Ex-comandante da Aeronáutica diz que ataques virtuais tinham intuito de ‘mudar postura legalista’
BRASÍLIA – O ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Junior afirmou, em depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 15, que os ataques que recebeu na internet por se recusar em aderir a uma tentativa de golpe tinham o intuito de “mudar a nossa postura legalista”.
A declaração se dá no contexto do julgamento da tentativa de golpe de Estado, no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e alguns membros de seu governo e da cúpula das Forças Armadas são réus. Os ataques virtuais mencionados pelo militar, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), embasam a participação do general e então candidato a vice de Bolsonaro nas eleições de 2022, Walter Souza Braga Netto.

Além de acusado de participar do plano golpista, Braga Netto teria dado ordens para que o ex-major Ailton Gonçalves Barros direcionasse ataques pessoais – inclusive a familiares – ao então comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e a Baptista Júnior pela suposta recusa em colocar suas tropas à disposição de uma ruptura democrática. Também deveriam elogiar o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier, o único comandante de Força que teria aceitado aderir à trama.
“Eu não tenho dúvida de que os ataques que foram direcionados a mim e ao general Freire Gomes tinham em grande parte o desejo de fazer com que mudássemos a nossa postura legalista. E serão sempre infrutíferas”, declarou Baptista Junior à juíza auxiliar Juliana Sorrentino.
Baptista Júnior e Freire Gomes foram arrolados como testemunhas de Barros, um dos sete réus do núcleo 4 da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Esse grupo é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ser o responsável por disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral.
Os outros réus do núcleo 4 são Ângelo Denicoli, (major da reserva do Exército); Giancarlo Rodrigues (subtenente do Exército); Guilherme Almeida (tenente-coronel do Exército); Reginaldo Abreu, (coronel do Exército); Marcelo Bormevet (agente da Polícia Federal); e Carlos Cesar Moretzsohn Rocha (presidente do Instituto Voto Legal – IVL).
Baptista Junior reafirmou o que já tinha dito ao STF em maio, quando arrolado como testemunha de acusação contra o “núcleo crucial” do golpe, do qual Bolsonaro e Braga Netto fazem parte. O ex-comandante repetiu que foi colocado em uma ligação com Carlos Rocha pelo próprio Bolsonaro, ocasião em que teria explicado erros técnicos do relatório e reforçado a opinião de que não havia falhas nas urnas que comprometessem a integridade do resultado eleitoral.
Valdemar da Costa Neto
O presidente nacional do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, também depôs nesta terça-feira na condição de testemunha e tentou se agarrar ao IVL no episódio da divulgação do relatório do instituto tratando de fraude no sistema eleitoral.
Isso porque o PL usou relatórios produzidos pelo IVL, sob supervisão de Rocha, para questionar o resultado das eleições de 2022. O PL pediu a anulação de parte dos votos alegando mau funcionamento de alguns modelos de urnas eletrônicas, e acabou multado em R$ 23 milhões pela Justiça pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por litigância de má-fé.
O IVL, no entanto, tenta se descolar dessa ação dos bolsonaristas. A defesa de Rocha alega que ele não tem responsabilidade pelo uso que o PL fez dos relatórios produzidos pelo instituto.
Questionado no STF se a decisão de divulgar o relatório do IVL era de responsabilidade “exclusiva da direção do PL”, Valdemar negou ter agido sem consentimento.
“Não, tudo o que foi divulgado foi com autorização do instituto. A divulgação foi feita por pressão dos deputados, que queriam que eu divulgasse as dúvidas que nós tínhamos, e o doutor Carlos Rocha acompanhou essa exposição que fizemos à imprensa”, respondeu o dirigente.
Fase atual do julgamento
Nesta segunda-feira, 14, o STF começou a ouvir das testemunhas dos núcleos 2, 3 e 4 da trama golpista. No mesmo dia, a PGR enviou ao Supremo as 517 páginas de alegações finais no processo, em que pediu a condenação de Bolsonaro e generais por tentar interromper a transição democrática no País.
Em manifestação ao STF, o procurador-geral Paulo Gonet reafirma que Bolsonaro não apenas tinha conhecimento do plano golpista, como liderou as articulações para um golpe de Estado. Com a soma das penas, Bolsonaro pode ser condenado até cerca de 43 anos de prisão.
Segundo o PGR, “o grupo, liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022 e minar o livre exercício dos demais poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”.