Leite diz que, se Bolsonaro cavou ou não prisão, decisão de Moraes é criticável; veja entrevista
SÃO PAULO – O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), afirmou que “não interessa” se a publicação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) – que motivou a decretação da prisão domiciliar de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – foi utilizada de modo intencional para estimular a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para Leite, a determinação de prisão domiciliar é equivocada. A declaração foi feita em entrevista ao programa Papo com Editor, do Estadão/Broadcast.
“Não interessa se o presidente ‘cavou’ ou não ‘cavou’ (a prisão domiciliar). A questão é que a decisão não corresponde ao que eu acredito ser o melhor para o ambiente democrático pro País”, disse o governador. “Ela está baseada numa decisão que eu acho equivocada”.
Na entrevista, Leite também criticou medidas cautelares determinadas por Moraes contra Bolsonaro. Para ele, a proibição de usar redes sociais, que também inclui participação em lives em qualquer plataforma incluindo em contas de terceiros, é um erro do ministro.
“Dentro de um ambiente democrático, de livre manifestação, até que Bolsonaro seja julgado e eventualmente condenado pelo colegiado, entendo que ele tem direito de se expressar usando os canais legítimos”, continuou. “Uma decisão monocrática de prisão domiciliar, na minha visão, não é correta. Já aquela que vier a ser tomada dentro de um colegiado, no âmbito regular do processo, deve ser respeitada”, finalizou.
Na entrevista, Eduardo Leite diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contribuiu para o ambiente de animosidade com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ainda assim, fez uma ressalva. Para ele, a principal responsável pelo tarifaço é a família do ex-presidente Jair Bolsonaro , que o governador afirma ter tido influência na decisão de Trump de taxar produtos brasileiros, de modo a pressionar para reversão do processo conduzido pelo STF contra o capitão reformado.
Veja os principais pontos da entrevista:
Gostaria de saber qual a avaliação do senhor sobre a prisão domiciliar de Bolsonro e também sobre o impacto dela nas próximas eleições.
Precisamos olhar essa jornada do presidente Bolsonaro dentro de um processo que está em andamento. Dentro desse contexto, houve esse episódio específico: a prisão domiciliar determinada, porque Bolsonaro descumpriu a ordem de não usar redes sociais. Sobre essa prisão em particular, eu sou crítico. Me preocupa e, como brasileiro, fico muito triste de ver que, dos cinco presidentes eleitos após a redemocratização, apenas Fernando Henrique Cardoso não sofreu impeachment ou prisão. Essa decisão específica do ministro Alexandre de Moraes, de restringir manifestações do ex-presidente, eu considero criticável. Dentro de um ambiente democrático, de livre manifestação, até que Bolsonaro seja julgado e eventualmente condenado pelo colegiado, entendo que ele tem direito de se expressar usando os canais legítimos. Quanto aos efeitos eleitorais, ainda é cedo pra dizer. Depende de quanto tempo essa prisão vai durar, se vai ser mantida, se haverá condenação no processo. E depende também de quais decisões Bolsonaro vai tomar dentro do campo político dele – do qual eu não faço parte, é importante destacar. Criticar a prisão nessas condições não me faz bolsonarista. Não sou apoiador do ex-presidente, pelo contrário, sempre fui crítico, e seus apoiadores também me criticam, me atacam.
Aliados de Bolsonaro afirmaram que o comportamento do ex-presidente que levou à prisão domiciliar pode ter sido intencional. Como o senhor vê essa possibilidade?
É difícil entender quais são as intenções de um ou de outro nesse caso. Dentro de um ambiente democrático, que é onde a gente deve viver, a decisão que cerceou manifestações do ex-presidente já era, por si só, criticável – e eu já tinha feito essa crítica antes. Então, se houve algum movimento do ex-presidente, tenha sido intencional ou não, que levou o ministro a tomar a decisão da prisão, como ela está baseada numa decisão que eu acho equivocada, ela também é criticável. O que eu quero dizer aqui é o seguinte: não interessa se o presidente cavou ou não cavou. A questão é que a decisão não corresponde ao que eu acredito ser o melhor ambiente democrático pro país.
O senhor chegou a se solidarizar com o ministro Alexandre de Moraes nas redes sociais pelas sanções do presidente americano Donald Trump, mas também disse que o ministro comete erros e acertos. Quais seriam os erros e quais os acertos?
Olha, um erro, sem dúvida, foi a decretação da prisão do ex-presidente Bolsonaro e a decisão que o impedia de se manifestar nas redes sociais. O cerceamento de manifestação como medida cautelar foi, na minha visão, a origem desse erro. Todos nós somos falíveis: jornalistas erram, políticos erram, juízes também. Por isso a importância das decisões colegiadas, porque um grupo de ministros tende a reduzir as chances de falhas, ainda que não torne o processo infalível. Reconheço, ao mesmo tempo, que Moraes foi fundamental na condução do processo eleitoral e na transmissão de cargo, agindo de forma incisiva para garantir estabilidade. Mas não podemos criar precedentes perigosos, como limitar manifestações, que podem ser usados futuramente em outros contextos. Ele acertou em muitas oportunidades, especialmente no processo relacionado à tentativa de golpe, sendo rigoroso, e nisso merece elogios. Mas, quando houver excessos, vou criticar.

