17 de julho de 2025
Politica

O que a PGR diz sobre cada réu do ‘núcleo crucial’ da tentativa de golpe; veja

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu nesta segunda-feira, 14, a condenação dos oito réus que integram o “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado. Entre os réus, estão o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados próximos, como ex-ministros de seu governo e militares de alta patente.

Dos 31 réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, oito integram o chamado “núcleo 1″ ou “núcleo crucial”. Segundo a PGR, “deles partiram as principais decisões” da tentativa de ruptura institucional.

Fachada da Procuradoria-Geral da República (PGR)
Fachada da Procuradoria-Geral da República (PGR)

Além de Bolsonaro, são réus Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência), Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência).

A PGR pediu a condenação de Bolsonaro por cinco crimes que, somados, podem chegar a 43 anos de prisão.

Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro foi o líder da organização criminosa que tentou o golpe de Estado, disse a PGR. Segundo o parecer, o então presidente foi o “principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado Democrático de Direito”. “No exercício do cargo mais elevado da República, instrumentalizou o aparato estatal e operou, de forma dolosa, esquema persistente de ataque às instituições públicas e ao processo sucessório”, afirma o relatório assinado por Paulo Gonet.

A Procuradoria relembra os ataques do então presidente às urnas e às instituições durante uma live transmitida em julho de 2021. Em setembro do mesmo ano, durante as celebrações do Dia da Independência, Bolsonaro valeu-se do simbolismo da data cívica para insuflar sua militância contra ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“A escalada verbal foi acompanhada por manifestações organizadas, em que apareciam faixas com pedidos de intervenção militar. Foi nesse contexto que Jair Bolsonaro declarou publicamente a sua recusa em aceitar uma alternância democrática de poder: ‘Só saio preso, morto ou com vitória’”, afirma a Procuradoria, referindo-se ao discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista em 7 de setembro de 2021.

O parecer da PGR rebateu a justificativa de Bolsonaro sobre os ataques às instituições. Em depoimento ao STF, o ex-presidente afirmou que o teor de suas falas é marcado por uma “retórica” herdada das décadas em que permaneceu na Câmara.

“Essa tentativa de minimização, no entanto, ignora a gravidade institucional de que se revestem as declarações de um Chefe de Estado. As manifestações públicas do Presidente da República transcendem o campo da opinião pessoal”, diz a Procuradoria. Segundo o parecer, as declarações de Bolsonaro pretendiam “fomentar desconfiança, generalizada no processo eleitoral, incitar a militância contra os Poderes constituídos e preparar simbolicamente a população para rechaçar a derrota nas urnas”.

Jair Bolsonaro em depoimento ao STF, em junho, na ação penal em que é réu por tentativa de golpe
Jair Bolsonaro em depoimento ao STF, em junho, na ação penal em que é réu por tentativa de golpe

Os ataques de Bolsonaro às instituições e às urnas foram amparados pela “apropriação das estruturas de Estado”, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Nesse sentido, segundo a PGR, o então presidente atuou em “interlocução direta” com os réus Alexandre Ramagem e Augusto Heleno.

Na reunião ministerial de 5 de julho de 2021, Bolsonaro cobrou de seu alto escalão a produção de provas que pudessem descredibilizar o sistema eletrônico de votação. “A reunião encerrou-se com a clara intenção de deslegitimar o resultado eleitoral, estimular a difusão de fake news e articular discurso de insurgência institucional”, diz a Procuradoria.

Derrotado nas urnas, Bolsonaro demorou mais de 40 horas para reconhecer o revés e, quando o fez, “deixou no ar” se havia mesmo aceitado o resultado eleitoral. Além disso, o então presidente não desestimulou as manifestações antidemocráticas que se organizavam no País.

Ao mesmo tempo em que anuiu com a manutenção de mobilizações populares, como os acampamentos em frente aos quartéis, Bolsonaro sondou comandantes militares sobre o apoio que receberia se decretasse medidas de exceção, segundo a PGR.

