7 de agosto de 2025
Politica

Prisão de Bolsonaro é vista por juristas como ‘armadilha jurídica’ e reforça tese de perseguição

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de impor prisão domiciliar a Jair Bolsonaro criou o que juristas ouvidos pelo Estadão descrevem como uma “armadilha jurídica”, cujos efeitos agora recaem sobre o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Criminalistas apontam que, embora as restrições sejam consideradas necessárias e acertadas no caso do ex-presidente,a forma como foram formuladas deixa brechas que alimentam a tese bolsonarista de perseguição política.

A prisão domiciliar foi decretada após Moraes entender que Bolsonaro violou a cautelar imposta anteriormente, que proibia o uso das redes sociais, inclusive por meio de terceiros. O ministro considerou que o ex-presidente burlou a ordem ao participar remotamente da manifestação do último dia 3, em Copacabana, por meio do celular de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. A fala foi transmitida ao público e publicada nas redes de Flávio, Carlos Bolsonaro e outros aliados.

Para Moraes, o episódio confirma a existência de uma estratégia para manter ativa a mobilização bolsonarista e pressionar o STF às vésperas do julgamento da ação penal do golpe.

Jair Bolsonaro, ex-presidente da República,  está em prisão domiciliar após decisão de Alexandre de Moraes
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, está em prisão domiciliar após decisão de Alexandre de Moraes

O criminalista e professor da PUC-RS Aury Lopes Jr. avalia que o erro inicial foi a imposição a Bolsonaro de uma medida cautelar com interpretação excessivamente ampla e genérica sobre o uso das redes sociais, inclusive por meio de terceiros. Para Aury, a restrição não delimitava com precisão os limites da vedação ao uso indireto, o que gerou insegurança jurídica e abriu margem para o que classifica como uma forma de censura prévia. “O equívoco de Moraes começou ali. A cautelar deveria ter sido mais clara”, afirma.

Essa falta de clareza já havia gerado tensão em julho, quando Moraes determinou que a defesa de Bolsonaro prestasse esclarecimentos sobre declarações feitas a jornalistas na saída de uma reunião com aliados na Câmara dos Deputados. O caso ocorreu dois dias após a imposição das cautelares, no âmbito do inquérito que apura uma suposta ação coordenada entre o ex-presidente e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, para coagir o Supremo por meio de autoridades dos Estados Unidos e tentar reverter a ação penal.

Na ocasião, Moraes decidiu manter as restrições, mas alertou que a repetição de episódios semelhantes poderia levar à adoção de medida mais gravosa, o que, de fato, ocorreu agora com a decretação da prisão domiciliar.

Para o professor da UERJ Davi Tangerino, o ministro acabou encurralado pela própria decisão anterior, ao impor uma cautelar ampla e de difícil execução. “Com a medida anterior, Moraes criou uma armadilha para ele mesmo”, resume.

Na avaliação de Tangerino, Moraes não pretendia prender Bolsonaro antes do julgamento final da ação do golpe, justamente para evitar questionamentos sobre sua atuação e não alimentar a narrativa política de perseguição, mas acabou sem saída diante do descumprimento da ordem por parte do ex-presidente.

“Moraes se vê agora numa posição de: ‘Estão desafiando escancaradamente a minha ordem’. Isso gera um descrédito e deslegitima o Supremo, algo que ele não pode ignorar”, afirma o criminalista, lembrando que o ministro já teve outras oportunidades de decretar a prisão preventiva, como no episódio da Embaixada da Hungria.

Além da controvérsia em torno do alcance das cautelares, outro ponto que tem sido alvo de críticas é o fato de a prisão domiciliar ter sido decretada por iniciativa própria de Moraes, sem provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR). O jurista e ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Walter Maierovitch avalia que, embora tecnicamente possível, a decisão levanta questionamentos justamente por ter sido tomada de ofício, sem requerimento da acusação. “Seria de boa cautela ouvir o titular da ação penal antes de adotar uma medida tão grave”, avalia.

A forma escolhida para cumprir a cautelar também é alvo de questionamentos. O criminalista Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), considera que a opção pela prisão domiciliar, em vez da prisão preventiva prevista em lei para casos de descumprimento de medidas cautelares, acaba por reforçar a percepção de excepcionalidade.

Segundo ele, se Moraes entendeu que houve violação, o correto seria aplicar o que determina o Código de Processo Penal. “Criar uma alternativa fora da lei apenas alimenta a narrativa de perseguição”, afirma.

O professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, pondera, no entanto, que as cautelares impostas a Bolsonaro já haviam sido referendadas pela Primeira Turma a pedido da PGR, o que dispensaria nova manifestação da Procuradoria.

Para Bottino, a prisão domiciliar é válida como medida intermediária. “É uma escolha legítima. A prisão domiciliar já basta para cessar as práticas apontadas como violação das cautelares”, diz.

Mesmo considerada legal por juristas, a medida passou a ser explorada politicamente pela oposição. Para o líder do PL na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), as ações de Moraes são injustificadas e evidenciam, segundo ele, uma perseguição contra o ex-presidente. “É um ato político, sem fundamento jurídico. Vamos continuar lutando contra essa perseguição”, afirma.

 

 

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