27 de julho de 2025
Politica

Informação privilegiada pode dar cinco anos de condenação até para quem não lucrou, diz criminalista

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de abrir uma investigação autônoma sobre operações de câmbio supostamente baseadas em informação privilegiada reacendeu o debate sobre os limites legais do chamado insider trading no Brasil em decorrência do tarifaço imposto ao País pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O alvo da investigação de Moraes são operações próximas e após à decretação do tarifaço que teriam levado a ganhos expressivos no mercado de câmbio. O ministro separou a investigação sobre eventual insider trading do inquérito envolvendo o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que estaria abastecendo o governo Trump para uma ofensiva contra o STF – oito ministros foram sancionados com a suspensão do visto americano.

Insider trading consiste na compra ou venda de títulos com base em informações confidenciais para alcançar vantagem ilícita
Insider trading consiste na compra ou venda de títulos com base em informações confidenciais para alcançar vantagem ilícita

O insider trading consiste na compra ou venda de títulos com base em informações confidenciais para alcançar vantagem ilícita no mercado financeiro.

De acordo com o advogado Sérgio Rosenthal, mestre em Direito Penal pela USP e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, o crime de insider trading ocorre quando informações relevantes e ainda não divulgadas ao mercado – obtidas em razão de cargo ou função – são utilizadas para obtenção de vantagem indevida na negociação de valores mobiliários.

O insider é crime previsto no artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976. A pena é de 1 ano a 5 anos de reclusão, além de multa que pode chegar a três vezes o valor da vantagem obtida.

De acordo com o advogado Sérgio Rosenthal, competência para processar e julgar ações penais sobre o tema é da Justiça Federal
De acordo com o advogado Sérgio Rosenthal, competência para processar e julgar ações penais sobre o tema é da Justiça Federal

Rosenthal destaca que a competência para processar e julgar ações penais sobre o tema é da Justiça Federal, ‘por envolver a atuação de órgãos federais de fiscalização e a proteção da ordem econômica’.

O criminalista chama atenção para o que considera uma importante distinção jurídica. “No caso de contratos futuros de moeda estrangeira, que são considerados valores mobiliários, não há dúvida quanto à caracterização do crime. Mas nas operações no mercado de câmbio à vista, mesmo que a conduta seja reprovável, não se enquadra no tipo penal do insider trading.”

Para o advogado Dinovan Dumas, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, a configuração do crime exige a comprovação de três situações: o acesso à informação relevante e não pública, o uso dessa informação em benefício próprio ou de terceiros e a intenção (dolo específico) de obter vantagem indevida.

“A acusação precisa demonstrar com clareza a materialidade e a autoria. O dolo não pode ser presumido”, afirma.

Dumas explica que tanto quem opera diretamente quanto quem repassa a informação pode ser responsabilizado criminalmente, mesmo que não tenha lucrado com a operação. “O mero repasse doloso já configura crime”, diz.

Ele também aponta os principais tipos de provas usadas em investigações dessa natureza: documentos, registros de operações, comunicações internas e, especialmente, provas periciais que ‘correlacionem o momento do acesso à informação com a efetivação da transação’.

Para Dumas, a decisão de Moraes de separar a investigação do inquérito envolvendo o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro do eventual insider trading tem ‘respaldo jurídico’.

'A acusação precisa demonstrar com clareza a materialidade e a autoria. O dolo não pode ser presumido', diz o advogado Dinovan Dumas
‘A acusação precisa demonstrar com clareza a materialidade e a autoria. O dolo não pode ser presumido’, diz o advogado Dinovan Dumas

“Quando há investigados com e sem foro privilegiado, o desmembramento evita contaminação probatória e garante maior racionalidade procedimental. É uma prática que assegura eficiência e reduz riscos de nulidades”, avalia.

As consequências jurídicas de casos assim vão além da esfera criminal. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode impor sanções administrativas, como multas e inabilitações, enquanto a esfera cível permite a responsabilização por danos ao mercado ou a terceiros, independentemente do andamento penal.

Ambos os especialistas apontam ainda a complexidade das investigações e os desafios enfrentados pelo Ministério Público. “A obtenção de provas diretas do dolo e o domínio técnico sobre mercados financeiros são grandes obstáculos”, observa Dumas.

Os dois advogados observam que temas sensíveis, como relações diplomáticas e decisões econômicas internacionais, podem tornar o caso ainda mais delicado.

“Há risco de pressão política e de restrições no acesso a documentos, sobretudo se envolver inteligência estrangeira”, aponta Dumas. “O Judiciário precisa agir com absoluta prudência.”

 

 

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