Walter Braga Netto

A PGR diz que Walter Braga Netto, “valendo-se do seu elevado poder de influência no núcleo decisório mais importante da Presidência da República, (…) atuou de forma incisiva para garantir o êxito da empreitada golpista, coordenando as ações mais violentas da organização criminosa e capitaneando iniciativas para pressionar o Alto Comando do Exército”.

Segundo Gonet, em 2021, Braga Netto atuou para transformar o Dia da Independência em um “palanque de ataques à urna eletrônica e ao Poder Judiciário”. Naquele momento, o então ministro “já mediava a comunicação entre Jair Bolsonaro e os comandantes militares, de modo a coordenar as ações necessárias para a possível ruptura institucional”.

Walter Braga Netto está preso por obstrução de justiça
Walter Braga Netto está preso por obstrução de justiça

De acordo com o relatório, Braga Netto supervisionou o braço da organização criminosa que buscou comprovar, por meio de um estudo, a vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação. Segundo a PGR, mesmo com alegações frágeis, o grupo seguiu difundindo a narrativa de fraude nas eleições.

“Braga Netto e seus subordinados agiram de forma dolosa e articulada para contestar os resultados das urnas. A atuação do réu se baseou em estratégia previamente definida e executada com coesão pelos acusados, que tinham plena ciência da fragilidade das alegações de fraude que sustentavam seu discurso.”

A PGR também aponta a relação de Braga Netto com um plano de assassinato de autoridades denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a execução de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin. Nos documentos relacionados ao “Punhal”, Braga Netto é citado como o líder do gabinete de crise que seria instituído após os assassinatos.

“Ainda que se considere o argumento de que o General (Braga Netto) desconhecia o plano de instituição do citado gabinete, o fato de ser retratado em tal documento como um dos chefes da estrutura de poder, encarregado de coordenar a ruptura institucional e assegurar seu sucesso, corrobora a visão de que Braga Netto era um dos expoentes da organização criminosa”, observa a PGR.

A Procuradoria também sustenta que, em 12 de novembro, uma reunião na casa de Braga Netto debateu as ações dos “kids pretos” no plano “Copa 2022″, que previa a “neutralização” de Moraes, nos moldes propostos pelo “Punhal”. Além dos “kids pretos”, Mauro Cid esteve presente no encontro.

A PGR pede a condenação de Braga Netto por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O ex-ministro está preso preventivamente desde dezembro de 2024, por obstrução das investigações.

Mauro Cid

O tenente-coronel Mauro Cid intermediou contatos e ações entre os núcleos da organização criminosa. A Procuradoria defendeu que, embora a colaboração do militar tenha sido útil à investigação, a Polícia Federal elucidou de forma “espontânea” boa parte dos fatos narrados na denúncia.

Além disso, Cid descumpriu os termos de seu acordo com a Justiça, omitindo fatos e informando terceiros sobre as diligências. Por essas razões, a Procuradoria defendeu que, ao invés do perdão judicial pleiteado pela defesa do militar, o “prêmio” de Cid seja a redução em 1/3 da pena dosada pelos magistrados.

Mauro Cid e seu advogado, Cezar Bitencourt, durante interrogatório no STF
Mauro Cid e seu advogado, Cezar Bitencourt, durante interrogatório no STF

“Ao lado dos benefícios trazidos à instrução processual, o comportamento do colaborador igualmente ensejou prejuízos relevantes ao interesse público e à higidez da jurisdição penal, exigindo criteriosa ponderação quanto à concessão das benesses previstas em lei”, defendeu Paulo Gonet.

Com a incidência do “prêmio” pelo acordo de colaboração, a PGR pede a condenação de Cid por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Alexandre Ramagem

Para a PGR, Alexandre Ramagem “preparou a narrativa difundida” por Bolsonaro sobre fraude nas urnas eletrônicas e comandou “espionagens ilegais baseadas em interesses particulares” do então presidente, “em flagrante desvio da estrutura brasileira de inteligência”.

Segundo Gonet, o ex-diretor da Abin foi o principal artífice da retórica difundida por Bolsonaro de ataque às urnas e às instituições.

