19 de julho de 2025
Politica

‘Congresso extrapola e reivindica atribuições da Presidência da República’, diz presidente do PT

O Brasil vive uma confusão institucional, na qual o Congresso assumiu atribuições típicas do Executivo, avalia Edinho Silva, novo presidente nacional do PT. Para ele, a crise em torno do aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é apenas um sintoma de um problema maior, que frequentemente arrasta o Judiciário para a mediação do conflito entre os outros Poderes.

“O presidente Lula criou uma coalizão, escolheu os ministros dessa coalizão, só que quem executa o orçamento é o Congresso. Isso enfraquece os ministros”, disse o dirigente petista, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Ex-prefeito de Araraquara, Edinho venceu as eleições internas do PT e comandará a sigla até 2029. Sua principal missão, no entanto, começa agora: cabe a ele articular as alianças do partido para as eleições de 2026 e coordenar a provável campanha de reeleição de Lula.

Confira os principais trechos da entrevista:

Qual é a visão do PT sobre o tarifaço anunciado pelo presidente Donald Trump contra o Brasil? Como o sr. enxerga a resposta do governo Lula?

O governo Trump está trabalhando para que o mundo viva uma terceira guerra mundial, só que dessa vez numa perspectiva econômica. O governo brasileiro se posicionou bem. Se posicionou na defesa da soberania nacional. Não tomou nenhuma medida abrupta, está buscando um caminho diplomático. O que o governo Trump fez com o Brasil tem um caráter político-partidário, tem todo esse verniz político, mas ninguém me convence do contrário: toda a reação do governo Trump se deu por causa dos Brics. Quando tivemos a reunião dos Brics no Brasil, mostramos a solidez de um bloco de países que procura a construção de um caminho próprio para o desenvolvimento, que é legítimo, porque os países têm o direito de se organizarem para poderem se desenvolver, de construir relações econômicas, inclusive que fujam dessa coisa autoritária e impositiva estabelecida pelos Estados Unidos.

Uma das propostas na mesa é a Lei da Reciprocidade. Caso ela seja acionada, isso pode pressionar a inflação aqui no Brasil e levar o Banco Central a elevar ainda mais os juros. Como o PT pretende lidar com esse possível cenário?

A prioridade do governo do presidente Lula é a negociação. O Brasil não tem uma relação autoritária com nenhum país. O governo do presidente Lula vai priorizar o diálogo, a saída diplomática. A reciprocidade só ocorrerá se a diplomacia for negada.

Congresso, governo e STF vão sentar para discutir o impasse do IOF. Acredita numa saída?

As saídas das grandes crises, dos grandes impasses, se dão pelo diálogo. Espero que nessa audiência com a Suprema Corte brasileira, a gente possa chegar a um ponto de equilíbrio, numa saída que seja boa para o Brasil.

A esquerda superou a direita em menções positivas nas redes com os temas do IOF e do tarifaço. É o início de uma nova fase na comunicação digital do PT?

A comunicação vai bem quando a política vai bem. Ou seja, se você tem iniciativas políticas importantes, se está defendendo posições políticas relevantes, é mais fácil a comunicação comunicar. Estamos diante de dois debates fundamentais para o povo brasileiro. Primeiro, o fim dos privilégios e a igualdade tributária. E estamos também diante de um debate que é a defesa do Brasil enquanto país. Nós não somos um puxadinho dos Estados Unidos.

Críticos dizem que o PT tem usado o discurso do “nós contra eles”, atacando diretamente o Congresso e o presidente da Câmara, Hugo Motta. Isso não dificulta as alianças para 2026?

Não acho que seja o “nós contra eles”. O presidente Lula estabeleceu uma nova regra para que a gente promovesse a justiça tributária no Brasil – cobrar de quem não paga e deixar de cobrar de quem paga injustamente. O Congresso Nacional revogou o decreto do presidente, inclusive ferindo um princípio constitucional, de uma matéria que só o Executivo pode ter iniciativa e pode legislar. Evidente que, quando você agride o governo da forma como agrediu, ele tinha que reagir. Não vejo isso como um problema em uma democracia que seja madura. Os partidos têm o direito de defender o que eles pensam. O governo também tem o direito de apresentar o que ele defende para a sociedade.

Mas a comunicação do partido é até mais combativa do que a do governo. O sr. considera que essa retórica pode reforçar a divisão do País, inclusive contrariando o que o próprio presidente Lula disse ao ser eleito?

Nós temos que unificar o Brasil sem ignorar que os partidos têm o direito de defender suas propostas. Assim como o governo tem o direito de dialogar com a sociedade sobre o que ele pensa. Mas isso não pode significar que o diálogo esteja interditado, que a gente não tenha capacidade de dialogar e que a gente não tenha capacidade de pôr à mesa as principais lideranças do Brasil, preocupadas com o país, para criar uma agenda de país.

Alguns partidos da base, como União Brasil e PP, têm votado contra o governo e indicado que talvez não façam parte do projeto de reeleição do presidente Lula. Como o sr. vê esse cenário? E o sr. já tem conversado com outros presidentes de partido sobre isso?

