6 de agosto de 2025
Politica

Advocacia predatória e inteligência processual: o combate articulado à exploração da Justiça

A criação de um sistema nacional de monitoramento da litigância abusiva, anunciada recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), evidencia um problema crescente e estrutural: o uso fraudulento e corrente da máquina judiciária para finalidades espúrias.

Sob o nome de advocacia predatória, agrupam-se práticas que deturpam o direito de ação, com a adoção de mecanismos de peticionamento em série, uso de procurações genéricas, documentos reciclados e autores alheios ao próprio litígio. Tem-se observado a consolidação de verdadeiras estruturas organizadas para o ingresso em massa de ações por operadores jurídicos, inclusive com a utilização de robôs.

A operação “Malus Doctor”, deflagrada no Rio Grande do Sul, escancarou essa realidade ao revelar mais de 145 mil ações propostas com vícios severos, em que o objetivo não era sequer a obtenção de sentença favorável e eventuais honorários sucumbenciais, mas induzir vítimas a fornecer dados pessoais e realizar empréstimos em seus nomes sem o devido consentimento.

Os efeitos para o Poder Judiciário são profundos e disseminados: além do custo alarmante, dados estatísticos são distorcidos, varas são sobrecarregadas, compromete-se a coerência decisória. Mas os impactos vão além. Os mais atingidos são justamente as vítimas diretas, pessoas hipossuficientes cujos nomes são usados e que assumem prejuízo financeiro, na prática, irreversível.

De outro lado, empresas de setores essenciais, como instituições financeiras e operadoras de saúde, enfrentam uma avalanche de litígios fabricados, com impactos econômicos e operacionais significativos. Estima-se, por exemplo, que apenas no setor de saúde os prejuízos ultrapassam R$ 10,7 bilhões.

O CNJ tem buscado reagir com firmeza. A Recomendação 159/2024, ao aprofundar as antigas Resoluções 349/2020 e 127/2022, delineou parâmetros objetivos para identificação da advocacia predatória, sugerindo medidas como triagens, filtros documentais e integração com outras instituições. O texto também destaca condutas típicas desse tipo de atuação e recomenda a atuação do Numopede (Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas), estrutura voltada à detecção de padrões abusivos de judicialização.

O julgamento do Tema 1.198 pelo Superior Tribunal de Justiça, que discute os parâmetros do poder cautelar dos magistrados diante de padrões abusivos de judicialização, também demonstra a preocupação com o tema. O desafio agora é fazer com que as diretrizes já traçadas, somadas à implementação de novas tecnologias, se traduzam em aplicação concreta e uniforme em todo o país.

Nesse contexto, a proposta do novo sistema nacional de monitoramento é mais um avanço. A expectativa é que, ao permitir o cruzamento automatizado de informações processuais, o sistema identifique padrões de comportamento atípico, fluxos concentrados de peticionamento e indícios de demanda artificial.

A atuação coordenada e orientada por dados deve ser a principal aposta institucional para romper com o ciclo de reiteração da prática, cujo enfrentamento exige articulação institucional, investimento em inteligência processual e orientação sobre os limites do uso estratégico da jurisdição.

Não basta, porém, o esforço de uma só frente. A advocacia também tem papel determinante: é dever da classe não apenas evitar práticas abusivas, mas atuar ativamente na preservação do sistema que dá legitimidade à sua atuação. Condutas predatórias por aproveitadores, por mais que travestidas de estratégia, não podem ser normalizadas — tampouco ignoradas.

 

 

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