Alexandre Ramagem em depoimento ao STF em junho
Alexandre Ramagem em depoimento ao STF em junho

“Ao contrário do que o réu (Alexandre Ramagem) alegou em sua defesa, os documentos apreendidos em sua posse não eram meras anotações privadas ou rascunhos pessoais. A maioria das anotações continham ensaios de discursos direcionados a Jair Bolsonaro, registrando expressões como ’Bom dia, Presidente’, ‘Estou à disposição’ e “Conte sempre comigo’, que indicam claramente o intuito de uma comunicação real”, afirma o parecer.

A PGR também destaca o papel de Ramagem na estrutura que ficou conhecida como “Abin paralela”. “Além de seu papel na definição de estratégias da organização criminosa, Alexandre Ramagem comandou uma estrutura paralela de inteligência, destinada à implementação de ações com viés político, em grave desacordo com os limites impostos pelo Estado Democrático de Direito. Tal estrutura ficou conhecida como “Abin paralela” e buscava angariar informações diversas sobre opositores do governo, para atacá-los, especialmente no meio digital, no curso das iniciativas corrosivas das estruturas democráticas”, diz o relatório.

A PGR quer a condenação de Ramagem por organização criminosa armada, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Almir Garnier

A PGR aponta que houve “adesão explícita” de Almir Garnier “à empreitada criminosa” que visava a decretação de um estado de exceção no País. Para a organização criminosa, o apoio do braço armado do Estado era essencial ao sustento da ruptura institucional e Almir Garnier, ciente da relevância de seu suporte, aderiu de forma decisiva ao projeto golpista, registra o relatório.

O ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos; PGR fala em 'alinhamento ideológico' do militar à tentativa de golpe
O ex-comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos; PGR fala em ‘alinhamento ideológico’ do militar à tentativa de golpe

Gonet cita um “alinhamento ideológico” de Garnier à tentativa de ruptura e relembra o evento ocorrido em 10 de agosto de 2021, quando a Marinha, comandada pelo almirante, realizou um desfile com veículos militares em frente à Praça dos Três Poderes. “O episódio chamou a atenção da opinião pública pelo fato de que, em mais de trinta anos, a Marinha nunca havia convidado o Chefe do Poder Executivo por meio de um desfile militar”, registra o parecer.

A PGR sustenta que, além de nunca “ter sido utilizado um aparato militar daquela magnitude apenas para a entrega de um convite”, o impacto político que o desfile causaria era conhecido, “sobretudo ao ser executado em um momento de notória tensão política”. Naquele mesmo dia, a Câmara apreciaria uma PEC que previa a instituição do voto impresso.

Para a PGR, Garnier “não apenas não se opôs, como colocou se colocou à disposição de Jair Bolsonaro” na tentativa de golpe. Segundo Gonet, o apoio de Garnier às medidas golpistas foi confirmado pela delação de Mauro Cid e ratificado pelo depoimento de Marco Freire Gomes.

A Procuradoria quer a condenação de Garnier por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Anderson Torres

A PGR cita uma “atuação anômala” de Anderson Torres enquanto ministro da Justiça. “Comprovou-se que o acusado, na contramão do exigido pela importância de seu cargo, concentrou seus esforços em pautas manifestamente ilegítimas, da predileção de Jair Messias Bolsonaro, notadamente os ataques ao sistema eleitoral brasileiro”, diz o relatório assinado por Gonet, que relembra a participação de Torres na live de julho de 2021.

Segundo o parecer, o então ministro não só testemunhou os ataques ao sistema eleitoral e às instituições como contribuiu com a difusão de informações falsas

A PGR também cita a presença de Torres na reunião ministerial de julho de 2022. Segundo Gonet, o então titular da pasta de Justiça teve “participação relevante” no encontro. “Valendo-se de palavras de baixo calão, o réu buscou mobilizar os demais Ministros de Estado em favor da narrativa sabidamente falsa de fraude eleitoral que pautava o encontro”, diz o Ministério Público.

Anderson Torres conversa com seu defensor, Eumar Novack, durante interrogatório no STF em junho
Anderson Torres conversa com seu defensor, Eumar Novack, durante interrogatório no STF em junho

Em depoimento, Torres admitiu que faltou “com a polidez” durante a reunião. Para a PGR, a intervenção de Torres na reunião não pode ser explicada como mero excesso de linguagem. “Não se pode admitir como simples excesso de linguagem o incentivo contundente de um ministro da Justiça para que os demais ministros de Estado propagassem a falsa narrativa de fraude eleitoral”, diz a Procuradoria.

