Governador do MA beneficia fazenda da família com estrada custeada com empréstimo do BB; veja vídeo
BRASÍLIA – O governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), vai beneficiar diretamente fazendas dele e da família com a maior obra de pavimentação realizada na sua gestão à frente do Estado. A nova rodovia, orçada em R$ 280 milhões, melhora o acesso a propriedades rurais dos Brandão e foi licitada pouco depois de a família decidir ampliar a produção em terras que possui às margens da estrada, como indica o cruzamento de imagens de satélite com relatórios de financiamentos liberados no âmbito do Plano Safra. O grupo também providenciou uma pista de pouso privada na fazenda às vésperas da licitação.
Anunciada em abril do ano passado como a maior obra de pavimentação em curso no Maranhão, a rodovia MA-372 é financiada com crédito liberado ao Estado pelo Banco do Brasil. Para efeito comparativo, o custo corresponde a 75% de todo o orçamento disponível ao governo maranhense para investimentos em 2025.
Aos poucos, os 86 quilômetros de terra batida têm dado lugar a uma pista asfaltada no sertão maranhense. A previsão é entregar um dos trechos pavimentados ainda este ano. A obra é paga por meio de financiamento do Banco do Brasil, solicitado em março de 2024, com garantia oferecida pela União.
A nova estrada, que liga os municípios de São Domingos do Azeitão e Mirador, dá acesso a algumas fazendas de soja e de arroz da região, entre elas as do chamado “Grupo Brandão”. A família do governador trabalha para formar o principal conglomerado da localidade, após adquirir pelo menos 7,6 mil hectares – o equivalente a 10,6 mil campos de futebol. Até então, lavouras dos Brandão estavam concentradas em outra cidade, Colinas, berço político do governador.
Em nota, o governador admitiu que a pavimentação da MA-372 o beneficia, mas ressaltou que a estrada também vai atender a outros produtores. Disse ainda que a rodovia diminui em 75 quilômetros a distância entre o Matopiba (regiões interligadas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e o Porto do Itaqui, em São Luís, e elimina do trajeto nove ladeiras que encarecem o transporte de grãos (leia mais abaixo).

Sucessor do ex-governador Flávio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Brandão é um grande produtor rural há décadas. O domínio da família sobre terras data dos anos 1940, quando o governador sequer era nascido, mas se concentrava em Colinas.
Foi na década de 1990, já na atual geração de empresários da família, que ele e os irmãos começaram a adquirir propriedades rurais em Mirador, onde só recentemente o grupo passou a priorizar a produção.
Ainda em janeiro de 2016, como governador em exercício, Carlos Brandão baixou decreto para transformar uma vicinal na MA-372. Mas só a partir dos idos de 2020, na reta final do segundo mandato de vice e prestes a enfrentar uma eleição tranquila para chefiar o Palácio dos Leões, Brandão começou a expandir em Mirador.
A família triplicou o tamanho das terras na cidade com uma estratégia de aquisição de lotes vizinhos com pagamentos feitos em contratos futuros de grãos. Essas operações dão a quem vendeu os terrenos o direito a uma parte da produção do Grupo Brandão no futuro. Na prática, os antigos donos serão remunerados com uma fatia do que os negócios do governador vão gerar impulsionados por investimentos públicos.
“Teve terras mais recentes que nós fomos adquirindo e as outras são pequenas áreas de 100 hectares, 200 hectares. A gente vai pagando (as novas), trocando, pagando em soja. Teve uma que eu comprei do vizinho e paguei em soja”, explica José Henrique Brandão, irmão do governador e sócio do empreendimento.
Nos dois anos que precederam a licitação da estrada, lançada em novembro de 2023, a família passou a investir pesado, administrativa e financeiramente, na expansão dos negócios nas terras localizadas entre Mirador e Azeitão.
Até 2020, o principal CNPJ da família Brandão era o de microempresa, condição só alterada em 2022. Em paralelo, cerca de 2 mil hectares de terras passaram para mais de 7,5 mil hectares, no período. Ao Estadão, a assessoria do governador confirmou o direcionamento dos negócios para a região (leia mais abaixo).
No mesmo intervalo, há uma série de coincidências entre os novos negócios da família e a maior pavimentação em andamento no Estado.
A reportagem identificou a evolução das lavouras a partir da análise de imagens de satélite. As primeiras intervenções surgiram em maio de 2020, mas o perímetro que receberia instalações como silos e galpões só foi delimitado em meados de 2021. As grandes lavouras aparecem em 2022 e 2023. E a última estrutura metálica da área de produção na fazenda foi erguida em 2024.

