem o costume de fazer muito barulho e não necessariamente levar adiante suas ameaças.
Ainda mais porque, ao tentar proteger seu doppelgänger brasileiro, Trump acertará em cheio setores da base de apoio de Bolsonaro, que farão pressão pela retirada das tarifas. É o caso do agronegócio. Produtos como café, laranja e carnes serão fortemente afetados e já disseram que uma sobretaxa de 50% inviabiliza o comércio com os EUA.
Nesta quarta, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro, foi uma das primeiras a pedir “calma e equilíbrio”. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), aliada do bolsonarismo, disse estar preocupada com a medida – sem citar a alusão a Bolsonaro na carta de Trump – e pediu uma reação “firme e estratégica” do governo brasileiro.
Com isso, é esperado que os próprios Bolsonaros batam à porta da Casa Branca e intercedam pela não aplicação das tarifas. O filho 03, deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, está nos EUA espalhando a palavra de que são perseguidos, e não golpistas.
E é aqui que Lula precisa ter cautela para não deixar que a narrativa se reverta. O presidente brasileiro tem tudo para faturar com a situação, jogar “dentro das quatro linhas” da diplomacia. Pode manter uma negociação sóbria com o Itamaraty e o seu ministro da Indústria, o vice-presidente Geraldo Alckmin à frente, tentando abrir um canal de negociação como das outras vezes que o Brasil foi ameaçado.
Se Lula esticar a corda demais, pode queimar o cartucho e voltar aos tempos de crise. E Bolsonaro ainda sair como o salvador da pátria que fez Trump voltar atrás nas tarifas.