A PGR também afirma que, na condição de ministro da Justiça, Torres “se utilizou especialmente da estrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) (…) para obstruir o funcionamento do sistema eleitoral e minar os valores democráticos, dificultando a participação de eleitores que se presumiam contrários ao então presidente Jair Bolsonaro”. Para a cúpula do Ministério Público, diálogos e registros de reuniões indicam que houve uma “intensa coordenação de estratégias” para que o Ministério da Justiça interviesse no pleito.

A PGR pede a condenação de Torres por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Augusto Heleno

Segundo a PGR, Augusto Heleno “preparou a narrativa difundida” por Bolsonaro sobre fraude nas urnas eletrônicas, além de ter anuído com espionagens ilegais do então presidente. “As anotações e falas públicas de Augusto Heleno, ao longo do governo Bolsonaro, não deixam dúvidas de sua inclinação a ideias que desafiam a harmonia institucional”, afirma o relatório.

Augusto Heleno e seu advogado, Matheus Mayer Milanez, durante interrogatório no STF
Augusto Heleno e seu advogado, Matheus Mayer Milanez, durante interrogatório no STF

As diligências localizaram em posse de Heleno documentos que evidenciam os preparativos da narrativa golpista, como um arquivo em que o então chefe do GSI registrou a pretensão do governo em “estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações”. O mesmo documento registrava que era “válido continuar a criticar a urna eletrônica”.

A PGR pede que Heleno seja condenado por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Paulo Sérgio Nogueira

Paulo Sérgio Nogueira endossou a narrativa de fraude eleitoral sustentada por Bolsonaro, diz a PGR. O então ministro da Defesa integrava a Comissão de Transparência Eleitoral (CTE), instituída pelo TSE, mas menosprezou o papel do órgão durante a reunião ministerial de julho de 2022. Na ocasião, Nogueira afirmou que a comissão era “para inglês ver”.

Segundo a Procuradoria, Nogueira postergou de forma “deliberada” a entrega do relatório de fiscalização do ministério da Defesa, com o “propósito de manter fora do alcance da opinião pública” as conclusões do documento, que apontavam para “a inexistência de fraudes ou vulnerabilidades que colocassem em dúvida o resultado das urnas”.

Paulo Sérgio Nogueira e seu advogado, Andrew Fernandes, durante interrogatório no STF
Paulo Sérgio Nogueira e seu advogado, Andrew Fernandes, durante interrogatório no STF

No dia 9 de novembro, o Ministério da Defesa encaminhou ao TSE seu relatório de fiscalização sobre as urnas. O documento registrou que não foram identificados indícios de fraudes ou inconsistências no sistema de votação. No dia seguinte, Nogueira divulgou uma nota dizendo que o relatório da Defesa não havia excluído a possibilidade de fraudes nas urnas. Para a PGR, a declaração do ministro foi “ambígua e ardilosa”.

“Manter viva a narrativa de irregularidades no sistema eletrônico de votação significava preservar a possibilidade de ruptura institucional”, diz a Procuradoria. Ao sustentar, mesmo sem provas, a suspeita de fraude eleitoral, a organização criminosa liderada por Jair Bolsonaro, à qual aderiu Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, criava um cenário artificial de deslegitimação das instituições democráticas, que poderia ser instrumentalizado como justificativa para a decretação de um golpe de Estado, afirma a PGR.

Nogueira também participou de encontros entre Bolsonaro e a cúpula militar, nos quais, como o próprio réu admitiu, discutia-se a utilização de medidas como a Garantia da Lei da Ordem (GLO). O então ministro da Defesa estava presente no encontro em que foi espelhada em um projetor o esboço que ficou conhecido como “minuta golpista”. O texto fazia digressões sobre o momento político do País e invocava, além da GLO, outros dispositivos legais, como o estado de sítio.

A PGR quer a condenação de Paulo Sérgio Nogueira por organização criminosa armada, abolição do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.

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