Julho tem guerra de narrativas do IOF a Trump, e bolsonaristas afundam debate sobre justiça fiscal
BRASÍLIA – Marcado por uma conflagração de narrativas, o mês de julho terminou com uma reviravolta alcançada pelos bolsonaristas após o governo Lula ter encontrado um discurso a que se apegar na esteira da crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
O Instituto Democracia em Xeque coletou 43,8 mil publicações nas redes sociais Facebook, Instagram, X, YouTube e Tiktok entre 5 de julho e 5 de agosto e mapeou a disputa de narrativa entre os campos progressista e conservador e outros engajados nas discussões políticas. O mês, que começou com uma pauta favorável à esquerda, terminou dominado pelos bolsonaristas.

Os pesquisadores encontraram seis núcleos narrativos: soberania nacional; justiça fiscal e redistribuição; Judiciário e sanções americanas; relação Estados Unidos x Brasil; e mercado global e impactos econômicos. O mês passado viveu uma turbulência de discussões, com três marcos que mudaram o rumo das pautas.
Dias antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar o tarifaço contra o Brasil, o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) tinham, enfim, encontrado uma bandeira que vinha arrebatando popularidade junto aos brasileiros. A partir da derrubada do aumento do IOF pelo Congresso, o Palácio do Planalto e o PT passaram a investir na disputa entre pobres e ricos – a comunicação depois foi ajustada para representar o antagonismo entre o 99% e o 1%, os ultrarricos.
Petistas traduziram a pauta na “campanha taxação BBB: bilionários, banqueiros e bets”, que ainda se mantém como slogan do partido visando as eleições de 2026, e vinham conseguindo dominar o debate público. Era o assunto mais comentado nas redes sociais até o fim da primeira semana de julho, até que veio o anúncio de que os Estados Unidos iriam impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros.
A partir do dia 9, o foco migra para “soberania nacional”, quando o governo Lula mais uma vez consegue se sair bem na comunicação e associar o tarifaço de Donald Trump à família Bolsonaro. Ainda que os bolsonaristas tenham acertado com rapidez a comunicação para jogar a culpa sobre Lula, lideranças da direita tiveram de pisar em ovos para falar do tema sem desagradar a Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente que trabalhava pelas sanções contra o Brasil, e o empresariado atingido pelos impostos.
A crise mudou de forma novamente quando a Casa Branca decidiu aplicar a Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em 30 de julho. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), então, mobilizaram a comunicação digital contra Moraes, e passaram a dominar a discussão nas redes sociais. O tema “Judiciário e sanções americanas” domina o meio digital desde então.
Com isso, os bolsonaristas conseguiram afundar o assunto “justiça fiscal e redistribuição”, que havia sido considerado pelo Planalto como um campo favorável de disputa. Tratava-se de uma pauta em que tanto o PT conseguia conversar com suas bases tratando de um tema ligado às suas raízes quanto rendia popularidade ao governo Lula.
O enterro da bandeira da redistribuição, ainda que momentâneo, é um obstáculo para a esquerda, que pena para conseguir pautar o debate público – diferentemente do bolsonarismo, acostumado a levar a discussão para onde lhe convém.
“Na virada para agosto, houve queda no volume de interações sobre justiça fiscal e sobre a suposta afinidade do governo com ditaduras, ocupado por uma ofensiva discursiva concentrada no STF. Após semanas apontando para o suposto isolamento do Brasil no cenário global, o discurso conservador volta-se ao front doméstico, sugerindo que o ‘problema’ está dentro das instituições nacionais. O STF aparece como epicentro do desequilíbrio democrático, e a eleição de senadores dispostos a romper com o ‘sistema’ se torna palavra de ordem”, diz o relatório do DX.
Os pesquisadores identificaram, no entanto, que os conservadores também enfrentaram dificuldades para organizar uma narrativa única diante das sanções internacionais. A divisão, destacam, pôde ser percebida nos discursos feitos do carro de som na última manifestação bolsonarista na Avenida Paulista, em 3 de agosto.
“Enquanto a reação contra o tarifaço é coesa em torno da soberania nacional e da agressão representada pela ação de Trump contra o Brasil, o apoio às ações da família Bolsonaro passa por uma divisão forçada de alvos: parte em direção a Lula e sua reação às tarifas e parte em direção a Moraes e ao julgamento, ao mesmo tempo em que seus símbolos (ideia de economia como prioridade e mobilização do ‘patriotismo’ como justificativa para as próprias ações) está do lado dos opositores às tarifas”, diz João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de análises e estudos temáticos do DX.
“Essa situação cria um cenário em que é difícil para atores alinhados à direita defensora da anistia, que tenta pautar outros pontos – bloqueio do funcionamento do parlamento, condições da prisão de Bolsonaro, acusações sobre eleições passadas –, tentando reativar pontos aos quais os apoiadores se mostraram sensíveis em outras situações. Como as tarifas miram o Executivo, essencialmente fora da tramitação do caso de Bolsonaro na Justiça, além da divisão de alvos para ação dos apoiadores, a defesa das tarifas parece não se conectar à narrativa de que Moraes é o principal problema e que a divisão de poderes foi violada.”