Filipe Martins depõe ao STF e vai insistir em erro da PF sobre viagem aos EUA
BRASÍLIA – O ex-assessor de assuntos internacionais da Presidência Filipe Martins presta depoimento nesta quinta-feira, 24, ao Supremo Tribunal Federal (STF) no encerramento da fase de instrução da ação penal sobre as responsabilidades do Núcleo 2 da trama golpista, que teria atuado para espalhar notícias falsas e atacar instituições e autoridades.
O réu vai usar o seu depoimento para apontar o que considera serem erros da Polícia Federal (PF) na investigação que culminou no seu indiciamento e, antes disso, na sua prisão preventiva a mando do ministro Alexandre de Moraes. O assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi preso em fevereiro de 2024 sob suspeita de fuga para evitar responsabilização penal.
O principal argumento apresentado pela PF e sustentado por Moraes ao determinar a sua prisão foi o fato de seu nome constar na lista de passageiros do voo presidencial que decolou do Brasil com destino a Orlando (EUA) em 30 de dezembro de 2022. Desde a prisão, a defesa sustenta que, apesar de constar na lista de passageiros do voo, Martins não realizou a viagem e permaneceu no Brasil.

A defesa de Martins chegou a apresentar ao STF uma passagem em nome do cliente para Curitiba na mesma data em que ele teria embarcado aos Estados Unidos.
Inicialmente, a PF indicou que não havia registros de saída do ex-assessor no controle migratório. Mas os investigadores depois encontraram um registro da entrada do assessor nos EUA, no dia 30 de dezembro de 2022, com passaporte comum. A avaliação dos agentes foi de que Martins teria entrado no País com esse documento para fugir da Justiça brasileira.
O leitura foi reforçada pelo delegado Fábio Shor na última segunda-feira, 22, em depoimento como testemunha arrolada pela defesa de Martins. O agente federal afirmou que os investigadores localizaram, no banco de dados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, órgão do governo americano, um registro da entrada de Martins no país na mesma data em que Bolsonaro viajou a Orlando.
Segundo o delegado, o número de um dos passaportes de Martins, dado como extraviado pelo ex-assessor em boletim de ocorrência, foi registrado pelas autoridades norte-americanas. Na avaliação de Shor, o ex-assessor pode ter atuado para atrapalhar a investigação. O caso é alvo de inquérito nos Estados Unidos para esclarecer o ocorrido.
Os argumentos da PF, contudo, não encontram respaldo em manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em agosto do ano passado, Paulo Gonet pediu a liberdade provisória de Martins com base em documento da operadora de celular TIM SA que comprovaria a presença do réu no Brasil no fim de 2022, quando Bolsonaro viajou aos EUA.
A ponderação da PGR foi considerada por Moraes ao converter a prisão preventiva de Martins em medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
O ministro, no entanto, argumentou que a prisão do ex-assessor “foi medida razoável, proporcional e adequada para garantia da devida colheita probatória, na busca por delimitar todas as condutas criminosas apontadas pela Polícia Federal e a responsabilidade penal dos diversos núcleos da organização criminosa”.
Esses pontos têm sido explorados pela defesa de Martins para argumentar que a ordem de prisão foi inadequada e que a investigação da PF tem indícios frágeis contra o ex-assessor.
A disputa de versões é inerente à fase de instrução das ações penais, quando acusação, defesa e testemunha contraditam informações a fim de comprovar ou refutar crimes identificados nas investigações.
Caberá a Moraes decidir, após ouvir a PGR, se houve erro da PF no caso Martins e se as informações disponíveis atualmente são suficientes para condená-lo como parte da trama golpista.
Participação de Martins em reuniões com Bolsonaro e alteração na minuta do golpe
Outro ponto que será explorado por Martins em seu depoimento é a acusação da PF e da PGR de que ele teria participado de reuniões com Bolsonaro no Palácio do Alvorada em que teriam sido discutidas modificações na minuta de decreto de estado de Defesa, que serviria como base jurídica para o golpe de Estado contra a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante seu depoimento na segunda-feira, Shor reiterou as informações apontadas no relatório da PF de que que Martins esteve no Palácio da Alvorada em diversas reuniões com o ex-presidente Jair Bolsonaro na reta final de 2022, inclusive no dia 7 de dezembro.
A investigação da PF identificou que no dia 7 de dezembro Bolsonaro teria apresentado aos chefes das Forças Armadas uma minuta com “considerandos” para decretação de Estado de Defesa, que serviria como instrumento para efetivar o golpe de Estado que impediria a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo Shor, Martins participou do encontro e chegou à residência oficial da Presidência às 8h34 da manhã. O delegado esclareceu que o registro de entrada e saída do ex-assessor no Alvorada foi fornecido pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
A defesa de Martins sustentou que as ERBs que comprovariam a ausência de Martins em reuniões com Bolsonaro não foram incluídas nos autos.
Shor respondeu, por sua vez, que Martins deixou o celular em um endereço fixo e se deslocou utilizando outro celular para não ser monitorado. “Felipe Martins, assim como outros integrantes da organização criminosa, utilizou um artifício: a ERB dele ficou presa, enquanto ele se deslocava”, afirmou o delegado.
Advogado se diz intimidado por auxiliar de Moraes e fala em acionar CNJ
A defesa de Martins, constituída pelos advogados Jeffrey Chiquini e Ricardo Scheiffer Fernandes, disse ter se sentido intimidada pelo juiz-auxiliar de Moraes, o magistrado Rafael Tamai, durante a audiência de oitiva das testemunhas na última segunda-feira.
Os advogados afirmam que vão acionar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com uma reclamação contra o juiz por. A dupla alega que Tamai os interrompeu durante o depoimento do delegado Fábio Shor para fazer um comentário que eles consideraram intimidatório.
O episódio descrito pela defesa ocorreu quando Fernandes questionou Shor se ele conhecia Adriano Oliveira Camargo, oficial de ligação da PF nos EUA. O delegado respondeu que não conhecia, mas, conforme a audiência avançou, a defesa insistiu na pergunta. Foi nesse momento que Tamai interrompeu o advogado.
“Doutor Ricardo, deixa eu, então, contextualizar bem, para que não haja qualquer problema em relação a isso. Ele não teve nenhum contato com esse agente da Polícia Federal, Adriano de Oliveira Camargo, relacionado a essa questão da minuta do golpe”, disse Tamai.
Na sequência, Fernandes corrigiu o juiz afirmando que se referia à viagem de Filipe Martins e repetiu que tinha interesse em saber se shor teve contato com Adriano Camargo em algum momento da carreira.
“Em algum momento, porque, eu até explico, porque eu conheço esse agente da Polícia Federal, ele era lotado aqui em Guarulhos. O irmão dele é juiz de direito”, respondeu Tamai, no que foi considerado intimidação pela defesa de Martins ao citar que conhecia o irmão do agente.