17 de julho de 2025
Politica

Intuição & crendice

O crítico Silvio Romero era uma personalidade singular. Austero ao analisar obra alheia, era condescendente com seus amigos. Assim com o Barão de Tautphoeus, aquela misteriosa figura mista de sábio e conspirador político, de quem Joaquim Nabuco disse em “Minha Formação”: “falava de um modo uniforme, sem ênfase, sem colorido, sem expressão mesmo, mas era um jorrar sem fim de ciência, de erudição, como se naquele mesmo dia tivesse estudado e apreendido todo o assunto”.

O Barão fora expatriado da Baviera e aqui se radicou. Monarquista convicto, não hesitou, por ocasião do golpe republicano, durante o desfile das tropas do General Deodoro, gritar:

– “Viva a Constituição do Império!”.

Silvio Romero era grande admirador dessa figura. Depois de sua morte, ao referir a ele dizia: “O Barão foi-nos mandado pela Providência É incalculável o benefício prestado por ele a várias gerações de brasileiros”.

Tamanha a veneração cujo alvo era Tautphoeus, que chegou a ter um pressentimento sobre sua morte. – “Tive aviso de sua morte. Acorri, mas já o achei sem fala. Também só tive outro aviso de morte até hoje em minha vida: o de Tobias Barreto. Ouvi um baque pesado no meu quarto, mas nada vi. Tomei nota do fato, registrando a hora. E recebi depois a notícia de que, exatamente naquele instante, havia morrido o maior filósofo que o Brasil já teve!”.

Já quando não gostava de alguém, era melhor sair de perto. Um dia, Silvio Romero recebeu a visita de Artur Guimarães. Surpreendeu-se o amigo ao ver Silvio entretido na leitura de um livro de Joaquim Manuel de Macedo. Era o material necessário para um estudo sobre a personalidade literária do criador de “Moreninha”.

Interrompendo a tarefa, comentou com Artur:

– “Quer saber de uma coisa? O Macedo é escritor muito mais sério do que eu supunha!”.

Para provocar o escritor desabusado, Artur Guimarães perguntou:

– “E o que você acha de Machado?”.

– “Não é gente!”, replicou Silvio. Um juízo sumário que não admitia contestação.

Duro para com os companheiros, estes não eram menos sarcásticos em relação a ele. Frequentemente atacado, por fogo amigo ou por hostilidade aberta contra as campanhas em que se empenhava com todo o ardor de seu entusiasmo, Silvio Romero preferia não ler mais, para não se irritar, os golpes arremetidos pela imprensa. E confessou a um amigo:

– “Prefiro ignorar o mal que dizem de mim. Ao menos não me aborreço com injustiças e disparates!”. Fez uma pausa e acrescentou: – “Mas reconheço que é inútil querer ignorar o mal que dizem de nós: há sempre uma “alma caridosa” que vem logo nos contar. A verdade é que uma parte da humanidade tem prazer em desfechar más notícias. E é raro encontrar quem nos venha trazer as que nos alegram e confortam!”.

Esse homem paradoxal, verdadeiro polímata, era duro no seu ofício, terno ao se relacionar com alunos e com pessoas frágeis. Tinha também a vocação de patriarca. Orgulhava-se da família numerosa. Ao ser indagado sobre quantos filhos tinha, respondia: – “Para mais de vinte!”.

Nada obstante, era perseguido pelo temor da morte. Resolveu, certa feita, consultar o quiromante e frenólogo Viremont, para saber o futuro que o aguardava.

Ao fim da consulta, o adivinho proferiu seu vaticínio:

– “Dos sessenta e cinco aos setenta e cinco anos, sereis chefe poderoso e vereis vossos inimigos baterem em retirada. O grupo dos vossos discípulos, unido e forte, cerrará fileira glorificando-vos!”.

Só que aos sessenta e três anos, para contrariar a generosa previsão de Viremont, o coração do mestre, que de vez em quando o angustiava com as suas arritmias, deixou de bater.

Pouco antes de morrer, Silvio Romero sintetizou os muitos desencontros de seu destino: “Passei pela política, sem nunca ter feito política; passei pelo jornalismo, sem nunca ter feito jornal; passei pelas letras, sem nunca ter vivido delas; formei-me em direito e nunca advoguei. Reputo isto um bem, conquanto tivesse sido um mal: um bem, pela autonomia de pensar e pela relativa independência econômica, que a minha enxada de professor sempre me assegurou; um mal, porque sem jornal, politicagem e advocacia, não se tem força, nesta terra, e viver de livros seria condenar a família a morrer de fome”.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *