Garnier deu ‘aval estratégico’ à empreitada do golpe, diz PGR
Nas alegações finais da ação sobre o plano de golpe de Estado – documento de 517 páginas entregue na noite desta segunda, 14, ao Supremo Tribunal Federal – a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de ex-ministros e comandantes militares, entre os quais o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. Em sua manifestação, o procurador-geral Paulo Gonet Branco reafirmou que Garnier “aderiu de forma decisiva ao projeto golpista de Jair Bolsonaro”.
DOCUMENTO: O QUE DIZ PAULO GONET BRANCO
Para a PGR, ‘o engajamento do comandante da Marinha à insurreição não pode, sob nenhuma hipótese, ser minimizado’. Gonet imputa ao almirante os mesmos cinco crimes atribuídos a Bolsonaro e a outros réus do denominado ‘núcleo crucial’ da trama golpista – tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 43 anos de reclusão.

Em junho, quando foi interrogado pelos ministros da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, o almirante negou ter colocado as tropas à disposição de Bolsonaro para um golpe. “Eu nunca usei essa expressão (colocar as tropas à disposição)”, declarou. “Eu nunca disponibilizei tropas para ações dessa natureza.”
“Seu alinhamento à proposta golpista, em contraste com a resistência demonstrada por outros integrantes da cúpula militar, representava um aval estratégico de grande valor simbólico e operacional para a empreitada”, crava o procurador.
Gonet diz que, muito antes das eleições de 2022, o militar já demonstrava um alinhamento ideológico com os interesses do então presidente Bolsonaro.
Em suas alegações finais, o procurador rememora o desfile militar “atípico” da Marinha, em agosto de 2021, na Praça dos Três Poderes, justamente no mesmo dia em que a Câmara votou a PEC do “voto impresso”.
Segundo o chefe do Ministério Público Federal, o desfile foi utilizado pela narrativa bolsonarista para “naturalizar a ideia da intervenção militar”.
A PGR entende que havia indícios de que Almir Garnier tinha conhecimento das reais intenções do governo Bolsonaro ao promover aquele “inédito” evento militar.
“A Operação Formosa era realizada desde 1988 e jamais havia sido utilizado aparato militar daquela magnitude apenas para a entrega de um convite”, destacou Gonet.
REUNIÃO COM OS COMANDANTES
Um argumento crucial de Gonet contra o ex-comandante da Marinha gira em torno de uma suposta reunião do ex-presidente Bolsonaro com o então ministro da Defesa, general de Exército Paulo Sérgio Nogueira, e os comandantes das Forças Armadas, logo após a derrota eleitoral, para discutir a adoção de “GLO, Estado de Sítio e Estado de Defesa, em razão do esgotamento dos meios judiciais de revisão do processo eleitoral”.
Com base no depoimento do ex-comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Junior, “declara-se que Almir Garnier foi o único comandante a se colocar à disposição de uma eventual ruptura, chegando a oferecer tropas para a implantação das medidas autoritárias”.
“Medidas extremamente gravosas foram apresentadas a Almir Garnier, sem que ele tenha sinalizado qualquer preocupação, ao contrário dos demais. A colocação expressa das ‘tropas à disposição’, fato narrado na denúncia e confirmado judicialmente, não apenas evidencia a omissão, mas reforça o dolo já manifestado pela conduta do almirante”, acusa o procurador.
Paulo Gonet também criticou a conduta do militar durante seu interrogatório à 1.ª Turma do Supremo, em que disse que apenas recordava de “considerandos”, mas não de dispositivos finalísticos.
“Não é plausível que agentes públicos, presumivelmente atentos à relevância política e jurídica de uma disposição dessa magnitude, recordem-se apenas de trechos parciais do documento, esquecendo-se justamente das passagens mais incisivas e alarmantes”, destacou.
A manifestação considera que os depoimentos do general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e de Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica, não deixam dúvidas que Garnier se colocou à disposição para seguir ordens do decreto golpista.
Corroborando com a tese, a PGR menciona que o general da reserva Laércio Vergílio, ao tentar pressionar a adesão do Exército, disse ao então comandante Freire Gomes que “a Marinha está coesa”.
Nesse mesmo sentido, o parecer de Gonet reforça que havia uma orientação do núcleo bolsonarista para elogiar o almirante e criticar Freire Gomes.
“O posicionamento de Almir Garnier Santos foi importante para pressionar os demais militares a aderirem ao intento golpista.”
A TROCA DO COMANDO
Um outro ponto destacado pela acusação foi a ausência de Almir Garnier na troca do comando da Marinha para o almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen.
Gonet afirma que o gesto do almirante não tem precedentes na história da Marinha e que foi motivado por “evidente adesão” de Garnier ao projeto de poder idealizado por Jair Bolsonaro e seus seguidores.
A PGR pontua que a ausência do então comandante na troca do cargo não era um ato isolado, mas uma manifestação simbólica de recusa ao resultado legítimo das urnas e de repúdio ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. “Almir Garnier contribuiu decisivamente para a escalada de tensão institucional que culminaria nos violentos protestos registrados em 8 de janeiro de 2023″, afirma o procurador-geral.
O parecer propõe que o militar seja responsabilizado por uma conduta ‘golpista’ que não apenas legitimou a empreitada do núcleo bolsonarista, como ‘potencializou seus efeitos destrutivos’.
COM A PALAVRA, O ALMIRANTE
Em junho passado, quando foi interrogado pelos ministros da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal na ação penal do golpe, o almirante Almir Garnier foi enfático ao negar envolvimento na trama. Ele disse que não colocou as tropas da Força que comandava à disposição do ex-presidente Jair Bolsonaro para um golpe de Estado.
“Eu nunca usei essa expressão (colocar as tropas à disposição)”, declarou. “Eu nunca disponibilizei tropas para ações dessa natureza.”
Apesar de ter confirmado participação em uma reunião com o ex-presidente, Garnier negou que Bolsonaro tenha apresentado uma minuta de decreto para um golpe de Estado. “Eu não vi minuta, eu vi uma apresentação na tela de um computador. Havia um telão onde algumas informações eram apresentadas na tela. Quando o senhor fala ‘minuta’, eu penso em papel, eu não recebi esse tipo de documento”, respondeu a uma indagação do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal.
Garnier afirmou que segue “à risca” a hierarquia e que, como subordinado de Bolsonaro, só poderia questionar uma ordem “flagrantemente ilegal”, o que, segundo ele, não ocorreu.