Gestos do governo Lula provocaram EUA e geraram tarifaço de Trump, diz Skaf
O empresário Paulo Skaf foi eleito nesta segunda-feira, 4, para presidir a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a partir de janeiro de 2026. Disputou em chapa única e venceu com 99 sim e um branco. Em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão, ele atribui ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atitudes que fizeram o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tarifar os produtos do Brasil em 50%. A nova alíquota começa a valer na quarta-feira, dia 6.
“Na minha opinião, o governo brasileiro, neste momento, fez certas opções que não foram convenientes ao Brasil”, afirma à Coluna do Estadão.
Skaf lista, entre outros pontos, a reunião dos Brics no fim de junho e o discurso de desdolarização de Lula. Também critica a permissão para que navios do Irã atraquem no Porto do Rio de Janeiro e a ida do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, à posse do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian. Lembra, ainda, da ida de Lula às comemorações do Dia da Vitória, em Moscou.
“Ou seja, todos esses gestos, todas essas ações, elas provocam o nosso principal cliente de manufaturas, que são os Estados Unidos. Eu não entendo que seja uma boa política, nós provocamos, nós não estarmos bem com os Estados Unidos, por várias razões”, afirma.
Para ele, a saída do tarifaço é um reforço na diplomacia brasileira. Ele mostra ceticismo com o plano de socorro prometido pelo governo Lula às empresas afetadas pelo tarifaço. “O melhor socorro é o governo brasileiro ter uma atitude, ter gestos que realmente possam fazer com que os Estados Unidos recuem dessa decisão. Permanecendo essa decisão, o esforço empresarial está tendo e vai ter”, diz. “Eu espero que o presidente Lula tenha sucesso no contato com o presidente Trump, eu espero que os nossos governos se entendam. A nossa diplomacia se entenda”, acrescenta.
Nesta entrevista, Paulo Skaf evita entrar na discussão sobre o avanço dos Estados Unidos sobre a soberania brasileira. Indagado sobre as críticas do empresariado à postura inicial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em apoio a Trump, afirmou não ter vista o governador defender o tarifaço. O presidente eleito da Fiesp também evitou avaliar se o atual presidente da federação, Josué Gomes, erra ou demora por não colocar a instituição diretamente nas tratativas com representantes dos Estados Unidos para evitar a super taxação, a partir desta quarta-feira, 6.
O futuro presidente da Fiesp toma posse em 1º de janeiro de 2026. Até lá diz que estará à disposição da instituição para ajudar a intermediar conversas do empresariado com os Estados Unidos. E, a partir do ano que vem, pretende estabelecer um Conselho global na Fiesp para tratar das relações com outros países.
“Essa diplomacia empresarial vai significar um trabalho permanente de empresas, no caso dos Estados Unidos, que eu pretendo fazer isso com outros mercados também, mas prioritariamente com os Estados Unidos”, afirma.
Skaf já escolheu o embaixador Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio que está auxiliando o setor privado brasileiro na questão do tarifaço.
“Nós vamos ter um conselho que tenha uma visão global e faça com que a Fiesp pratique a diplomacia empresarial e ajude a não ter situações em que os setores produtivos possam ser afetados devido a questões que não tem nada a ver com a vida das empresas, do emprego, das relações dos países”, diz.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista

O sr. é eleito num momento que o Brasil às vésperas de o Brasil enfrentar o tarifaço do governo Trump. Qual deve ser o papel da Fiesp neste momento, e de que forma o sr. pretende se envolver nessa discussão?
Nós temos uma certa urgência para essas providências do tarifaço. Então, eu espero, e vou fazer tudo como presidente eleito para que a Fiesp se envolva e ajude as empresas de todas as formas. Apoiando a diplomacia oficial, apoiando todos aqueles que estiverem envolvidos num tema para tirar essa alta tarifa de 50%, que acabaram ficando em cima de 56% dos produtos que são exportados para os Estados Unidos.
A grande preocupação é que grande parte desses que estão taxados em 50% são setores com predominância de pequenas e médias empresas, que têm mais dificuldade deles próprios se resolverem com seus parceiros americanos e tal.
