Chance de STF retomar debate sobre regras para redes sociais acende alerta de Trump
Nem só de tarifaço e Jair Bolsonaro é feita a carta de Donald Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O terceiro tema abordado, as plataformas e redes sociais, permeou atritos entre os Estados Unidos e o Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente. Há terreno fértil para que esse cenário se repita nos próximos meses.
Em junho, a Corte encerrou o julgamento de uma ação que resultou na regulação da atividade das big techs no Brasil. Ficou decidido que as plataformas podem ser responsabilizadas por postagens ofensivas ou ilícitas feitas pelos usuários se, após serem notificadas de forma privada, não retirarem determinado conteúdo do ar. Para gerar punição, o conteúdo precisa ser considerado ilegal posteriormente pela Justiça.

Antes do julgamento, a regra era mais benéfica para as redes sociais, que só eram obrigadas a remover uma postagem diante de decisão judicial. A norma continua valendo para conteúdos que não forem alvo de notificação privada.
O STF elaborou uma tese com 14 tópicos, mas deixou lacunas que precisarão ser preenchidas pelo Congresso Nacional ou pelo próprio tribunal. Diante dessas brechas, as empresas planejam entrar com embargos de declaração no Supremo. Esse tipo de recurso serve para esclarecer omissões ou pontos obscuros de uma decisão judicial.
Em paralelo, na decisão, o tribunal apelou para que o Congresso elabore “legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais”.
No último dia 7, a Trump Media, que pertence ao presidente dos EUA, e o Rumble, uma plataforma de vídeos, pediram para a Justiça da Flórida intimar o ministro Alexandre de Moraes. Ele responde a processo por ter praticado censura ao determinar que perfis fossem removidos de redes sociais que operam nos EUA.
No ano passado, nas vésperas das eleições municipais, Moraes retirou do ar o X, de Elon Musk, antigo aliado de Trump. Assim como o Rumble, o X tem sido uma importante ferramenta para a difusão de ideias da direita no mundo.
Ciente de que as big techs podem sair ainda mais derrotadas nos próximos capítulos – seja no STF, seja no Congresso -, Trump incluiu o tema na carta. O texto menciona “ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro)”.
Ainda na decisão de junho, o STF listou uma série de temas que exigem das plataformas “dever de cuidado” – ou seja, em postagens sobre assuntos específicos, elas precisam agir por conta própria para remover postagens, sem necessidade de notificação privada ou decisão judicial. Entre os casos, estão pedofilia, incentivo ao feminicídio e atentados à democracia.
A decisão do Supremo também informa que ela não se aplica a regras da legislação eleitoral. Esses casos continuariam sob a tutela do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um integrante da Corte eleitoral disse ao Estadão, em caráter reservado, que esse ponto deveria ser mais esclarecido, para não haver dúvida das plataformas sobre o que é uma ofensa à democracia e o que é regra de campanha.
Em outro aspecto, as big techs também deverão contestar perante o Supremo acerca dos crimes contra a honra. Se alguém é xingado em uma rede social, continua válida a exigência de ordem judicial para que a plataforma seja obrigada a retirar o conteúdo do ar. Mas a decisão do Supremo não exclui a possibilidade de remoção de ofensas após a notificação extrajudicial da vítima.
Em mais um trecho da carta, Trump afirma terem ocorrido “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas”. A preocupação é sobre um outro ponto alertado pelo ministro do TSE ouvido reservadamente: a aparente incompatibilidade entre dois pontos da tese do STF.
Em um item, o tribunal determina que os provedores de aplicações de internet que funcionarem como “marketplaces” devem responder civilmente, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Em outro item, o tribunal afirma que “não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese”.
Esse e outros pontos ainda devem ser alvo de esclarecimento do STF. As big techs pretendem apresentar recurso nesse sentido no segundo semestre. Não há previsão de quando o tribunal vai julga-los. Também não há previsão de quando o Congresso vai legislar sobre as redes sociais no Brasil.