Apoio ‘radioativo’ de Trump derrubou aliados estrangeiro e pode afetar imagem de Bolsonaro no Brasil
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BRASÍLIA E SÃO PAULO — O apoio manifestado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a Jair Bolsonaro (PL) na carta em que anuncia um ataque tarifário ao Brasil pode envenenar o capital político do ex-presidente da mesma forma ocorrida no exterior nos últimos meses. Em algumas situações, aliados colados demais no americano sofreram reveses nas disputas eleitorais.
Na quarta-feira, 9, Trump anunciou que vai sobretaxar os produtos brasileiros em 50% a partir de 1º de agosto e citou como justificativa o que ele chama de “caça às bruxas” contra Bolsonaro, réu por tentativa de golpe de Estado. A ofensiva reuniu forças em torno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem a carta foi endereçada, que passou a encampar o mote de defesa da soberania nacional para se contrapor a Trump.

O exemplo mais didático da “radioatividade” de Trump foi observado no Canadá, onde o Partido Liberal saiu vitorioso na eleição realizada no fim de abril. A disputa que opôs o primeiro-ministro Mark Carney ao candidato conservador Pierre Poilievre foi marcada pela reviravolta provocada por ameaças de Trump de anexar o país vizinho como o 51º estado americano.
As pesquisas indicavam uma larga vantagem para os conservadores após dez anos de governo mais à esquerda no país, que parecia fadada aos fracasso naquela eleição. Após Trump reforçar o desejo de anexar o Canadá e o então premiê Justin Trudeau renunciar, as curvas de desempenho de ambos os partidos começam a se inverter.
Em 6 de janeiro, um dia antes de Trump sugerir com mais ênfase anexar o Canadá e não descartar o uso militar para tomar o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá, os conservadores apareciam com 44,2% das intenções de voto, enquanto os liberais tinham 20,1%, de acordo com o agregador de pesquisas da CBC News. A partir de então, a esquerda dispara.

As curvas se tocam em 19 de março, quando os liberais passam para 37,7% e os conservadores, 37,4%. Em 27 de abril, véspera do pleito, o partido de Trudeau e Carney marcava 42,8% contra 39,2% do rival, e acabou com 169 assentos no parlamento, três a menos do que o necessário para obter a maioria, e garantiu Carney no poder. Ele citou Trump em seu discurso de vitória.
“Superamos o choque da traição americana, mas nunca devemos esquecer as lições”, disse ele. “Como venho alertando há meses, os Estados Unidos querem nossa terra, nossos recursos, nossa água, nosso país. Essas não são ameaças vazias. O presidente Trump está tentando nos destruir para que os Estados Unidos possam nos dominar. Isso nunca, jamais acontecerá”.
No México, o embate com Trump pode ter ajudado a popularidade da presidente Claudia Sheinbaum, cujo governo alcançou 80% de aprovação em fevereiro de 2025 — seis pontos a mais do que em novembro de 2024, início do mandato de Sheinbaum. O dado é de uma pesquisa da consultoria Buendía y Márquez feita para o jornal mexicano El Universal.
A mandatária de esquerda, que se tornou a primeira mulher a presidir o México, adotou uma postura firme diante das ameaças de Trump, o que rendeu até elogio do presidente americano, que desde a campanha ameaçava impor tarifas ao país vizinho. “Você é durona”, teria dito Trump em uma ligação telefônica com a presidente mexicana.
No início do ano, o presidente americano anunciou tarifa de 25% sobre as importações do México, mas a medida foi suspensa após um acordo entre os países. Atualmente, estão em vigor tarifas de 25% apenas para produtos fora do escopo do USMCA — o acordo comercial entre os países da América do Norte assinado por Trump em seu primeiro mandato.
“A presidente Claudia Sheinbaum já havia herdado altos índices de popularidade de seu antecessor, que foram alcançados com políticas sociais como aumento do salário mínimo. Mesmo assim, ela foi capaz de ampliar sua aprovação em relação ao seu antecessor e, dentre as principais razões para isso, está a forma como conduziu a relação com os Estados Unidos, especialmente nas questões tarifárias. Apesar da trajetória política oposta à de Trump — sendo de esquerda e historicamente ligada à pauta ambiental — negociou de forma firme, técnica e cedendo em temas como reforço de segurança de fronteiras”, afirma Leandro Ferreira, mestre em políticas públicas e diretor do Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros.
O “efeito Trump” também se fez presente na Austrália, onde a ascensão do presidente americano abriu caminho para a vitória da esquerda, com a reeleição do primeiro-ministro Anthony Albanese.
Antes da eleição que confirmou o retorno de Trump à Casa Branca, o Partido Liberal, liderado por Peter Dutton — ex-policial com discurso semelhante ao de Trump — liderava as pesquisas. Mas a vitória de Trump e o temor causado pelo seu “tarifaço” assustaram os eleitores e deram força para a esquerda virar o jogo.
Os embates com Trump e alguns de seus aliados próximos também geraram reações em outros países, lembra Maurício Moura, CEO e fundador do Instituto de Pesquisa IDEIA. Na Alemanha, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) vinha crescendo nas pesquisas até Elon Musk e J.D. Vance, vice de Trump, entrarem diretamente na campanha.
Os presidentes da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e da África do Sul, Cyril Ramaphosa — acusado por Trump de promover perseguição racial contra fazendeiros brancos — também ganharam pontos de popularidade após embates com o americano. Emmanuel Macron, presidente da França, viveu algo semelhante: quando confrontou Trump, sua aprovação subiu.
“Trump é uma figura bastante rejeitada no mundo inteiro. Há várias pesquisas de opinião pública mostrando que ele é pior avaliado do que o próprio país, e seus discursos colocam os Estados Unidos como prioridade — o que não cai bem em lugar nenhum. Quando ele avança uma casa e ataca frontalmente um país ou chefe de Estado, acaba catalisando essa opinião pública contra si”, declara Moura.
Para o historiador Filipe Figueiredo, especialista em política internacional e colunista do Estadão, há gradações em relação à interferência de Trump no mau desempenho de aliados colados à sua imagem — sendo o Canadá o exemplo mais claro do prejuízo causado à direita. Ele diz ver nas eleições australianas e alemãs sinais de influência indireta do presidente americano.
No caso brasileiro, Figueiredo avalia que a associação do clã Bolsonaro a Trump pode causar danos ao desempenho de bolsonaristas na eleição presidencial do ano que vem. Desde o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, diz ele, havia a ideia de que o sentimento de patriotismo e os símbolos pátrios brasileiros eram parte de uma cultura da direita, sendo a camiseta amarela da seleção, adotada por bolsonaristas, um exemplo disso. Mas essa associação agora pode mudar.
“Essa história das tarifas do Trump e o Eduardo Bolsonaro dizendo que o Brasil tem três semanas para evitar uma catástrofe jogaram a bandeira nacional no colo do Lula. Como você vai se dizer patriota pregando sanções contra o seu próprio País? Essa bola do patriotismo brasileiro agora está no campo do Lula, não é mais monopólio da direita”, afirma ele.
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