Justiça nega prisão ‘linha dura’ para 11 policiais de SP sob suspeita de ligação com PCC
A Justiça de São Paulo negou um pedido da Corregedoria-Geral da Polícia Civil para transferir para o RDD onze policiais investigados por suposta relação com o PCC e com o assassinato do empresário Antônio Vinícius Gritzbach, delator da facção.
É a primeira vez que a Corregedoria faz esse tipo de pedido.
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – previsto no artigo 52 da Lei de Execução Penal – é um modelo de cumprimento de pena sob severas condições e limitações extremas para o prisioneiro. Temido por 10 entre 10 sentenciados, o RDD é reservado a presos perigosos ou que cometeram falta grave na cadeia.

Os onze policiais – um delegado e 10 investigadores – estão recolhidos no Presídio Especial da Polícia Civil, localizado na zona Norte da capital. É uma construção frágil e vulnerável, erguida nos anos 1970 para alojar policiais condenados por ligação com o Esquadrão da Morte – grupo de extermínio acusado de eliminar 168 criminosos.
A decisão judicial que negou o pedido da Corregedoria considera que a remoção dos policiais para o RDD ‘não encontra respaldo normativo’. A Corregedoria argumentou ‘risco iminente de resgate’, ‘fuga estruturada por escavação de túnel’, ‘arrebatamento de escolta’ e ‘poderio econômico’ dos presos.
OVO DE SERPENTE
Para o corregedor-geral da Polícia Civil, delegado João Batista Palma Beolchi, o relacionamento entre o PCC e as células criminosas dentro da prisão da polícia deve ser compreendido como um ‘ovo de serpente’.
A decisão judicial, sob sigilo, foi dada em 9 de abril. O Estadão teve acesso ao documento – 181 páginas que incluem a representação da Corregedoria, laudo pericial e a decisão do juiz.

A Corregedoria afirmou ter indícios, via informações de inteligência, de uma fuga em massa dos policiais recolhidos ao Presídio Especial.
A representação tomou como base duas operações da Corregedoria, entre fevereiro e abril, em que foram apreendidos com os policiais sob suspeita sete facas, mais de R$ 30 mil em dinheiro vivo, 20 celulares e dois computadores.
TESTOSTERONA
Também foram encontrados com os prisioneiros da polícia dois chips de celulares, três pendrives, um cartão de memória, dois carregadores de celular, registros bancários, uma trouxa de maconha, um papelote de cocaína, uma seringa e uma ampola de testosterona.
A Corregedoria pediu a transferência de Cleber Rodrigues Gimenez, Thiago Gonçalves de Oliveira, Eduardo Lopes Monteiro, Fábio Baena Martin, Rogério de Almeida Felicio, Marcelo Marques de Souza, Marcelo Roberto Ruggieri, Valdenir Paulo de Almeida, Valmir Pinheiro, Cyllas Salerno Elia Junior e Fabrício Parise Branco.

Segundo o corregedor, a vulnerabilidade de segurança do Presídio Especial e a ‘capacidade logística’ dos investigados para inserir itens ilícitos na carceragem permitem que os policiais presos continuem a realizar crimes mesmo custodiados.
Para Beolchi, é necessário submeter os policiais presos por suposta relação com o PCC a um regime prisional mais rigoroso, como o RDD.
“A metodologia empregada ardilosamente pelas três células criminosas ora recolhidas naquela Unidade Prisional revela o teor de dominação econômica do sistema carcerário, que se mostrou vulnerável diante da clara cooptação e engenharia social do crime organizado, ora recluso”, alertou o corregedor-geral.
Ao indeferir o pedido de transferência, o juiz Hélio Narvaez, do Departamento Estadual de Execução Criminal de São Paulo, considerou que a inclusão de policial civil preso no RDD não encontra respaldo normativo. Ele invocou o Decreto nº 47.236/2002, que estabelece o Presídio Especial como local ‘de recolhimento dos policiais civis presos provisoriamente ou por condenação definitiva’.

