19 de julho de 2025
Politica

Ação de Eduardo Bolsonaro nos EUA prejudicou a direita? Veja o que dizem especialistas

Em março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) anunciou que se licenciaria de seu mandato na Câmara dos Deputados para permanecer nos Estados Unidos, onde buscaria “sanções aos violadores dos direitos humanos”. Em 9 de julho, após chamar o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de “caça às bruxas”, Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% a produtos brasileiros.

A medida provocou forte repercussão negativa na opinião pública, criando uma crise no campo político ligado a Bolsonaro e reabilitando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que enfrentava uma crise de popularidade. Nesta segunda-feira, 14, Eduardo adiantou à Coluna do Estadão que renunciará ao mandato na Câmara.

Para analistas ouvidos pelo Estadão, a imagem de “tiro no pé” simboliza a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos. Segundo os especialistas, o filho do ex-presidente não levou em consideração o caráter imprevisível de Donald Trump. Além disso, cometeu um erro de estratégia ao desprezar o impacto de eventuais sanções ao Brasil em sua própria base de eleitores.

Eduardo Bolsonaro, deputado federal licenciado
Eduardo Bolsonaro, deputado federal licenciado

O mal-estar foi agravado pela reação de nomes ligados a Bolsonaro, que, em um primeiro momento, não retaliaram as sanções impostas pelo americano, tentando relacioná-las à conduta do governo Lula.

Ao desagradar eleitores, o campo ligado a Bolsonaro isolou-se também do apoio de aliados, que se viram pressionados pela repercussão negativa das medidas. Com a deflagração de um inimigo externo, o governo Lula reverteu um período de baixa popularidade, o que pode modificar o cenário das eleições de 2026 mesmo a meses do pleito.

Desde seu retorno ao governo dos Estados Unidos, em janeiro, Donald Trump tem utilizado tarifas em produtos estrangeiros para travar uma guerra comercial. Para Denilde Holzhacker, cientista política e professora da ESPM, Eduardo Bolsonaro errou ao não prever que um “tarifaço” pudesse ser utilizado contra o Brasil. “O maior erro deles foi não calcular o que seria possível que os americanos fizessem”, disse Denilde.

Segundo a professora, além de não calcular as possíveis sanções, Eduardo errou ao não prever a reação da opinião pública. “Era um cálculo possível de ser feito. Se a gente observar casos como o do Canadá, da Alemanha ou da Austrália, as tentativas do Trump de influenciar os processos eleitorais foram negativas e reverteram em posições anti-Trump”, afirmou Denilde.

“O tiro saiu pela culatra. Em momentos como esse, em que está em jogo a própria soberania nacional, as pessoas tendem a reagir contra o agressor. E o agressor é uma figura conhecidíssima, autoritária”, disse o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda durante o governo de José Sarney. “Trump é a cara do inimigo externo, e Eduardo Bolsonaro, a cara do tiro no pé.”

Maílson da Nóbrega diz que Eduardo Bolsonaro é 'a imagem do tiro no pé' na crise do 'tarifaço' de Donald Trump
Maílson da Nóbrega diz que Eduardo Bolsonaro é ‘a imagem do tiro no pé’ na crise do ‘tarifaço’ de Donald Trump

Para Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, Eduardo clamou para si a responsabilidade de exercer pressão no governo Trump, o que o tornou “o grande artífice” do “tarifaço”. “Foi um tiro no pé que prejudicou ele, o pai e até aliados próximos, como o governador Tarcísio (de Freitas)”, disse o professor.

Em vez de retaliar de imediato a medida do governo americano, aliados de Bolsonaro tentaram associá-la ao governo Lula. “Gerou uma visão muito negativa, ficou muito difícil de explicar como taxar o Brasil em 50% pode ser bom”, disse Denilde Holzhacker. Segundo a professora, também houve um erro de estratégia ao condicionar a resolução do impasse à aprovação de uma anistia aos réus pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

“Eles comemoraram. E, ao comemorar, cometeram um pecado capital. Ninguém comemora um ataque desse tipo às instituições e à economia de seu próprio país”, disse Maílson da Nóbrega. Para o economista, uma “cegueira” impediu que aliados de Bolsonaro avaliassem “as consequências desastrosas” da tarifa.

Para Leandro Consentino, Eduardo não considerou que, diante da repercussão negativa, aliados do ex-presidente poderiam abdicar de uma defesa intransigente dos interesses da família Bolsonaro. É o caso de Tarcísio de Freitas (Republicanos) – como mostrou o Estadão, a crise deflagrada com o “tarifaço” acirrou a disputa nos bastidores entre o governador e o filho do ex-presidente. “Escapou a ele (Eduardo Bolsonaro) imaginar que lealdade tem limite, que é onde o instinto de sobrevivência política chega”, disse o professor do Insper.

“Um governo que não tinha um discurso eleitoral claro e que estava muito pressionado internamente ganhou não só um discurso como um inimigo externo para rivalizar”, disse Denilde. Porém, a mais de um ano do pleito, a professora afirma que a conversão desse discurso em potencial de votos dependerá da forma como o governo contornará os impactos econômicos das tarifas de Trump – em um cenário em que as taxas, de fato, chegarem a ser aplicadas.

No mesmo sentido, Maílson da Nóbrega disse que Lula, que enfrentava uma crise de popularidade, ganhou “no curto prazo”. “O Lula sai das cordas e ganha um discurso, um discurso de defesa da soberania brasileira”, disse o economista.

Nóbrega avalia que o petista deve resistir às provocações de Trump, o que pode ser utilizado como pretexto de mais sanções, e optar, como tem feito, na via diplomática. “É preciso muita ponderação, muito sangue frio. Tem que deixar que os profissionais conduzam esse assunto, e não o mau humor e a necessidade de falar ao microfone que o Lula sempre tem nessas questões”, afirmou o ex-ministro.

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