44% de setores importantes, graças a Deus, conseguiram resolver, graças ao trabalho deles, junto com as empresas americanas, setores que haviam prioridade nos Estados Unidos. O problema diminuiu, mas não ficou resolvido, pelo contrário. Temos aí um desafio muito grande e tudo que puder ser feito para ajudar a solucionar, nós vamos de estar à disposição.
O Sr. pretende bater à porta do governo americano para tentar negociar, a exemplo do que fizeram alguns empresários, um dos exemplos foi o caso da Embraer?
Embora o meu mandato inicie a partir de 1º de janeiro, eu vou estar à disposição dos setores produtivos, no momento que for possível que eu tenha um papel e ajude a solucionar esse problema ou até encontrarmos os caminhos alternativos, eu vou estar à inteira disposição. Mas, para o ano que vem, eu pretendo fazer um trabalho de forma permanente que vou chamar de diplomacia empresarial. Nós não podemos esperar as situações já críticas para correr atrás dos nossos parceiros e correr atrás dos governos, como está acontecendo agora. Nós temos que nos isolar das tempestades políticas. A economia, os negócios não combinam com brigas e confusões. Negócios combinam com serenidade, com tranquilidade.
Essa diplomacia empresarial vai significar um trabalho permanente de empresas, no caso dos Estados Unidos, que eu pretendo fazer isso com outros mercados também, mas prioritariamente com os Estados Unido. Empresas brasileiras, empresas americanas, a Fiesp ajudar esse entrosamento, identificando mercados, dificuldades recíprocas, ajudando nos contatos com os dois governos. De forma que, de maneira permanente, a gente possa ter essa blindagem dos negócios. De forma que tanto para as empresas brasileiras como para as empresas americanas serem de um bom resultado e aumentar compras, vendas, investimentos, enfim..
E, nesse sentido, um dos nossos conselhos, que é o Conselho de Relações Internacionais, eu farei esse conselho global e o presidente desse será o embaixador Roberto Azevedo, que foi ex-presidente da OMC.
O embaixador mora em Nova York. E compondo esse conselho com as melhores cabeças,no Brasil, em São Paulo, em outros estados ou em outros países, nós vamos ter um conselho que tenha uma visão global e faça com que a Fiesp pratique a diplomacia empresarial e ajude a não ter situações onde os setores produtivos possam ser afetados devido a questões que não tem nada a ver com a vida das empresas, do emprego, das relações dos países.
A Fiesp erra ou demora em procurar diretamente os Estados Unidos neste momento?
Neste momento eu não quero falar em nome da Fiesp. A Fiesp tem seu presidente, sua diretoria, e cabe a eles tomar as decisões, as iniciativas. A partir de 1º de janeiro do ano que vem, aí sim, eu vou dar disposição para falar em nome da Fiesp.
Como trabalhar com o presidente Lula para amenizar uma situação como essa do Tarifaço, já que isso pede união de setor privado e governo, e a gente sabe que o senhor e o presidente Lula sempre foram adversários no campo político?
Você sabe que, neste momento, eu não tenho nenhuma ligação política partidária. E assumindo a Fiesp a partir de 1º de janeiro do ano que vem, naturalmente eu sempre vou respeitar os governantes que estiverem nos seus cargos. O presidente da Fiesp tem que ter um relacionamento com o presidente, governadores, ministros, prefeitos, deputados, senadores, independente de partidos e sempre visando o interesse do país.
Quando os políticos ou governantes estiverem certos, a Fiesp deve apoiar e aplaudir. Quando estiverem errados, quando eu falo errado, é errado no sentido de não estarem agindo da melhor forma para o Brasil, no interesse da nação brasileira. A Fiesp deve ter independência em tomar as providências e ter as reações necessárias. Então, o relacionamento vai ser dessa forma.
Nessa questão da relação com os países, é muito importante não só essa relação entre as empresas e essa chamada diplomacia empresarial, é fundamental que se faça as opções corretas. Na minha opinião, o governo brasileiro, nesse momento fez certas opções que não foram convenientes ao Brasil.
