20 de julho de 2025
Politica

Bolsonaro tenta reverter ação do golpe após cautelares, mas não há precedentes no mundo; entenda

Alvo de novas medidas cautelares na última semana, o ex-presidente Jair Bolsonaro busca reverter uma possível condenação por tentativa de golpe de Estado no Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto articula, em outra frente, uma anistia no Congresso. As duas iniciativas, porém, esbarram em um histórico global sem reversões.

Um levantamento inédito, feito por cientistas políticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade de Pisa, na Itália, mapeou 148 condenações de ex-chefes de governo em 76 países entre 1946 e 2024, e mostra que, ao contrário dos casos de corrupção, nenhuma sentença por ataque direto à ordem democrática foi revertida – seja por decisão judicial, seja por anistia.

De todos os casos mapeados, não há registro de que a condenação de um ex-presidente, primeiro-ministro ou mesmo ditador por crimes contra a democracia, como tentativa de golpe de Estado, tenha sido revertida por tribunais, em qualquer instância, ou encerrada por meio de anistia.

Entre eles está o ex-ditador tunisiano Zine El Abidine Ben Ali, que foi condenado em 2012, entre outros crimes, por uso ilegítimo das Forças Armadas. Já o general Jorge Rafael Videla, que liderou o golpe militar na Argentina em 1976 e comandou o país durante a ditadura, foi condenado em 1985 por crimes ligados à ruptura institucional.

Na foto Bolsonaro em um carro que o conduz para colocar a tornozeleira eletrônica
Na foto Bolsonaro em um carro que o conduz para colocar a tornozeleira eletrônica

Esse é justamente o tipo de acusação que Bolsonaro enfrenta no STF, onde responde por tentativa de golpe de Estado, além de outras imputações.

Nesta sexta-feira, 18, Moraes impôs novas medidas cautelares contra o ex-presidente, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica e restrições ao uso de redes sociais. A decisão se baseia na avaliação de que Bolsonaro e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, atualmente nos Estados Unidos, praticaram crimes como coação no curso do processo ao tentar pressionar, por meio do governo americano, a Corte para reverter justamente a ação penal em que o ex-presidente responde pelo plano golpista.

O pesquisador e professor de ciência política da UFSC, Luciano Da Ros, um dos responsáveis pelo levantamento, explica que condenações por crimes contra a democracia, como tentativa de golpe de Estado, costumam ocorrer em momentos de reafirmação institucional e são impostas por tribunais fortalecidos, com respaldo político e social. “Isso torna sua reversão mais difícil”, afirma.

Além da estratégia jurídica, Bolsonaro e aliados apostam em uma saída política com a aprovação do Projeto de Lei da Anistia no Congresso. A proposta busca perdoar os crimes relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, abrindo brecha para beneficiar o ex-presidente. O movimento é tratado como prioridade por bolsonaristas diante da crescente expectativa de condenação no Supremo.

A articulação, no entanto, avança em meio a um cenário de desgaste, agravado pela recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor, a partir de agosto, uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. A medida foi anunciada sob a justificativa do que o republicano chamou de “caça às bruxas”, em referência às decisões do Supremo contra Bolsonaro na ação do golpe.

Apesar da pressão internacional, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), reafirma o compromisso com a pauta. “Vamos continuar focados. Isso parece uma estratégia para desviar o foco do movimento da anistia. Vamos fazer uma ofensiva em várias frentes”, pontua. O posicionamento é endossado pelo líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS), que também aposta na proposta. “Vamos colocar para votar”, afirma.

Casos de corrupção têm mais reversão

Se em casos de golpe de Estado nenhuma condenação foi revertida, o cenário é diferente quando se trata de crimes de corrupção. Dos 148 casos analisados no estudo, 95 envolviam esse tipo de acusação, dos quais 36% tiveram reversão judicial. Entre os exemplos estão os casos de Lula e do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que conseguiram anular suas condenações em tribunais superiores e retornar à cena política.

Para Da Ros, essa maior taxa de reversão está ligada a um desequilíbrio na independência entre as diferentes instâncias do Judiciário. Embora se espere que os tribunais superiores sejam mais autônomos, em muitos países são justamente os de primeira instância que atuam com mais independência e acabam condenando líderes políticos.

Já as Supremas Cortes, mais próximas das elites ou do poder, funcionam como uma instância de contenção. “É como se um tribunal mais independente condenasse e outro, menos independente, anulasse a decisão”, resume o pesquisador.

No caso de Bolsonaro, o processo já está na fase final. A Procuradoria-Geral da República apresentou suas alegações finais atribuindo ao ex-presidente o papel de “principal articulador” de uma trama para desacreditar as eleições de 2022, que deram vitória a Lula.

A expectativa é de que a ação esteja pronta para julgamento da Primeira Turma do Supremo em setembro, após a manifestação das alegações de Mauro Cid e demais réus. Se condenado em todos os crimes, Bolsonaro poderá pegar mais de 40 anos de prisão.

“Ao apostar em estratégias jurídicas e políticas para evitar uma punição, Bolsonaro enfrenta justamente esse tipo de barreira, até agora intransponível no histórico global”, completa Da Ros.

 

 

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