6 de agosto de 2025
Politica

Guzzo tinha coragem para dizer o que incomodava os poderosos

O jornalista José Roberto Guzzo, que se foi neste sábado, 2, aos 82 anos, era um gigante do jornalismo – e isso não é apenas figura de linguagem para enaltecer sua trajetória no momento do adeus. Dono de um texto primoroso, marcado por fina ironia, Guzzo jogava luz em meio à escuridão, com sua capacidade invejável de falar com simplicidade sobre acontecimentos complexos, a sua independência de julgamento e a sua coragem para dizer o que incomodava os poderosos.

Ele costumava dizer que um jornalista, para ser um bom profissional, tem de buscar “clareza máxima” em seus textos ou falas, para que o leitor não tenha de ler a mesma linha duas vezes. Por sua habilidade de transformar um texto enfadonho em algo agradável de ler apenas com retoques pontuais, ganhou o apelido de “mão peluda” na Redação.

“Um jornalista tem de dedicar todo o seu esforço para produzir matérias que o leitor comece a ler, tenha vontade de continuar lendo e só para quando chegar ao fim”, afirmava. “Se não conseguir interessar o público naquilo que escreve, fala ou mostra, o jornalista fracassou. A única medida de seu sucesso é o julgamento que o leitor faz dele.”

José Roberto Guzzo se tornou colunista de Política do 'Estado' em 2019
José Roberto Guzzo se tornou colunista de Política do ‘Estado’ em 2019

“Um jornalista tem de dedicar todo o seu esforço para produzir matérias que o leitor comece a ler, tenha vontade de continuar lendo e só para quando chegar ao fim”, afirmava. “Se não conseguir interessar o público naquilo que escreve, fala ou mostra, o jornalista fracassou. A única medida de seu sucesso é o julgamento que o leitor faz dele.”

Grandes conquistas

Sua atuação profissional, iniciada em 1961 como repórter do jornal Última Hora de São Paulo, confunde-se com a história do jornalismo brasileiro nas últimas décadas. Entre suas maiores conquistas, destaca-se a transformação da Veja — então um projeto em dificuldades financeiras da Editora Abril — na maior e mais respeitada revista do Brasil e na quarta maior do mundo, atrás apenas das americanas Time e Newsweek e da alemã Der Spiegel. Sob seu comando, a circulação paga chegou ao auge de 1,2 milhão de exemplares por semana.

No fim da década de 1980, acumulou a direção editorial da Veja com a da revista Exame, também publicada pela Abril, onde trabalhou a maior parte de sua carreira, e posteriormente tornou-se publisher da revista, com o objetivo de realizar uma profunda mudança editorial e de torná-la financeiramente sustentável – uma missão que, mais uma vez, ele conseguiu cumprir com folga e brilhantismo.

Depois, no início dos anos 2000, em meio ao processo de reestruturação implementado pela empresa na época, deixou a Exame para assumir um assento no conselho editorial e passou a escrever uma coluna na revista e também na Veja.

“O que vende revista é revista boa, com boas matérias”, dizia Guzzo, sem jamais levantar a voz, com a objetividade e a naturalidade que marcavam os seus comentários. Quando os jornalistas se reuniam para discutir as pautas da próxima edição da Exame e ficavam discutindo em que editoria a matéria A ou B deveria ser publicada, ele interrompia a conversa e afirmava: “Pessoal, a ‘chapelaria’ não importa. O que interessa é que a matéria esteja na revista”, em referência ao “chapéu”, que é aquela palavra ou expressão que costuma ir no alto de cada texto, para identificar a área em que ele está publicado e o conteúdo a que se refere.

Última coluna

A partir de 2019, Guzzo passou a brindar os leitores do Estadão e de outras publicações com suas colunas imperdíveis, que sempre ofereciam uma nova perspectiva para a melhor compreensão dos acontecimentos e se chocavam com frequência com a narrativa predominante nos temas que ele abordava. Enviou sua última coluna ao jornal, intitulada O governo brasileiro decidiu que Moraes está acima das obrigações humanas, como arcanjos e profetas, um dia antes de sua morte, na sexta-feira, 1.

Há cinco anos, para surpresa de muitos dos que acompanharam a sua trajetória e que o davam como “aposentado”, decidiu se lançar numa nova empreitada, ao criar a revista digital Oeste, em parceria com Jairo Leal, ex-presidente da Abril e seu companheiro de longa data em sua passagem pela empresa. Em seguida, o jornalista Augusto Nunes, que foi secretário de Redação da Veja na época do Guzzo e diretor de algumas das principais publicações do País, entre elas o Estadão, também se juntou à dupla.

Grande mestre

Mais do que o vazio que sua morte deixa no jornalismo brasileiro, sua partida representa uma grande perda pessoal. Ele foi, para mim, muito mais do que um mestre desde os tempos da Exame — alguém a quem eu recorria em busca de orientação e força nas inevitáveis adversidades do caminho. Foi também um grande amigo, com quem construí laços fortes e mantive contato até o fim de sua vida.

Ricardo Fisher, Victor Civita e José Roberto Guzzo em 1982, no auge do prestígio da Veja e da Abril
Ricardo Fisher, Victor Civita e José Roberto Guzzo em 1982, no auge do prestígio da Veja e da Abril

Ainda nas últimas semanas, troquei com ele algumas mensagens sobre o meu futuro profissional. E soube, por meio dessas conversas virtuais, que ele estava trabalhando em home office, por questões de saúde. Guzzo não gostava de falar muito sobre isso, mas sei que, embora ainda estivesse dirigindo até pouco tempo atrás, estava com um problema sério de diabete que havia afetado a sua mobilidade, obrigando-o a andar devagar e a usar uma bengala para ampará-lo.

De algum tempo para cá, tive também o privilégio de participar das “charutadas” que ele promovia a cada dois ou três meses no Esch. Embora tivesse deixado de lado o cigarro e o uísque — que costumava apreciar à noite, após o trabalho — por causa dos problemas de saúde, Guzzo ainda se permitia, de vez em quando, fumar um (ou dois) charutos acompanhados de café, sempre em meio a conversas impagáveis sobre os rumos do jornalismo, do Brasil e do mundo.

 

 

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