São Paulo perde representatividade com aumento de deputados da Câmara, aponta estudo
BRASÍLIA — O aumento do número de deputados federais aprovado pelo Congresso e vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira, 16, piora a distorção na representatividade do parlamento em relação à população dos Estados.
A conclusão é de um levantamento feito pelo cientista político Jairo Nicolau, professor e pesquisador da FGV-CPDOC. Para ele, a nova proposta não se baseia num cálculo matemático e prejudicou a representação dos brasileiros na Câmara dos Deputados.

Lula vetou o aumento no número de deputados de 513 para 531, diante da impopularidade da medida entre os brasileiros e o aumento de gastos que ela acarretará, mas o Congresso deve derrubar o veto e promulgar o projeto.
A iniciativa do Congresso visa, em tese, a atender a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o número de cadeiras fosse atualizado de acordo com a população de cada Estado, seguindo o Censo de 2022. Mas, para não reduzir nenhuma bancada estadual, os parlamentares resolveram adicionar cadeiras de modo a tentar equalizar a questão. Pelo texto aprovado, Santa Catarina, Pará, Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Ceará, Paraná e Rio Grande do Norte ganharão novos assentos.
Nicolau, no entanto, chama a atenção para a sub-representação de São Paulo, que concentra 21,8% da população brasileira (44,4 milhões de pessoas). O Estado, no entanto, tem 13,6% das cadeiras e passará a ter 13,2% com a mudança. Como a Constituição define que nenhum Estado pode ter mais de 70 deputados, lembra ele, qualquer aumento no tamanho da Câmara sempre prejudicará esse Estado.
Hoje, por conta dos números mínimo (8) e máximo (70) de deputados, a composição já não reflete a proporção da população dos Estados. Unidades da federação menos populosas, como Roraima, acabam super-representadas em relação às que têm mais habitantes, como São Paulo. Num cenário com 531 deputados, a representação seria proporcional à população caso Roraima, Acre e Amapá, por exemplo, tivessem 2 representantes cada, e São Paulo, 115.
“A ideia de proporcionalidade é ferida com o princípio de um mínimo e um máximo. A premissa já é de desigualdade. Depois que você estabelece que um Estado precisa ter no máximo 70 cadeiras numa Câmara de 513, você necessariamente assume que, na medida em que a população de um Estado cresce, a representatividade vai ficar desproporcional”, diz Nicolau.
O pesquisador também destaca que a distribuição parece ter sido feita sem seguir uma fórmula matemática. Ele dá como exemplos Pernambuco (9 milhões de habitantes) e Ceará (8,8 milhões), que, embora tenham população similar, a bancada pernambucana terá duas cadeiras a mais que a cearense. Da mesma forma, a Paraíba (3,9 milhões de habitantes), Estado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), terá duas cadeiras a mais que o Ceará (3,8 milhões).
Para mostrar como ficaria a composição da Câmara com 531 deputados caso as cadeiras fossem distribuídas por uma regra rigorosamente proporcional, Nicolau aplicou o método Huntington-Hill (HH). Trata-se do procedimento empregado desde 1941 nos Estados Unidos para distribuir as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes entre os 50 estados.
Nicolau constatou que a aplicação do método americano “gera resultados mais proporcionais em relação à população de cada Estado e serve como parâmetro para evidenciar as inconsistências da proposta aprovada pelo Congresso Nacional”. A distribuição passaria por grandes diferenças: Rio de Janeiro, por exemplo, que mantém as 46 cadeiras na proposta que deve ser promulgada, perderia quatro delas, caindo para 42. Isso permitiria que o Estado, que tem 7,9% da população brasileira, tivesse 8,2% das cadeiras da Câmara, e não 9,0%, como se encaminha para ficar.
Da mesma maneira, Rio Grande do Sul (-3), Bahia (-2), Paraíba (-2), Piauí (-2), Pernambuco (-1) e Alagoas (-1) perderiam cadeiras, de modo a deixar sua representatividade mais próxima em relação ao tamanho de suas populações.
A conclusão de Nicolau é que a melhor representatividade seria alcançada se a Câmara mantivesse os 513 deputados e distribuísse as cadeiras de acordo com o método Huntington-Hill. E que até mesmo manter o modelo atual é mais benéfico do que o que está prestes a ser implementado, mesmo corrigido pelo modelo americano. Das quatro opções analisadas por ele (513 deputados como é hoje; 513 deputados com método HH; 531 deputados como foi aprovado; 531 deputados com método HH), a adotada foi considerada a pior.
Por fim, o pesquisador aplicou o índice de Gallagher para dimensionar a distorção agregada, permitindo calcular os desvios entre a proporção de habitantes e a proporção de cadeiras de cada estado. Um índice próximo de zero indica uma distribuição perfeita, e quanto maior o índice maior a distorção entre a população e a representação.
Os resultados são os seguintes, ordenados da menor para a maior distorção:
- Huntington-Hill (513 deputados): 6,08
- Sistema atual (513 deputados) : 6,22
- Huntington-Hill (531 deputados): 6,39
- Proposta aprovada (531 deputados): 6,41
“Seria aceitável se todos esses gastos adicionais (com os 18 deputados adicionais) fossem justificados em nome da equidade da representação política. Mas vai piorar. Foi feito casuisticamente, nas coxas, sem cálculo técnico, e com uma premissa absurda que é: ninguém pode perder. É um vexame”, diz ele.
O custo anual será R$ 64,8 milhões a mais – ou R$ 3,6 milhões por deputado, segundo a direção-geral da casa. Motta tem dito que a proposta não acarretará aumento de custos. “Temos dentro do orçamento da Câmara como absorver esse aumento de 18 parlamentares sem necessidade de suplementação orçamentária”, disse, segundo a Agência Câmara de Notícias.
No ano passado, a Câmara dos Deputados consumiu R$ 6,96 bilhões em dinheiro do contribuinte. Este valor inclui não só os gastos com os parlamentares e suas equipes, mas também outros funcionários comissionados e concursados e despesas de manutenção do edifício sede, entre outros.