Informação privilegiada pode dar cinco anos de condenação até para quem não lucrou, diz criminalista
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de abrir uma investigação autônoma sobre operações de câmbio supostamente baseadas em informação privilegiada reacendeu o debate sobre os limites legais do chamado insider trading no Brasil em decorrência do tarifaço imposto ao País pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O alvo da investigação de Moraes são operações próximas e após à decretação do tarifaço que teriam levado a ganhos expressivos no mercado de câmbio. O ministro separou a investigação sobre eventual insider trading do inquérito envolvendo o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, que estaria abastecendo o governo Trump para uma ofensiva contra o STF – oito ministros foram sancionados com a suspensão do visto americano.

O insider trading consiste na compra ou venda de títulos com base em informações confidenciais para alcançar vantagem ilícita no mercado financeiro.
De acordo com o advogado Sérgio Rosenthal, mestre em Direito Penal pela USP e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, o crime de insider trading ocorre quando informações relevantes e ainda não divulgadas ao mercado – obtidas em razão de cargo ou função – são utilizadas para obtenção de vantagem indevida na negociação de valores mobiliários.
O insider é crime previsto no artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976. A pena é de 1 ano a 5 anos de reclusão, além de multa que pode chegar a três vezes o valor da vantagem obtida.

Rosenthal destaca que a competência para processar e julgar ações penais sobre o tema é da Justiça Federal, ‘por envolver a atuação de órgãos federais de fiscalização e a proteção da ordem econômica’.
O criminalista chama atenção para o que considera uma importante distinção jurídica. “No caso de contratos futuros de moeda estrangeira, que são considerados valores mobiliários, não há dúvida quanto à caracterização do crime. Mas nas operações no mercado de câmbio à vista, mesmo que a conduta seja reprovável, não se enquadra no tipo penal do insider trading.”
Para o advogado Dinovan Dumas, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, a configuração do crime exige a comprovação de três situações: o acesso à informação relevante e não pública, o uso dessa informação em benefício próprio ou de terceiros e a intenção (dolo específico) de obter vantagem indevida.
“A acusação precisa demonstrar com clareza a materialidade e a autoria. O dolo não pode ser presumido”, afirma.
Dumas explica que tanto quem opera diretamente quanto quem repassa a informação pode ser responsabilizado criminalmente, mesmo que não tenha lucrado com a operação. “O mero repasse doloso já configura crime”, diz.
Ele também aponta os principais tipos de provas usadas em investigações dessa natureza: documentos, registros de operações, comunicações internas e, especialmente, provas periciais que ‘correlacionem o momento do acesso à informação com a efetivação da transação’.
Para Dumas, a decisão de Moraes de separar a investigação do inquérito envolvendo o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro do eventual insider trading tem ‘respaldo jurídico’.

“Quando há investigados com e sem foro privilegiado, o desmembramento evita contaminação probatória e garante maior racionalidade procedimental. É uma prática que assegura eficiência e reduz riscos de nulidades”, avalia.
As consequências jurídicas de casos assim vão além da esfera criminal. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode impor sanções administrativas, como multas e inabilitações, enquanto a esfera cível permite a responsabilização por danos ao mercado ou a terceiros, independentemente do andamento penal.
Ambos os especialistas apontam ainda a complexidade das investigações e os desafios enfrentados pelo Ministério Público. “A obtenção de provas diretas do dolo e o domínio técnico sobre mercados financeiros são grandes obstáculos”, observa Dumas.
Os dois advogados observam que temas sensíveis, como relações diplomáticas e decisões econômicas internacionais, podem tornar o caso ainda mais delicado.
“Há risco de pressão política e de restrições no acesso a documentos, sobretudo se envolver inteligência estrangeira”, aponta Dumas. “O Judiciário precisa agir com absoluta prudência.”