Defesa de Bolsonaro diz que PGR apresentou história sem respaldo jurídico
O criminalista Celso Vilardi, que defende o ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmou que as alegações finais apresentadas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, na ação do golpe no Supremo Tribunal Federal são narrativas que não se sustentam. “É uma história muito bem contada, muito bem escrita, mas é uma história. Essas teses apresentadas não têm respaldo jurídico”, disse em entrevista à Coluna do Estadão.
Para Vilardi, a peça da Procuradoria-Geral da República se ampara “em algo único do direito brasileiro”, sem paralelo mundo afora. Ele se refere ao fato de a denúncia aceitar uma delação com “narrativa seletiva”, nas palavras do próprio Gonet, que também levantou dúvidas sobre a boa-fé do tenente-coronel Mauro Cid.
“Eu li até uma manchete dizendo o seguinte: ‘procurador-geral da República questiona lealdade do colaborador, mas pede uma diminuição mínima numa eventual pena do Supremo Tribunal Federal’. Como é que uma pessoa que apresentou mentiras e contradições, segundo o próprio procurador pode ser colaborador?”, indagou. “É surpreendente, para usar uma declaração elegante, que a Procuradoria-Geral da República tenha continuado a apoiar sua tese num colaborador que fez o que ele fez”, continuou.
Nas alegações finais, Gonet aponta que Bolsonaro cometeu cinco crimes – que somam cerca de 43 anos de prisão em caso de condenação – e reafirma que ele não apenas tinha conhecimento do plano golpista, como liderou as articulações para um golpe de Estado.
Vilardi criticou o PGR por imputar crimes ao seu cliente considerando atos cometidos por pessoas do entorno do ex-presidente. “A condenação no processo penal brasileiro deve se dar pela prática do ato feito pelo acusado. E aqui temos uma acusação de entorno. Eu não respondo pelo entorno. Eu não defendo o entorno. Eu defendo o presidente Jair Bolsonaro e eu vou provar a inocência dele”, insistiu.
O criminalista também destacou o peso do seu desafio profissional ao defender um ex-presidente da República num ambiente tão polarizado no País.
“Eu tenho dito que este é o processo mais difícil da minha vida, em razão das dificuldades que nós estamos experimentando, inclusive porque não tivemos tempo hábil (para acesso às denúncias ao longo do processo). Esse é o motivo principal, mas não exclusivamente. A gente sabe que os casos que repercutem têm pré-julgamento, mas nunca antes eu ouvi algo tão forte como aqui”, concluiu.
Nesta entrevista, entre outros pontos, Celso Vilardi também é indagado sobre a contagem regressiva para a prisão do seu cliente e sobre a atuação do presidente do Estados Unidos, Donald Trump, para tentar interferir no resultado do julgamento.
Confira abaixo a íntegra da entrevista

Com a apresentação das alegações finais da PGR, esta semana, agora a defesa tem um prazo de 15 dias para também apresentar seus argumentos. Qual é fio condutor que o senhor vai adotar para a defesa?
Nós estamos estudando a peça do procurador-geral da República e pretendemos apresentar uma defesa técnica, combatendo cada um dos argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República.
O sr. considera haver brechas na peça da PGR para ainda tentar algum tipo de anulação nas acusações feitas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro?
Nós vamos insistir em alguns pontos. Eu tenho dito que este é o processo mais difícil da minha vida, em razão das dificuldades que nós estamos experimentando, inclusive porque não tivemos tempo hábil – com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal e ao ministro Alexandre de Moraes – para analisar o conjunto das provas. Isso vai ser efetivamente repetido na defesa e, obviamente, nós vamos tratar de contestar todas as acusações de mérito que foram feitas pelo procurador-geral da República. E também iremos, em função dos acontecimentos, voltar a abordar a questão da colaboração premiada do coronel Mauro Cid.
Qual é o principal ponto de contestação da delação de Mauro Cid que vocês farão? Vocês vão tentar desqualificar, derrubar essa delação, com base em quê?
