Novas decisões de Moraes sobre Bolsonaro podem ser entendidas como censura prévia, apontam juristas
A decisão do ministro Alexandre de Moraes que proibiu Jair Bolsonaro de usar redes sociais, direta ou indiretamente, e autorizou sua prisão caso entrevistas concedidas por ele sejam divulgadas por terceiros nas plataformas digitais reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão e levantou questionamentos sobre possível cerceamento da atividade jornalística. Para a maioria dos especialistas ouvidos pelo Estadão, há risco de configuração de censura prévia.
Nesta segunda-feira, 21, Moraes determinou que a defesa do ex-presidente preste esclarecimentos sobre declarações feitas a jornalistas na saída de uma reunião com aliados na Câmara dos Deputados. Diante da imprensa, Bolsonaro exibiu a tornozeleira eletrônica imposta por decisão anterior do Supremo e afirmou: “É uma máxima humilhação”. As imagens foram registradas por veículos de comunicação e veiculado nas redes sociais.
Criminalistas ouvidos pelo Estadão reconhecem respaldo jurídico para a imposição da cautelar que restringe o uso de redes sociais por investigados. O ponto de divergência, porém, está na nova ordem emitida por Moraes, que ampliou o escopo da medida anterior e passou a incluir qualquer “transmissão, retransmissão ou veiculação de vídeos, áudios ou transcrições de entrevistas em redes sociais de terceiros”. Para o ministro, a conduta de Bolsonaro neste episódio violaria essa determinação.

É justamente essa ampliação que especialistas consideram vaga e baseada em uma interpretação extensiva da medida original. Eles alertam que a nova formulação abre margem para excessos, como censura prévia, restrição desproporcional ao investigado e cerceamento da atividade jornalística.
A medida contestada decorre de decisão anterior, de 18 de julho, quando Moraes já havia imposto uma série de restrições a Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica, toque de recolher e proibição de contato com outros investigados, além da vedação ao uso de redes sociais. A nova ordem amplia essa vedação ao conteúdo veiculado por terceiros, mesmo que o ex-presidente não tenha controle direto sobre sua publicação.
Para o professor de Direito Constitucional do Insper e pesquisador da USP, Luiz Gomes Esteves, a cautelar foi redigida de forma excessivamente genérica e gera insegurança jurídica. “É como se o Moraes pudesse prender ele a qualquer momento”, afirma. O professor critica ainda o fato de a ampliação da medida não ter sido submetida à Primeira Turma do STF, onde tramita a petição original. “Se o texto continuar como está, temos censura prévia.”
Como exemplo didático, Esteves questiona: “Se Bolsonaro for fotografado ou filmado sem consentimento por um veículo de comunicação e o conteúdo for publicado nas redes sociais, ele pode ser preso? Não sei.” Segundo ele, a decisão deixa dúvidas até em situações que não guardam relação direta com a motivação original da cautelar.
Essa zona de incerteza também é apontada por Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM-SP. Ele avalia que a decisão amplia demais o alcance da vedação e pode ferir garantias constitucionais. “A medida ficou sem detalhamento de como seria essa situação de utilização de redes por terceiros”, diz. “Isso compromete a previsibilidade jurídica e pode gerar um efeito inibidor sobre a imprensa e sobre o próprio direito de manifestação do investigado.”
O advogado constitucionalista André Marsiglia também vê excessos na decisão. Ele levanta dúvidas sobre seus limites: “Se as declarações forem publicadas fora das redes, mas depois replicadas em plataformas digitais, há risco de prisão? Além da censura prévia, Moraes inventa a censura retroativa e a censura seletiva, apenas sobre redes sociais”, completa.
Já o criminalista e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Vieira, aponta outra fragilidade: a ampliação da cautelar ocorreu sem provocação da Procuradoria-Geral da República, órgão que detém a atribuição legal para requerer esse tipo de medida. “A decisão foi tomada sem manifestação prévia da PGR. O correto seria aguardar uma provocação formal antes de autorizar algo tão extremo quanto a prisão preventiva.”
Por outro lado, o advogado Augusto de Arruda Botelho considera exagerada a acusação de censura, ainda que reconheça problemas de clareza na redação da medida. “O ideal seria que o ministro deixasse mais claros os contornos da cautelar, para evitar interpretações amplas demais”, afirma.