Lei Magnitsky contra brasileiros pode gerar um conflito global
Nenhum gesto na geopolítica internacional é neutro. Toda ação provoca uma reação e, ao aventar a possibilidade de aplicar a Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras, a Casa Branca ameaça atravessar uma linha que poderá forçar a redefinição do equilíbrio entre as democracias aliadas. A medida ainda não foi oficializada e Trump não se pronunciou diretamente sobre o assunto. Mas a hipótese já circula nos bastidores, e sua eventual adoção colocará aliados históricos dos Estados Unidos diante de um dilema inédito.
A Lei Magnitsky autoriza Washington a congelar bens, bloquear transações financeiras e proibir o ingresso de estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Mas, quando usada contra autoridades de um país democrático por motivação ideológica, sem investigação internacional nem consenso multilateral, a sanção se torna um gesto de imposição política. Algo que, aplicado de forma unilateral, exigirá alinhamento ou rejeição de outras nações.

Se os principais aliados, como a União Europeia, o Reino Unido, o Japão e o Canadá, aderirem, estarão endossando uma interferência política grave. Mas, se recusarem o gesto, poderão ser alvo de retaliações, com sanções secundárias, entraves financeiros e barreiras comerciais, já que grande parte do sistema financeiro global ainda depende das estruturas reguladas pelos norte-americanos.
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É essa armadilha que pode transformar a aplicação da Lei Magnitsky contra o Brasil em um ponto de ruptura. A Casa Branca, ao pressionar por alinhamento, desestabilizará o próprio campo de influência, com altos custos para os Estados Unidos, uma vez que a medida ampliaria a desconfiança internacional sobre o uso político de mecanismos legais e financeiros.
Também poderia acelerar a fragmentação do sistema de pagamentos globais, fomentar o uso de moedas alternativas ao dólar e impulsionar esforços por parte de países do G20 e dos BRICS para criar novas instâncias multilaterais fora da órbita americana.
Mais do que uma medida de sanção, a aplicação da Lei Magnitsky contra autoridades brasileiras revelaria algo mais profundo, que seria a mudança dos Estados Unidos de árbitro do sistema internacional para agente de disrupção.
Seria ainda um sinal muito concreto de que a lógica institucional que os norte-americanos ajudaram a consolidar ao longo do século XX já não serve mais aos interesses imediatos de sua própria liderança política. E, se nem os Estados Unidos estiverem dispostos a respeitar as práticas diplomáticas que criaram, o que restará ao mundo senão reescrevê-las por outros caminhos?