Tenho que pedir desculpas porque não posso fazer uma análise aprofundada, antecipar a defesa. Mas o que posso dizer é que a leitura da peça da Procuradoria-Geral da República traz um fato que eu diria que é único no direito brasileiro e acho que não vamos encontrar algo parecido no mundo afora. Eu li até uma manchete dizendo o seguinte: “procurador-geral da República questiona lealdade do colaborador, mas pede uma diminuição mínima numa eventual pena do Supremo Tribunal Federal”. Como é que uma pessoa que tem a lealdade questionada pode funcionar como colaborador? Como é que uma pessoa que apresentou mentiras e contradições, segundo o próprio procurador-geral da República (pode ser colaborador)? E sequer está levando em consideração esse último episódio da criação de um perfil falso, que nós já provamos que é dele, que veio da casa dele. Então, é surpreendente, para usar uma declaração elegante, que a Procuradoria-Geral da República tenha continuado a apoiar sua tese num colaborador que fez o que ele fez.
O sr. vê espaço para tentar anulação dessa colaboração?
Eu acho que agora não é uma questão de anulação, porque já não foi anulada, e o procurador está pedindo efetivamente uma pena mínima. Eu acho que temos de pedir é que os juízes entendam que não há uma delação válida, que não pode ser levada em consideração. É isso que temos que pedir e o que tem que ocorrer à luz dos fatos que ocorreram nos últimos dias.
Pela peça da PGR, são apontados 5 crimes que teriam sido cometidos por Jair Bolsonaro que poderia dar até 43 anos de prisão. O sr. acredita ainda ser possível evitar essa condenação ou agora é mais uma questão de tentar reduzir a pena, de anular um ou outro crime?
Eu acho que temos de levar em consideração que a peça apresentada pelo professor Paulo Gonet – pessoa que eu respeito demais – não tenho como deixar de dizer que é uma narrativa. É uma história muito bem contada, muito bem escrita, mas é uma história. Essas teses apresentadas não têm respaldo jurídico. Vamos fazer uma demonstração clara à luz do Direito, à luz dos princípios jurídicos. À luz da doutrina nacional e da doutrina estrangeira, nós vamos demonstrar a impossibilidade jurídica de que as teses da Procuradoria sejam acolhidas.
Por quê?
Porque nós temos análises que, agora, se referem a questões de direito penal, questão de tipicidade. Nós estamos falando de uma tentativa armada. A pergunta que vamos fazer e vamos demonstrar que não existiu: houve tentativa armada? Não houve. E vamos demonstrar, circunstancialmente, fato por fato, vamos contestar. Esperamos que haja uma absolvição. Mas a defesa é a defesa. Quem julga é o Supremo Tribunal Federal. O que eu espero é que não haja um julgamento de ordem política, porque nós não podemos fazer um julgamento de narrativas. O Supremo Tribunal Federal deverá fazer um julgamento à luz dos princípios do Direito, da doutrina e da jurisprudência.
Sobre a questão de armas, é importante ressaltar que, por mais que não houvesse fuzil, tanque nas ruas, havia outros tipos de armas que permitiram a depredação, inclusive.
Sem dúvida. Isso é um fato inegável. Agradeço a pergunta, porque as pessoas costumam dizer: “olha, os advogados nunca dizem que não aconteceu a violência, sempre dizem que o cliente não participou”. Evidente. Nós dizemos isso porque o 8 de janeiro parece que é inquestionável, que houve violência, depredação do patrimônio público. A questão é saber se efetivamente o presidente Jair Bolsonaro participou ou não disso. Pego aqui uma frase literal, uma acusação do procurador-geral da República em relação ao episódio que você está citando. “Não deixa dúvidas o suporte fornecido pelo entorno de Jair Bolsonaro às manifestações antidemocráticas”. A condenação no processo penal brasileiro deve se dar pela prática do ato feito pelo acusado. E aqui temos uma acusação de entorno. Eu não respondo pelo entorno. Eu não defendo o entorno. Eu defendo o presidente Jair Bolsonaro e eu vou provar a inocência dele.
