Decisão de Moraes mantém lacunas e deixa Bolsonaro sob risco de prisão, avaliam especialistas
A nova decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que afastou, por ora, a prisão preventiva de Jair Bolsonaro, foi considerada por criminalistas ouvidos pelo Estadão como insuficiente para delimitar com precisão os limites das restrições impostas, especialmente em relação à concessão de entrevistas e à posterior divulgação de falas por terceiros nas redes sociais. Na prática, avaliam, a cautelar segue vaga e sujeita a interpretações, o que mantém o ex-presidente sob risco constante de prisão por eventual descumprimento.
Na semana passada, Moraes havia imposto uma série de medidas cautelares a Bolsonaro, incluindo a proibição de uso das redes sociais, direta ou indiretamente. Dois dias depois, o ex-presidente deu declarações públicas na saída de uma reunião com parlamentares aliados na Câmara dos Deputados. As falas foram divulgadas nas redes sociais por veículos de imprensa e por aliados, incluindo seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, também investigado pelo Supremo. Com base nesse episódio, Moraes intimou a defesa a se manifestar, sob pena de decretação da prisão preventiva.

Na decisão divulgada nesta quinta-feira, 24, o ministro afirmou que Bolsonaro “não está proibido de conceder entrevistas ou fazer declarações públicas”, desde que suas falas não estejam associadas às condutas ilícitas investigadas, como ataques ao STF por meio de mobilização internacional, e não configurem tentativa de burlar a proibição de uso das redes sociais por meio do compartilhamento coordenado do conteúdo por terceiros.
Para o professor do Insper e pesquisador da USP Luiz Gomes Esteves, a manifestação do ministro mantém um alto grau de subjetividade e não oferece parâmetros objetivos para que o ex-presidente saiba, de antemão, o que é ou não permitido. “A cada entrevista, poderão surgir novos questionamentos, seja pelo conteúdo das falas ou pela forma como forem compartilhadas”, afirma.
O pesquisador avalia que a decisão permanece ambígua e permite interpretações casuísticas sobre eventual descumprimento. Segundo ele, o texto dá margem para que o ministro entenda, diante de indícios de articulação ou consentimento, que a divulgação de falas nas redes sociais foi coordenada com o objetivo de burlar a ordem judicial.
“A cautelar mantém um caminho para subjetivismos, ao definir caso a caso se houve ou não violação, sem critérios claros para antecipar se uma conduta será considerada descumprimento”, diz.
O criminalista e coordenador do curso de Direito da ESPM-SP, Marcelo Crespo, concorda que a decisão preserva um grau de ambiguidade. Ele avalia que, na prática, a medida limita Bolsonaro a conceder entrevistas apenas se houver cuidado explícito para que seus apoiadores não recortem nem disseminem o conteúdo nas redes. “Ainda que Bolsonaro possa se manifestar em entrevistas e eventos, essas manifestações não podem ser convertidas em estratégia velada de comunicação digital”, afirma.
Como exemplo, o advogado David Metzker ressalta que a simples veiculação jornalística de uma entrevista não configura, por si só, descumprimento das medidas cautelares. Ele pondera, no entanto, que a situação muda de figura se trechos forem recortados e difundidos por apoiadores de forma articulada. Nessas hipóteses, diz, a conduta pode ser interpretada como tentativa deliberada de driblar a decisão do Supremo.
É nesse ponto que os especialistas alertam para a ampla margem de interpretação presente na decisão, o que pode levar à configuração de novo descumprimento das medidas cautelares e embasar um eventual pedido de prisão preventiva. “Assim, qualquer publicação, ainda que feita por terceiros, que utilize declarações suas para fins políticos ou de desinformação poderá ter consequências jurídicas severas, inclusive a decretação de prisão preventiva”, completa Crespo.
Para Luiz Esteves, o resultado final da decisão não melhora a segurança jurídica do ex-presidente. “Não acho que essa decisão traga mais clareza sobre o que ele pode ou não fazer”, afirma.
A nova manifestação de Moraes ocorre em meio a críticas de juristas à decisão anterior, que autorizava a prisão de Bolsonaro caso entrevistas concedidas por ele fossem posteriormente divulgadas por terceiros nas redes sociais. A medida reacendeu o debate sobre os limites da liberdade de expressão e levantou questionamentos sobre possível cerceamento da atividade jornalística.