22 de julho de 2025
Politica

Juristas veem respaldo legal à decisão de Moraes contra Bolsonaro, mas criticam falta de clareza

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de intimar, nesta segunda-feira, 21, Jair Bolsonaro a prestar esclarecimentos, em 24 horas, sobre falas feitas a jornalistas na Câmara dos Deputados, sob pena de prisão, reacendeu o debate sobre os limites das medidas cautelares impostas ao ex-presidente e dividiu juristas ouvidos pelo Estadão.

Embora reconheçam que há jurisprudência nos tribunais superiores que permite restringir o uso de redes sociais por investigados, criminalistas criticam a falta de critérios claros e objetivos – o que, segundo eles, abre margem para responsabilizações sem base concreta e compromete a segurança jurídica.

O ex-presidente Jair Bolsonaro mostra para os jornalistas a tornozeleira eletrônica, que foi colocada por ordem do ministro Alexandre de Morais, na saída da Câmara dos Deputados após reunião com na liderança do PL
O ex-presidente Jair Bolsonaro mostra para os jornalistas a tornozeleira eletrônica, que foi colocada por ordem do ministro Alexandre de Morais, na saída da Câmara dos Deputados após reunião com na liderança do PL

O novo despacho foi motivado pela cena ocorrida nesta segunda-feira, 21, quando Bolsonaro deixou uma reunião com parlamentares aliados na Câmara. Na saída do Congresso, diante de jornalistas, ele exibiu a tornozeleira eletrônica e declarou: “É uma máxima humilhação”. O momento foi registrado pela imprensa e depois republicado em perfis diversos nas redes sociais, incluindo os de aliados do ex-presidente e veículos de imprensa.

Na avaliação de Moraes, o episódio configura tentativa de burlar a vedação ao uso das redes sociais, uma das medidas cautelares impostas ao ex-presidente.

Na última sexta-feira, 18, Moraes impôs uma série de restrições a Bolsonaro, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base em investigação da Polícia Federal. Entre as medidas estão o uso de tornozeleira eletrônica, toque de recolher noturno e nos fins de semana, proibição de contato com seus filhos, diplomatas e outros investigados, além da proibição expressa de uso das redes sociais, direta ou indiretamente.

Este último ponto levantou dúvidas sobre se Bolsonaro poderia conceder entrevistas que, posteriormente, fossem veiculadas nas redes. Na tentativa de esclarecer a questão, Moraes afirmou em novo despacho, nesta segunda-feira, que a proibição de uso das redes sociais, direta ou indiretamente, “inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”. Segundo o ministro, caso Bolsonaro “se valha desses meios para burlar a medida”, a prisão preventiva poderá ser decretada.

A formulação, no entanto, gerou críticas. Para o criminalista e coordenador do curso de Direito da ESPM-SP, Marcelo Crespo, ao considerar como possível violação da medida cautelar a veiculação, por terceiros, de imagens captadas pela imprensa, Moraes adota uma interpretação extensiva da restrição. Ele avalia que a decisão é genérica e carece de critérios claros, o que abre margem para interpretações excessivas sobre os limites do que seria ou não permitido ao ex-presidente.

Crespo acrescenta que, ao não esclarecer de forma objetiva os limites da vedação ao uso de redes sociais, a decisão cria uma zona cinzenta que pode alcançar até situações em que o ex-presidente é filmado ou fotografado sem consentimento. “A decisão ficou muito ampla e sem detalhamento de como seria essa situação de utilização de redes por terceiros”, afirma o professor.

O criminalista diz ainda que o cerne da discussão não está na legalidade da proibição do uso das redes, mas na forma como ela pode ser aplicada. Ele questiona se esse entendimento se estenderia também a conteúdos produzidos por veículos de imprensa. “Uma empresa de jornalismo que encontre o ex-presidente na rua, fotografe ou filme, parece estar em um contexto distinto, mas isso não está claro na decisão do Alexandre de Moraes”, afirma.

Na mesma linha, o advogado criminalista David Metzker ressalta que, embora exista uma corrente interpretativa que admita a extensão das cautelares a falas públicas com potencial de viralizar, esse alcance precisa estar expressamente delimitado pela decisão judicial. “Não basta uma leitura implícita ou genérica, especialmente quando se trata de medidas que restringem liberdades fundamentais, como a de expressão e comunicação”, afirma. Para ele, a falta de clareza pode gerar insegurança jurídica.

Metzker pondera ainda que, para responsabilizar o réu por postagens feitas por terceiros, como veículos de imprensa ou apoiadores, é necessário comprovar vínculo causal direto. “Sem elementos objetivos que demonstrem comando, induzimento ou adesão deliberada do réu à divulgação, não me parece juridicamente seguro imputar responsabilidade com base apenas na repercussão espontânea da fala.”

No caso de hoje que levou à nova medida de Moraes, ele destaca que Bolsonaro não promoveu diretamente a publicação das imagens em que aparece com a tornozeleira eletrônica na Câmara, tampouco há indícios, até o momento, de que tenha articulado a divulgação. “Medidas cautelares exigem precisão, proporcionalidade e fundamentação clara, sobretudo quando limitam direitos constitucionalmente assegurados”, afirma.

Ainda assim, o episódio levanta dilemas jurídicos, já que, segundo Metzker, é inegável que qualquer manifestação pública feita por um ex-presidente cercado por aliados e imprensa “tende, quase inevitavelmente, a ser replicada nas redes sociais”, o que torna o debate sobre os limites da cautelar ainda mais delicado.

Na direção oposta, o advogado Marco Aurélio Carvalho, filiado ao PT e coordenador do grupo Prerrogativas, defende a decisão de Moraes. Para ele, Bolsonaro agiu de forma consciente, sabendo que suas declarações diante da imprensa seriam rapidamente transmitidas por aliados e veículos nas redes sociais. “Não tem ingenuidade nisso, a decisão de Moraes é acertada. Agora, caberá aos advogados dele explicar”, resumiu.

Apesar da divergência de Carvalho, os criminalistas ouvidos são unânimes em um ponto: mesmo diante de eventual descumprimento da medida cautelar, a conversão em prisão preventiva não pode ser decretada de ofício por Moraes. Para eles, mesmo em situações sensíveis, o ideal é que qualquer manifestação do Judiciário ocorra apenas após provocação formal da PGR.

 

 

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