No ambiente jurídico e político, não há ninguém acreditando que Jair Bolsonaro consiga ser absolvido. E a previsão e de que a prisão ocorra em setembro. Vocês trabalham com essa contagem regressiva de que forma, e qual seria o momento adequado para pedir uma prisão domiciliar?
Eu não vou tratar sobre isso, porque o que você está falando me estarrece e entristece. Veja o ambiente que estamos vivendo, os tempos que estamos vivendo. As pessoas estão dizendo que há uma condenação, que existem dois meses de liberdade e, até o presente momento, ninguém viu a defesa. Ou seja, se a condenação é apesar de que vai existir uma defesa, aí eu não posso acreditar nisso. Aí eu não vou trabalhar. Isso é gravíssimo! É uma percepção geral no Brasil de que haverá uma condenação. Alguém leu a defesa, porque eu ainda não fiz. Então, na verdade o que se está pretendendo é uma condenação com base só na acusação, ninguém quer ouvir a defesa? É evidente que o julgamento, ao que parece, vai se dar no segundo semestre, eu não posso prever quando será marcado, isso depende dos ministros, e não vou trabalhar com essa hipótese. Espero que a defesa seja analisada antes de uma condenação.
Uma das denúncias contra Bolsonaro é de que ele teria atuado numa conspiração para os atos golpistas. Sobre esse clima de conspiração, já há partidos de oposição a Bolsonaro questionando na Justiça a atuação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para tentar interferir no julgamento aqui no Brasil…
Desculpa, eu não vou comentar isso. A minha parte é absoluta e especificamente jurídica, eu não vou entrar em nenhum comentário deste assunto, que não me compete, não me diz respeito. Aliás, o presidente (Bolsonaro) já deu entrevista e falou sobre isso, isso não é algo que me toque.
Não existe nenhum temor, então, que isso contamine o seu trabalho na defesa?
Eu acho que o papel da defesa é fazer uma defesa técnica, em contraposição a uma acusação, e a justiça deve se dar em função das teses jurídicas postas, elegendo uma delas para condenar ou absolver. É isso que eu espero do Supremo Tribunal Federal.
Qual é a principal preocupação do seu cliente hoje, quando o senhor conversa com ele?
É evidente que uma pessoa que está sendo processada e tem um julgamento próximo, no clima que estamos vivendo, evidentemente que existe uma preocupação. Agora, ainda não foi apresentada a defesa.
O sr. tem alguma estratégia para expandir questionamento sobre esse julgamento em organismos internacionais?
Esse não é o momento de tratar disso. A acusação foi posta ontem. Temos que efetivamente continuar estudando, analisar e fazer uma defesa. Depois virá o julgamento. Depois virão as providências que nós vamos tomar.
O sr. disse que esse é o processo mais difícil de sua trajetória, isso é exclusivamente pelo acesso da defesa aos autos e pelos prazos ou tem algo além?
O principal motivo é evidentemente o acesso, mas não exclusivamente. A questão de defender um presidente da República, num País polarizado como esse. Na verdade a gente sabe que os casos que repercutem têm pré-julgamento, mas nunca antes eu ouvi algo tão forte como aqui. Porque vejo opiniões de pessoas da área do direito fazendo pré-julgamento desde a propositura da denúncia, desde o relatório do inquérito policial. Ninguém até agora teve interesse em ouvir a defesa, ninguém até agora quis conhecer as teses da defesa. Então, eu lamento. E isso traz a dificuldade e nós vamos seguir em frente.
Quando o sr. diz ninguém, o sr. expande esse ninguém para os magistrados envolvidos?
Não, não. Não estou falando dos magistrados. Eles, pelo contrário. Os magistrados ainda não se pronunciaram. Estou falando da série de comentários que tenho visto, com pessoas que estão colocando uma posição de condenação absoluta e que, até agora, não viram a defesa. É só isso que estou dizendo.