O xadrez da mineração: Brasil entre EUA e China na disputa por minerais críticos
No atual contexto de guerra tarifária e crescente instabilidade geopolítica, a mineração voltou à mesa de negociações como peça central em um novo ciclo de disputas estratégicas. O complexo mineral-industrial é um setor intrinsecamente ligado à história do Brasil, mas que, nos últimos anos, esteve associado quase exclusivamente a tragédias ambientais. Agora, em meio ao maior tensionamento político recente entre Brasil e Estados Unidos, a mineração reaparece como ativo estratégico diante da corrida global por minerais críticos, elementos essenciais para a produção de baterias, semicondutores, veículos elétricos, infraestrutura energética e equipamentos de defesa.
Para compreender como a mineração foi novamente convocada ao centro desse jogo, é preciso enxergar o xadrez mais amplo da geopolítica mineral. Antes de mais nada, compreender o quadro global é fundamental para interpretar os movimentos de cada país e identificar como o Brasil pode atuar de forma estratégica nessa disputa.
Minerais críticos são aqueles considerados essenciais para a economia e para a transição energética, mas que apresentam alto risco de abastecimento devido à concentração geográfica das reservas ou a dificuldades de extração e processamento. Esses minerais desempenham papel estratégico em setores como energia renovável, mobilidade elétrica, defesa e alta tecnologia. Exemplos incluem o lítio, fundamental para baterias de íon-lítio, o níquel, usado em ligas metálicas e baterias de alta performance, e as terras raras, indispensáveis para ímãs permanentes, turbinas eólicas e equipamentos eletrônicos avançados.As terras raras, por sua vez, um grupo de 17 elementos químicos como lantânio, cério, promécio e neodímio, são vitais para setores de alta tecnologia. Estão presentes em ímãs potentes usados em turbinas eólicas e veículos elétricos, ligas aeroespaciais e de defesa, sistemas de guiagem de mísseis, radares avançados, lasers médicos e catalisadores no refino de petróleo.
Nos Estados Unidos, a busca por minerais críticos tornou-se uma verdadeira política de Estado. Diante da forte dependência em relação à China, o país adota como estratégia nacional a diversificação de seus fornecedores de minerais críticos e estratégicos. Nesse contexto, o governo americano já incluiu esses minerais nas negociações com países como Indonésia e Ucrânia. Em síntese, o objetivo é equilibrar riscos e reduzir vulnerabilidades na cadeia de suprimentos.
A China, por sua vez, controla as etapas mais valiosas da cadeia mineral, reunindo grandes reservas, elevado grau de refino e domínio tecnológico. Paralelamente, amplia sua presença no Brasil por meio da aquisição de projetos minerários e demonstra especial interesse em investir em infraestrutura essencial para o setor, como portos, ferrovias e centros logísticos. No tabuleiro da geopolítica, busca expandir sua atuação na América Latina e na África para manter sua posição de hegemonia e assegurar a continuidade da forte dependência americana.
O Brasil, apesar de possuir vastas reservas de minerais críticos e a segunda maior de terras raras do mundo, ainda aproveita apenas uma fração do seu potencial. Apenas 27 por cento do subsolo brasileiro está mapeado, o que evidencia a falta de conhecimento geológico aprofundado e reforça a ausência de domínio tecnológico e da cadeia industrial. Esse cenário limita a capacidade do país de se inserir de forma soberana nas cadeias globais de valor, mantendo-o como mero exportador de matéria-prima bruta. Além disso, o complexo mineral-industrial enfrenta forte insegurança jurídica. Em síntese, trata-se de um ecossistema produtivo que nunca ocupou o centro da estratégia nacional de desenvolvimento.
Nesse cenário geopolítico de grande incerteza, é natural que a mineração apareça como pauta nas discussões sobre um possível acordo entre Estados Unidos e Brasil. É essencial, porém, analisar os pressupostos constitucionais de qualquer negociação.
A ordem econômica constitucional brasileira estabelece um regime jurídico que garante isonomia aos capitais estrangeiros. Ainda que acordos bilaterais possam prever condições tarifárias específicas, o país não pode impor discriminações injustificadas ao investimento internacional, como o capital chinês. Também é preciso lembrar que os bens minerais pertencem à União e só podem ser explorados mediante uma concessão pública, em conformidade com a legislação ambiental, trabalhista, tributária e regulatória.
Diante disso, a oportunidade histórica do Brasil é transformar o atual cenário em motor de um projeto nacional capaz de colocar o setor mineral-industrial como um dos vetores do desenvolvimento. Para isso, é necessário atrair investimentos com segurança jurídica, ampliar o conhecimento geológico, incentivar a agregação de valor e estabelecer parcerias que viabilizem a transferência de tecnologia para refino e beneficiamento.
Em um mundo cada vez mais desglobalizado, os minerais críticos e as terras raras deixaram de ser apenas commodities. Eles são insumos estratégicos e ativos geopolíticos de primeira ordem. Cabe ao Brasil tratá-los com a inteligência e a ambição que exige um país que busca superar o subdesenvolvimento e reafirmar sua soberania mineral.