E sobre a defesa de anistia ampla, geral e irrestrita que parte da oposição pede, qual a sua opinião?
Não sou a favor. Quem cometeu atos de vandalismo no contexto de uma tentativa de golpe estava defendendo uma ruptura institucional. Claro, é legítimo discutir a gradação de penas e a dosimetria, mas anistiar completamente vai contra o que a própria direita costuma defender: que quem faz coisa errada deve ser punido. O Brasil já tem um problema sério de sensação de impunidade. A solução não é deixar de punir alguns porque outros também não são punidos. A solução é punir todos que cometem crimes.
Sobre o decreto do IOF, que gerou reação no Congresso e foi visto como uma aproximação entre governo federal e PL, como o senhor avalia?
O presidente tem a prerrogativa jurídica de editar decretos sobre o tema. Mas não pode ignorar a reação do Congresso, que representa a sociedade. Politicamente, deveria rever. O IOF tem caráter regulatório, não arrecadatório. Usar o imposto apenas para arrecadar mais é questionável. O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, cerca de 34% do PIB, e o governo não mostra apetite para cortar gastos, rever privilégios ou melhorar a eficiência do gasto público. O problema não é arrecadar mais; é gastar melhor. É preciso discutir qualidade do gasto, não só aumentar impostos.
Sobre o tarifaço de Trump, governadores reagiram de formas diferentes. Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, por exemplo, disse que Lula colocou sua ideologia acima da economia e que isso motivou as sanções dos EUA. O senhor concorda?
A responsabilidade principal é da família Bolsonaro. O próprio Eduardo Bolsonaro admitiu isso. Mas não dá pra dizer que Lula não tenha responsabilidade alguma. Ele contribuiu para o ambiente de animosidade com os Estados Unidos, com discursos insistentes contra o dólar e antiamericanos. Isso só aumenta o atrito com um parceiro comercial estratégico como os EUA. O dólar não é moeda de referência por convenção política, mas porque conquistou credibilidade histórica. Ficar insistindo em alternativas irreais gera mais ruído do que soluções. Lula deveria ter procurado Trump logo após a eleição, ou mesmo após o anúncio do tarifaço. O próprio Trump disse, na semana passada, que estava pronto para conversar. Até onde sei, Lula ainda não fez contato. Portanto, há sim um culpado principal, que é a família Bolsonaro, mas Lula ajudou a criar um ambiente desfavorável.
Como senhor vê a postura do presidente sobre o tarifaço?
Ser firme numa relação diplomática não significa ser agressivo, rude ou grosseiro. Firmeza, na minha visão, se exerce de outra forma. Se olharmos para outros países, vemos bons exemplos. O presidente Trump chegou a dizer coisas inadmissíveis em relação ao Canadá, como sugerir que o país virasse o 51º estado americano – claramente um ataque à soberania canadense. O que eu vi dos líderes do Canadá? Reações firmes, mas sempre buscando manter a interlocução, respeitando a relação histórica entre os dois países. Lembro do primeiro-ministro Trudeau falando aos canadenses de forma dura, mas sem ataques pessoais a Trump ou aos Estados Unidos. O presidente Lula, claro, pode querer fazer discursos para dentro, que agradam a sua base, mobilizam suas torcidas, mas isso não resolve o problema – e se não resolve, não é bom para o Brasil. Precisamos adotar uma linha de serenidade, equilíbrio e firmeza, que não significa curvar a cabeça, mas sim reconhecer que o pragmatismo é fundamental agora para defender os interesses nacionais, nossas relações comerciais e, no fim das contas, a economia e os trabalhadores brasileiros.
Governador, o governo do presidente Lula é muito criticado pelo excesso de gastos. Quais medidas o senhor adotaria para recuperar a credibilidade fiscal do Brasil?
Boa parte da despesa obrigatória já preocupa o próprio governo, segundo seus relatórios. Eles indicam que, a partir de 2026, o espaço fiscal vai se estreitar com previdência e custeio da máquina. Em 2027 e 2028, pode até faltar recurso para investimentos e para o pagamento de emendas parlamentares. Ou seja, vai haver um sufocamento da capacidade de investimento do País. A conta não fecha: mais gente aposentada, vivendo mais, e menos gente contribuindo. Além disso, há fenômenos como a “pejotização”, com trabalhadores migrando para MEIs, o que afeta a arrecadação previdenciária. Mas o ponto central é: ajuste fiscal não pode ser só aumentar impostos para sustentar despesas que não são revistas.
É preciso olhar dentro do Orçamento, avaliar programas e políticas públicas, ver se estão entregando resultados e reorganizar prioridades. Isso envolve reformas, concessões, privatizações, trazendo o setor privado. Hoje, a expectativa é ruim, o próprio governo admite em relatórios que faltará dinheiro. Para cobrir o rombo, vai se endividar e quebrar regras fiscais. Isso gera desconfiança. O governo vira um grande tomador de crédito, competindo com o setor privado e encarecendo investimentos. Se mostrarmos um rumo de sustentabilidade, já mudamos a expectativa e atraímos novos investimentos.