14 de julho de 2025
Politica

Precatórios podem sofrer calote sem precedentes

Na semana passada fomos pegos de surpresa com propostas que foram apresentadas pelo deputado Baleia Rossi, do MDB-SP, acerca da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023. O novo texto altera o que fora aprovado pelo Senado e irá ser votado amanhã, terça-feira (15 de julho) numa comissão especial da Câmara dos Deputados, em Brasília. A surpresa, melhor dizendo o espanto, veio por conta do que representam as alterações propostas. Se aprovadas como estão, será um dos maiores calotes aos cidadãos que há anos aguardam resilientes para receber seus precatórios.

Da forma como está, Estados e prefeituras irão pagar muito menos do que pagam hoje, a correção dos precatórios – que hoje é pela variação da Selic – passará a IPCA mais 2% ou Selic, a taxa que for menor, e, em caso de o detentor do precatório optar por não esperar, por precisão ou outro motivo, perderá muito dinheiro na negociação de antecipação, já que se prevê em vez dos atuais 40% de deságio máximo em relação ao valor de face dos títulos, o pagamento de somente 20%. É como se a pessoa tivesse direito de receber 10 e recebesse apenas 2.

Essa PEC estava no Senado, foi aprovada sem essas mudanças e trata também do parcelamento das dívidas de Estados e municípios com a Previdência Social. Ela terá de passar ainda por votação na Câmara dos Deputados e se prevalecer essas mudanças irá voltar ao Senado. Essas mudanças incluídas em relação ao pagamento dos precatórios, no entanto, estão sendo consideradas no mundo jurídico como um dos maiores calotes para as pessoas que se encontram na condição de credores compulsórios e que aguardam sua vez há anos na fila do pagamento.

Só no Estado de São Paulo há 360 mil precatórios nesta fila, um universo de credores que já se sujeita a correções menores, valores aviltantes em relação aos de face desses títulos e a um tempo de recebimento que beira a imoralidade. A proposta de mudança na PEC 66/2023 piora ainda mais o que parecia difícil de piorar.

Neste sentido, emiti nota técnica jurídica como presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos a Precatórios Judiciais da OAB-SP, referendada e publicada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, demonstrando que tais mudanças violam direitos e garantias já assegurados aos credores de precatórios, consubstanciados pela Constituição Federal. Esse tipo de alteração constitucional, no passado já foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357, 4425, 7047 e 7064.

Em síntese, há Violação ao Princípio da Separação de Poderes e da Coisa Julgada. A proposta de limitar os pagamentos de precatórios à capacidade fiscal do ente municipal incorre em violação direta à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal) e ao princípio da separação de poderes (art. 2º, CF), ao permitir que o Executivo interfira na efetividade das decisões judiciais. A esse respeito, a ADI 4357, ao analisar o regime especial de pagamento de precatórios instituído pela EC 62/2009, declarou a inconstitucionalidade de diversas de suas previsões por violarem frontalmente a garantia fundamental da coisa julgada e o princípio da separação de poderes. O STF entendeu que a dilação temporal excessiva e a perpetuação do parcelamento dos precatórios, como prevista na EC 62/2009, configurava um ‘calote’ disfarçado por parte do Estado, frustrando a efetividade das decisões judiciais e esvaziando o conteúdo da coisa julgada.

É de se considerar também que o voto condutor da ADI 4357 enfatizou que o precatório não é uma faculdade, mas uma obrigação constitucional de pagamento de dívidas decorrentes de condenação judicial transitada em julgado. Se aprovado o que está sendo proposto, será uma contradição direta com os preceitos firmados pelo STF, seria a constitucionalização do calote nos precatórios. As mudanças propostas são um explícito favorecimento de forma desproporcional aos entes devedores, Estados e municípios, mesmo que somente menos de 6% de entidades públicas enquadradas no chamado regime especial, devedoras de precatórios, não consigam pagar ou apresentem algum tipo de dificuldade de honrar com esses compromissos.

Estamos tratando aqui de algo muito ruim, um problema gigantesco, que beira o maquiavélico, e totalmente inesperado por aposentados e credores detentores desses títulos, muitas das vezes representados por familiares que herdaram esses créditos de titulares que não viveram o suficiente para poder receber. Além de inconstitucionais, as propostas de mudanças soam como um confisco sobre uma parcela da população que já está há anos em situação crítica e de forma desfavorável em relação às fontes devedoras.

Não faz sentido trocar o indexador de correção. Suponha que uma pessoa está aguardando receber um precatório. Sem dinheiro ela está, por exemplo, com atraso no IPTU, ICMS ou Imposto de Renda. Pergunta-se: a União, Estados, Municípios ou Distrito Federal irão aceitar que o pagamento seja feito sem correção e multa? Claro que não. Então, por qual motivo querem pagar os precatórios sem a correção condizente e adequada à desvalorização monetária? Não há outra palavra para descrever tal absurdo senão o citado confisco”.

O Estado de São Paulo, com dívida superior a R$ 40 bilhões, com uma mudança dessa natureza poderá postergar pagamentos e ampliar ainda mais esse montante, que já é considerado escandaloso. Estão propondo, em caso de necessidade de antecipação do recebimento de um precatório por parte de um credor, o recebimento com deságio de até 80% e em prazo muito superior aos atuais 16 anos em média, o que é um convite ao calote.

 

 

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