Narvaez destaca que, apesar do risco à segurança, as apreensões da Corregedoria não conseguiram correlacionar os itens apreendidos com os policiais civis presos preventivamente por suposta organização criminosa.
“As condutas que consubstanciam a presente representação tratam-se de eventuais faltas disciplinares de natureza grave, que não acarretam em subversão da ordem ou disciplina interna da Unidade Prisional, a fundamentar a concessão de medida de Regime Disciplinar Diferenciado.”
O juiz avalia que não há indícios suficientes para justificar a medida de remoção dos onze policiais para um regime mais rígido, como o RDD. “Cabe à Corregedoria-Geral de Polícia, por meio do Presídio Especial da Polícia Civil, acolher policiais civis”, pontuou.
‘XIXO’ E ‘BOLSONARO’
Encaminhada em março, a representação da Corregedoria divide os policiais civis presos em três núcleos. O primeiro é composto pelos policiais Cleber Gimenez, Thiago Gonçalves, Gustavo Cardoso de Souza e Fabrício Parise, todos investigados por organização criminosa e tráfico de drogas.
O segundo núcleo apontado pela Corregedoria inclui o delegado Fábio Baena e os policiais Rogério Felício, Eduardo Monteiro, Marcelo Ruggieri e Marcelo de Souza, vinculados ao inquérito da Polícia Federal que investiga a execução a tiros de fuzil do delator do PCC Vinicius Gritzbach.
O terceiro núcleo é composto pelos policiais Valdenir Paulo de Almeida, o ‘Xixo’, e Valmir Pinheiro, o ‘Bolsonaro’, que supostamente eram responsáveis pela segurança e escolta privada de Gritzbach.
“A tônica dessas células criminosas, pelo menos em tese, sempre foi e sempre será a obtenção de vantagem financeira e patrimonial indevida, por meio da prática de crimes antecedentes de natureza hedionda, em sua maioria”, destacou a Corregedoria.
Embora não esteja incluído nos três grupos, a representação menciona, de forma isolada, o policial Cyllas Salerno Elia Júnior, réu por crimes contra sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Ele seria o responsável por um banco digital apontado pela PF como ‘lavador’ de dinheiro do PCC.
O pedido da transferência dos onze presos tem como principal argumento os indícios encontrados nas apurações realizadas entre fevereiro e março no Presídio Especial da polícia civil. Na primeira operação da Corregedoria – em ação conjunta com a Guarda Civil Metropolitana e promotores do Gaeco (braço do Ministério Público que combate o crime organizado) -, no dia 4 fevereiro, foram encontrados 20 celulares, R$ 26 mil em espécie, 11 caixas de cerveja, sete facas, dois notebooks e 14 garrafas de bebidas alcoólicas.
Segundo a apuração, verificou-se que os presos orquestraram um sistema logístico com ‘tentáculos de dentro para fora dessa estrutura prisional’.
A Corregedoria aponta que o poder financeiro da suposta organização criminosa, somado à série de vulnerabilidades de segurança do presídio, evidenciam um ‘risco iminente de fuga’.
No pedido de autorização da Justiça para a transferência do grupo de onze policiais para o RDD, a Corregedoria pontua. “Numa análise indutiva do comportamento dos alvos investigados, particularmente em relação ao trato com o cárcere, remete-se a uma analogia precisa com integrantes do sistema prisional brasileiro, particularmente dos membros da facção PCC, onde a estratégia de uso de recursos tecnológicos de comunicação com o mundo externo foi a mesma adotada pelos investigados em relação ao cárcere.”
CELULARES ENTERRADOS
Em março, em uma segunda investida no Presídio da Polícia foram recolhidos 10 celulares, cerca de R$ 6 mil e pequenas quantidades de maconha e cocaína.
O corregedor destacou a estratégia dos policiais supostamente ligados ao PCC. Segundo ele, a força-tarefa localizou no interior das celas por eles ocupadas aparelhos celulares usados pelo grupo, Também foram encontrados celulares enterrados no pátio do presídio. “O encontro de tais objetos, substâncias e valores revelam metodologia de orquestrações criminosas que se corporificam na busca por tentáculos de dentro para fora dessa estrutura prisional. O poderio econômico dessas três células criminosas encontra solo fértil num ambiente outrora pacificado e onde reinava o poder estatal.”
“Essa constatação pericial revela claramente domínio da informação dessas hordas criminosas recolhidas naquela unidade que antevendo a uma ação de fiscalização e investigação integradas criaram contingência de ocultação desses celulares, equipamentos de comunicação valiosos imprescindíveis para esses criminosos manterem o status quo”, ressalta Beolchi em petição ao delegado-geral de Polícia, Artur Dian.
Para o corregedor, ‘as três estruturas do crime continuam agindo na prática de crimes graves e dolosos’.
“Em clara engenharia social, arregimentam partícipes que realizam a logística de inserção de aparelhos celulares e outros itens ilícitos e incomuns para dentro da carceragem”, reitera.
Segundo o corregedor, ‘o relato dos demais detentos, que se recusam a participar dessa orquestração criminosa interna, temem transferência em massa para Unidades Prisionais como a de Tremembé e Presidente Bernardes’.
Ele considera que ‘a turbação da ordem protocolar do Presídio da Polícia Civil e a ação orquestrada por três estruturas criminosas organizadas que continuam a praticar crimes intra-muros, merece reprimenda proporcional e equivalente no âmbito da Lei de Execução Penal’.
RDD EM CASA
A Corregedoria afirma que já possui um cronograma para realizar uma reforma no Presídio Especial da Polícia Civil. Serão instaladas celas individuais para o cumprimento das sanções administrativas e um RDD.
Na petição à Justiça, a Corregedoria assinala que ‘há procedimento administrativo em curso, deliberado junto à Delegacia Geral de Polícia pela mudança de prédio do Presídio Especial da Polícia Civil visando uma reforma estrutural e adequações mais rígidas e angulares voltadas para o devido e formal cumprimento de decretos judiciais de prisões cautelares de policiais civis em desvio de conduta’.