Sempre que necessário, nós temos que conversar com as lideranças dos demais partidos. Agora, temos que enfrentar um debate: esse modelo com o qual nós estamos hoje governando o Brasil descaracteriza o presidencialismo. Ele quase impõe um semiparlamentarismo. Esse modelo, onde o Congresso executa R$ 52 bilhões do Orçamento, dificulta muito a governabilidade. Nós somos um país presidencialista, mas governamos com coalizão. E hoje, mesmo o Congresso sendo empoderado, ele extrapola quando reivindica para si atribuições que são típicas do presidente da República. O presidente Lula criou uma coalizão, escolheu os ministros dessa coalizão, só que quem executa o orçamento é o Congresso. Isso enfraquece os ministros. Nós entramos em uma confusão institucional, onde o Parlamento está super empoderado porque levou para si atribuições do presidencialismo. Mas o presidente Lula é um presidente forte. Ele reivindica para si as suas atribuições. Isso gera um conflito estrutural. Não é um conflito do IOF, é um conflito que se repete muitas vezes e vai continuar se repetindo. A sociedade brasileira reclama que o Judiciário está hiper empoderado. É evidente: diante do conflito entre Executivo e Legislativo, quem é que entra como poder moderador? O STF.

Caso o presidente Lula não possa concorrer à reeleição em 2026, o PT tem um plano B?

O presidente Lula está super bem, super bem de saúde. O presidente Lula está com um dinamismo, uma vontade, uma empolgação que é contagiante, é impressionante. Então, o nosso candidato a presidente será o jovem de 80 anos, Luiz Inácio Lula da Silva.

E para 2030, o partido já pensa na sucessão?

O PT tem que se fortalecer enquanto partido. Esse tem sido o nosso consenso. Nós precisamos fazer com que nossas instâncias funcionem melhor. A gente precisa voltar a fazer trabalho orgânico com a nossa base social. Nós precisamos ter uma agenda que dialogue com o Brasil.

Em relação a São Paulo, qual é a chapa ideal para o PT?

São Paulo é um desafio para o PT, a nova direção nacional tem que sentar com a nova direção estadual e fazer um diagnóstico bem feito da situação do Estado. Eu não me arriscaria aqui a nomes, mas nós temos lideranças com condições de constituir uma chapa forte que dispute os rumos do Estado.

Uma dessas lideranças é o vice-presidente Geraldo Alckmin? Para que o PT apoie Alckmin, a vice para o PT seria uma condição?

Sou suspeito para falar do Geraldo Alckmin, sou fã dele. É uma liderança que tem condições de ocupar qualquer cargo no Brasil, tem condições de fazer qualquer disputa política. A gente tem que ouvir o Geraldo Alckmin, ouvir o João Campos, que é o presidente do PSB, ou seja, ter um diálogo muito respeitoso, porque o PSB é um aliado fundamental.

E a vice do presidente Lula para 2026, já está definida? Vai continuar com o PSB?

Não (está definida). 2026 está longe ainda, e não estou aqui fugindo do debate. Acho que tem muita coisa política para acontecer ainda neste segundo semestre, muita coisa política para acontecer no começo do ano que vem. E, certamente, vamos construir a melhor chapa possível para que o presidente Lula continue governando o Brasil, reconstruindo o Brasil, reconstruindo as políticas públicas e construindo um país justo, sem privilégios, com igualdade de oportunidades e soberano. O Brasil não abre mão da sua soberania enquanto país.

O senador Humberto Costa está mapeando alianças nos Estados, incluindo suplentes de senadores. Esse trabalho já foi concluído? Quantos palanques o PT prevê?

Tenho conversado cotidianamente com o senador Humberto Costa. Conversei com o nosso deputado federal José Guimarães, que também tem participado do grupo de trabalho eleitoral do PT. Muitas informações já foram levantadas, e é um grupo que está trabalhando firme para que, em breve, a gente possa ter um diagnóstico nacional. Eu pretendo viajar, logo depois da minha posse, pelos Estados, para dialogar com as novas direções estaduais, acompanhar de perto a construção dos palanques em cada Estado da União.

Quem é Edinho Silva?

São Paulo é um desafio para o PT, segundo Edinho Silva, e a nova direção nacional tem que sentar com a nova direção estadual para fazer um diagnóstico bem feito da situação do Estado
São Paulo é um desafio para o PT, segundo Edinho Silva, e a nova direção nacional tem que sentar com a nova direção estadual para fazer um diagnóstico bem feito da situação do Estado

Eleito presidente nacional do PT no dia 6 de julho, Edinho Silva, 60, é filiado à sigla desde 1985. Foi prefeito de Araraquara por quatro mandatos, de 2001 a 2008 e de 2017 a 2024. Também foi deputado estadual, presidente do Diretório Estadual do PT paulista e ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo Dilma Rousseff. É formado em Ciências Sociais pela Unesp.

 

 

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