6 de agosto de 2025
Politica

Os riscos de terrível recaída

Os extremismos são sempre perigosos. Seja em política, seja em religião, seja em psicologia ou economia. Em qualquer setor que se manifestem, geram mais prejuízos do que vantagens, ainda que a inspiração tenha sido a mais pura e saudável.

Nunca é demais invocar a sapiência helênica: “Nada em excesso”. É também a lição aristotélica: “In médio virtus”. O equilíbrio é a melhor posição. E isso vale para a nossa era de polarização fundamentalista.

O fanatismo com que se defendem posições evidencia um desequilíbrio que tangencia anomalias mentais. Somente a enfermidade da consciência, que perdeu o rumo, justifica os exageros na ira, no ódio, no ressentimento, na vontade de aniquilar quem pensa de forma diversa.

Para a juventude que se aproxima dos “ismos” trágicos, principalmente o nazismo e o fascismo, seria conveniente a leitura do livro “Doutor Fausto”, de Thomas Mann. Ele narra o drama de quem vendeu sua alma ao demônio, em troca de alguns favores terrenos.

O escritor alemão elaborou sua obra de forma lenta, cadenciada, com pausas que incluíram problemas de saúde. Mas ele enfrentou a tragédia da Segunda Guerra Mundial, em que a Alemanha toda se iludiu com o discurso insano, mas sedutor. Milhões mergulharam na aventura dantesca da qual resultou o extermínio de outros milhões. E há quem hoje tenha a desfaçatez de negar o Holocausto! Mais um negacionismo ao lado de outros fatais, como o de quem se recusa a acreditar nas emergências climáticas. Estas recairão sobre todos, sem exceção. E negá-las não significa brecá-las…

Thomas Mann lamenta que seus concidadãos tenham se recusado a enxergar o que acontecia. Ao perder a guerra, alemães tiveram de desfilar diante dos crematórios do campo de concentração e foram acusados de cumplicidade com o genocídio. Cúmplices, “cidadãos que, sob a aparência da honestidade, tinham andado ocupados com seus afazeres cotidianos, tentando ignorar tudo, posto que o vento vindo de lá lhes assoprasse nas narinas o fedor de carne humana queimada”.

Quem se omite é também partícipe de culpa de atrocidades que não foram paralisadas pela reação dos inertes, obrigados a contemplar, com seus próprios olhos, o que havia sido feito sob promessa de instauração de uma nova ordem, pura e ariana. “Arrombados foram os espessos muros do calabouço de torturas, no qual um governo ignóbil, desde sempre devotado ao nada, converteu a Alemanha, e nossa vergonha está exposta abertamente ao mundo, aos olhos das comissões estrangeiras, às quais se exigem em toda a parte essas inverossímeis visões e que relatam em seus países que os espetáculos avistados ultrapassam em novo tudo quanto a imaginação humana possa conceber”.

Um espírito superior e sensível como o de Thomas Mann de fato sentia-se indignado, inconformado, com a passividade com que os crimes haviam sido cometidos por alemães, iludidos por uma causa aparentemente patriótica. Ele não cessa de proclamar: “Repito: nossa vergonha. Pois será mera hipocondria confessar que tudo quanto é alemão, inclusive o espírito alemão, o pensamento alemão, a fala alemã foram atingidos da mesma forma por esse desnudamento humilhante e deixaram por completo de merecer confiança? Será compunção mórbida perguntar como, no futuro, “a Alemanha”, sob qualquer aspecto, poderá atrever-se a abrir a boca em assuntos concernentes à Humanidade?”.

A Alemanha era o berço da música, da filosofia, da literatura. Entretanto, ofereceu ao mundo esse horrendo espetáculo de carnificina, de crueldade e de intolerável manifestação de crueza instintiva. A que atribuir tudo isso?

Mann, ainda com a palavra inconsolável: “Chamem de possibilidades tenebrosas da natureza humana em geral o que entre nós se manifestou – resta, no entanto, que homens alemães, às dezenas, às centenas de milhares perpetraram o que faz a Humanidade estremecer de horror, e tudo o que jamais tenha levado uma existência alemã há de ser doravante objeto de asco e paradigma do Mal. Que significará então pertencer a um povo, cuja história lhe preparou tal malogro atroz; a um povo sem fé em si mesmo, moralmente consumido, que confessadamente desespera da possibilidade de governar-se a si próprio e acha ainda preferível transformar-se numa colônia de potências estrangeiras”.

O perigo é que tudo isso possa cair no esquecimento e que uma juventude tresloucada, movida por xenofobia e desesperada pela falta de sentido existencial, recupere o ódio e semeie a doutrina fratricida no campo minado das desilusões. Tenhamos fé na inviabilidade de tal projeto demoníaco.

 

 

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