A expansão das plantações casa com o ritmo de créditos rurais abertos aos Brandão para operar as fazendas do trecho entre Mirador e Azeitão. Entre 2021 e 2024, foram pelo menos R$ 58 milhões em financiamentos, principalmente junto ao Banco do Nordeste. A maior parte dos créditos foi obtida em 2023, mesmo ano da licitação. Os primeiros empréstimos serviram para atividades como correção de solo e abertura de glebas. Em seguida, para custear o cultivo da soja e a compra de maquinário nacional e importado.
Além disso, a família pediu, em abril de 2023, autorização para construir uma pista de pouso dentro das propriedades. O pleito ganhou o aval da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e foi encerrado em agosto. Três meses depois, a licitação da MA-372 foi lançada pelo governo do Maranhão.

Na papelada oficial entregue ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), outra coincidência com as datas e prazos da MA-372. A propriedade dos Brandão é composta por uma sequência de lotes que foram registrados com datas entre janeiro de 2020 e junho de 2023.
No papel, o dono da maioria delas é Jesus Boabaid, principal tomador dos empréstimos e sobrinho do governador. Mas demonstrações cadastrais da Junta Comercial do Maranhão apontam que as fazendas foram integralizadas no capital social da Colinas Agropecuária Indústria e Comércio Ltda., a Coagri, uma firma administrada por Marcus Brandão, irmão mais novo do governador, e controlada por três holdings famíliares.
Cada uma pertence a um irmão e seus respectivos filhos. O governador Carlos é dono da Olea Holding; Marcus, da MBBrandão Holding e José Henrique, da JHBB Holding. Juntos, respondem pela operação de cerca de 22 mil hectares de terras, se contabilizadas também as fazendas em Colinas.
Entre os sócios também está Daniel Itapary Brandão, filho de José Henrique e conselheiro do Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA) desde fevereiro de 2023. A escolha dele para o cargo vitalício no órgão que tem entre suas funções avaliar as contas do governo foi cercada de polêmicas e chegou a ser barrada pela Justiça.
Para constatar a relação da rodovia com a evolução das fazendas do político, o Estadão se baseou nas coordenadas geográficas publicadas no decreto que desapropriou as margens da estrada para a obra e nas áreas dos imóveis informadas pelos proprietários no Cadastro Ambiental Rural (CAR) de cada imóvel. A estrada passa ao lado das terras dos Brandão e toca os limites delas por um trecho de aproximadamente dois quilômetros. Neste perímetro, uma placa indica a distância de sete quilômetros até a sede da fazenda dos Brandão.

O governador Carlos Brandão afirma que a obra é uma demanda de cinco décadas da região. Na cerimônia de anúncio do início dos trabalhos, em abril de 2024, ele disse que o projeto beneficiará agricultores da região. “Todos os municípios produtores de grãos vão economizar cerca de 130 quilômetros para chegar ao Porto do Itaqui, isso vai alavancar o desenvolvimento da região como um todo”, disse durante agenda em Mirador.
Segundo o governo, a obra será paga com recursos de financiamento obtidos junto ao Banco do Brasil. À reportagem, a instituição financeira informou que liberou ao Maranhão R$ 1,9 bilhão a serem usados em programas de infraestrutura.
O empréstimo foi contratado em dezembro de 2024 após ser autorizado por uma lei aprovada na Assembleia do Maranhão em março do mesmo ano. O banco disse, porém, que a data do pedido de crédito e as condições de pagamento são guardadas por sigilo.
Procurado para comentar o fato de a estrada beneficiar negócios próprios, o governador, por meio da assessoria de imprensa, confirmou que ele é contemplado pela obra, mas não o único. “Ela não passa, apenas, por propriedade da família Brandão”, destacou. “Além de diminuir a distância do Matopiba, passa por outras propriedades igualmente produtoras.”
Veterinário por formação, o governador Carlos Brandão foi deputado federal por dois mandatos, até 2014, quando foi eleito vice de Flávio Dino. Ele é um dos principais aliados do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para fazer frente a adversários bolsonaristas no Nordeste.
“O governo do Estado repudia que uma obra de tamanha importância para a economia do estado e das regiões Norte e Nordeste esteja sendo oferecida de forma deturpada e com conotação política, com o intuito de ludibriar a opinião publica sobre esta e outras melhorias significativas por quais o Maranhão passa, fruto de um trabalho sério, comprometido e de grandes resultados, que é a marca da gestão Carlos Brandão”, disse em nota.
O Estadão ofereceu a todos os citados a possibilidade de se manifestar. José Henrique Brandão explicou que, pelo regimento interno da Coagri, ele é o porta-voz da empresa e, por isso, foi o único a falar à reportagem. Ele rechaçou as associações entre o poder político da família e o sucesso dos negócios.
“A nossa história é uma história de sucesso, de muito trabalho, de muito esforço. Eu estava olhando agora recentemente essa situação pela qual está passando o País, empresas pedindo recuperação judicial. A gente está sobrevivendo há 44 anos com o mesmo CNPJ. Não temos um problema de ordem bancária, não temos um problema de ordem judiciária”, declarou. Ele negou que a MA-372 tenha como finalidade beneficiar as terras da Coagri.