No momento em que o governo brasileiro permite navios iranianos atracarem no porto do Rio de Janeiro. Não sei para que o vice-presidente do Brasil esteve na posse do presidente do Irã. Também não entendi muito o presidente Lula estar na Praça Vermelha por comemorações do Dia da Vitória. E depois de tudo isso, ainda numa reunião dos BRICs, o presidente do Lula vai discursar pela desdolarização.
Ou seja, todos esses gestos, todas essas ações, elas provocam o nosso principal cliente de manufaturas, que é os Estados Unidos. Eu não entendo que seja uma boa política, nós provocamos, nós não estarmos bem com os Estados Unidos, por várias razões.
Os Estados Unidos são os maiores investidores no Brasil. Nós temos 27% do investimento estrangeiro no Brasil, acumulado alguma coisa em torno de U$ 300 bilhões, que são empresas brasileiras de capital americano. A nossa exportação de manufaturas, o mercado prioritário, é os Estados Unidos.
As relações do Brasil com os Estados Unidos começaram há 200 anos. Em 1822, quando foi proclamada a independência do Brasil, o primeiro país a reconhecer a independência brasileira do Brasil foram os Estados Unidos em 1824. Então, nós temos uma relação com os Estados Unidos histórica que vai além dos negócios.
Então, eu creio que essa questão, essas opções geopolíticas precisam ser revistas, porque a boa relação com a maior nação do mundo, que representa 22% do PIB mundial deve ser preservada e valorizada e até feito com que as oportunidades cresçam ainda mais, porque há muito potencial de crescimento nas relações comerciais entre os Estados Unidos.
Trump vem adotando tarifaço em vários locais do mundo, mas no caso do Brasil, ele incluiu um fator político para impor essas tarifas. É uma forma de ultrapassar e afetar a soberania brasileira?
A minha leitura é que os Estados Unidos colocaram sobretaxas na maior parte dos países que tinham grandes superávits comerciais, que não é o caso do Brasil. Eu acho que o caso do discurso de desdolarização, depois daquela reunião dos BRICS, o Trump declarou que ameaçou taxar em 100% os países que participavam dos BRICS. Então, nós temos que enxergar isso com clareza e tomarmos essa cautela para essa situação se acalmar.
O que nos interessa agora? Não é ficarmos só criticando o passado, estou lembrando dessas coisas, mas para avaliarmos e identificarmos o verdadeiro problema da questão e buscarmos uma solução para eles. É lógico o que interessa, e eu espero que o presidente Lula tenha sucesso no contato com o presidente Trump, eu espero que os nossos governos se entendam. A nossa diplomacia se entenda. Agora, é fundamental que se acalme essa situação e não tenha dúvida que gestos valem por milhões de palavras. Nós temos que valorizar. É importante que o presidente Lula trate o assunto com os Estados Unidos lembrando que se trata de um país parceiro do Brasil.
O que deveria ter sido feito que o presidente Lula não fez?
Eu me referi sobre o que foi feito e que talvez pudesse não ser feito. O caso dos Brics, pregar desdolarização, foi uma coisa que o presidente Trump não gostou. E talvez nós, no lugar dele, também não iríamos gostar.
E da mesma forma, em relação às relações com Irã, com Rússia. Eu acho que nós temos que ter relações com todos os países do mundo. Mas termos um pouco de cautela. Nesse momento geopolítico, o Brasil precisa fazer suas opções e ter suas prioridades e se dar bem com todo mundo, mas ter suas prioridades. Eu acho que a relação com os Estados Unidos é uma prioridade.
Espero também que não seja usado para a campanha eleitoral do próximo ano uma crise, uma crise que esteja prejudicando empregos, empresas do Brasil e um relacionamento com a maior nação do mundo. Que isso não seja explorado politicamente, com slogans e bandeiras. Porque as eleições do próximo ano nós devemos deixar para o próximo ano. Agora temos muitos assuntos a serem resolvidos no Brasil.
O Brasil, independente desta questão do tarifaço, das relações internacionais, nós estamos vivendo um momento de déficit público, que provoca juros elevados, com a economia, com a inflação, com pressão inflacionária. Então, nós temos muitos desafios do Brasil que nós precisamos resolver. E acho que quanto mais calma, paz, tranquilidade, entendimento entre as pessoas, nós vamos conseguir o melhor resultado.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foi muito criticado pelo próprio empresariado aqui no Estado, no momento em que defendeu inicialmente esse tarifaço de Trump. O governador errou?
