Seu melhor legado: um bosque
Pessoas há que acumulam bens durante toda a vida e, quando morrem, deixam problemas para os descendentes. As famílias nem sempre são aquele ninho de amor e de harmonia com que o conceito é dulcificado em teoria e delineado na poesia. Elas vão se transformando com a chegada de elementos provindos de outras culturas e histórias. O direito sucessório tem milhões de casos emblemáticos em que herdeiros se digladiam, perdem amizade, compostura e até a própria saúde e aquela fortuna vai ser dilapidada. Quem mais leva proveito com a encrenca é o advogado…
Por isso, a melhor coisa que alguém pode fazer em vida é contribuir para que a vida possa prosseguir neste planeta que é o único disponível, o único a aceitar como inquilino esta racinha irracional e egoísta que é a humana.
Veja-se a beleza da vida de Sebastião Salgado, recentemente falecido. Ele restaurou uma região completamente estéril, que fora alvo de extermínio de parte dos seres egoístas que se especializaram em fabricar desertos. Em São Paulo, a “selva de pedra”, cidade que se impermeabilizou e que serve mais ao automóvel do que às pessoas, o advogado Jayme Vita Roso formou uma beleza de área florestal no extremo sul da pauliceia, exatamente a região que hoje é alvo da devastação orquestrada e que põe em risco o abastecimento de água para os quase treze milhões de paulistanos.
“Seu” Hélio Silva, sozinho, foi refazendo a mata ciliar de um córrego na Zona Leste paulistana. Formou um corredor verde com quarenta mil árvores, que virou notícia internacional. E prossegue na faina verdadeiramente evangélica, para chegar às cinquenta mil novas espécies.
Outro exemplo edificante, recentemente noticiado, é o de Maria Cristina Garcez, que depois de elaborar projetos sustentáveis na França e na China, quis fazer algo benéfico para a sua pátria, o Brasil. Descobriu uma área degradada em Bananal e resolveu reflorestá-la com espécies nativas da Mata Atlântica. Seu objetivo é atrair o lobo-guará, o único lobo brasileiro ameaçado de extinção. Embora seja lobo e a nossa consciência está repleta das estórias de “lobo mau”, esse exemplar da fauna tupiniquim só se alimenta de uma fruta, produzida pela lobeira (Solanum lycocarpum é o nome científico).
Nos tempos em que o Brasil era a promissora potência verde, a esperança de preservação do maior patrimônio pátrio, a exuberante biodiversidade aqui generosamente ofertada pela Providência, a ciência jurídica ofertou inúmeros instrumentos de preservação. Um deles é a RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural, unidade de conservação de domínio privado, iniciativa do proprietário interessado em preservar o ambiente, a biodiversidade que tem flora e fauna incríveis.
É importante que os proprietários de imóveis tenham em vista a verdade inafastável: ninguém leva consigo, quando deixar esta peregrinação, aquilo que amealhou. O solo pátrio está sendo a cada dia mais degradado. Para o Brasil, a principal causa do aquecimento global é, exatamente, o desmatamento. A voracidade do ogronegócio, aquele que se distingue do agronegócio, faz derrubar sem piedade florestas que a natureza levou milhares de anos para formar. Faz ali um plantio e exaure a terra, depois destinada a ser pasto. E o próximo passo é o deserto.
Quem tiver juízo ainda pode fazer com que, em vez de deixar herança para acabar com a família, deixe um legado. Sob a forma de uma floresta, que vai garantir redução da temperatura – temos tido os anos mais quentes da História e tudo indica que 2025 não será diferente – abrigo para a fauna, garantia da biodiversidade e de chuva. A escassez hídrica está no horizonte próximo de toda a humanidade.
Em todos os municípios brasileiros faltam árvores. Sabemos matá-las com motosserra, com correntes movidas por tratores. Não sabemos “fazer” uma árvore. Só podemos plantar. E devemos plantar. É urgente devolver à natureza aquilo que dela extraímos, como se fora um supermercado gratuito, do qual tudo se extrai, nada se repõe. Seja um ser consciente. Amigo da natureza, não seu algoz.
Seja um herói e ajude a reflorestar o último remanescente de mata nativa nas proximidades da maior cidade da América Latina. Deixe um bosque de legado, não encrenca para os filhos.