Olha, eu não vi o Tarcísio defender o tarifaço. Até porque ninguém pode defender qualquer medida que possa onerar empresas brasileiras. Eu acho que ninguém acha o bom tarifaço. Mas o que nós precisamos é ver as razões para que realmente se evite que aconteça e se resolva o problema.
Com o cenário que temos hoje, qual é o cenário que o sr. traça sobre desemprego no setor industrial, de produção? O governador Tarcísio chegou a mencionar a possibilidade de 44 mil a 120 mil empregos a menos no Estado e de uma perda de 3 a 7 bilhões na massa salarial. Vocês já fazem alguma projeção?
O que acontece é o seguinte. Nós exportamos em torno de 40 bilhões de dólares para os Estados Unidos. 46% disso ficaram fora do tarifaço. Então, voltaram para os 10%. Isso significa que teoricamente não vai apertar os 40 bilhões de dólares, 20 bilhões ficaram preservados. Dos outros 20 bilhões, a grande dúvida é quanto vai reduzir devido à tarifa de 50%. Ainda com a esperança que a gente consiga reduzir com a negociação. Mas, supondo que fique do jeito que está, você pode ter uma situação que cai pela metade ou até mais esses outros 20 bilhões de dólares.
Então, vamos imaginar que esses outros virem 10. Então os 40 viram 30. Então, isso significaria uma queda de 10 bilhões de dólares que representam em 40 bilhões uns 25%. Se isso ocorrer desta forma, isso pode representar, em termos de Brasil, uns 100 mil empregos e isso afetaria meio por cento do PIB.
Naturalmente, o ideal é de todos os produtos para que o Brasil não seja penalizado com isso. E encontrar outros caminhos, outras alternativas, para que, caso não seja possível chegar neste ponto ideal (de conseguir um acordo para derrubar os 50%), que se tenha desvio de começo para outro lado, para outros mercados. Mas não é fácil você fazer rapidamente, de um dia para o outro sem conseguir a alternativa. Tem que se buscar.
O ministro Fernando Haddad diz que apresentará um plano de socorro. Na sua avaliação, o que é preciso ter de todo jeito nesse plano e o que não poderia ter de jeito nenhum?
Eu acho que o primeiro ponto é tentar resolver com os Estados Unidos, tentar recuperar e ajustar essas relações dos nossos países para tentar eliminar esse tarifaço. O melhor socorro é o governo brasileiro ter uma atitude, ter gestos que realmente possam fazer com que os Estados Unidos recuem dessa decisão. Permanecendo essa decisão, o esforço empresarial está tendo e vai ter.
Mas alguns setores, principalmente as pequenas e médias empresas que estão mais afetadas, naturalmente uma linha de capital de giro a custos razoáveis, toda ajuda que possa ser dada para essas empresas para que elas tenham tempo até reconduzir, redirecionar esses produtos a outros mercados, o consumo interno, enfim, buscarem em caminhos que não são fáceis. É meio imprevisível porque eu não deixaria de ter a esperança ainda de se construir uma relação com os Estados Unidos no curtíssimo prazo para que a gente saia dessa situação de 50% de imposto sobre alguns produtos. No justifica os Estados Unidos manterem essa medida contra nós.
Mas uma nova política de subsídio gera problemas nas contas públicas.
É, mas nós estamos falando de alguma coisa muito pontual para os brasileiros, estamos falando de um socorro para alguns segmentos para pequenas e médias empresas, se necessário. Se persistir esta alíquota e se empresas não conseguirem, na velocidade necessária, encontrar novos caminhos, naturalmente, o ministro da Fazenda está para anunciar alguns apoios e são apoios pontuais e temporários. Não é nada que represente muito. Mas considerando o acidente de percurso de certa forma, talvez até motivada por atitudes do próprio governo brasileiro que acabou gerando essa situação, eu acho que não dá para abandonar essas empresas.