10 de agosto de 2025
Politica

Justiça proíbe fiscal de Rendas suspeito de pegar propina de R$ 12 milhões de falar com colegas

A juíza Isaura Cristina Barreira confirmou a proibição imposta ao auditor fiscal de Rendas Guilherme Rodrigues Silva de ‘manter contato com qualquer outro agente fiscal’ da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Com 27 anos de carreira, ex-delegado regional Tributário em Santos, Guilherme é alvo de investigação por supostamente ter recebido R$ 12 milhões em propinas da gigante farmacêutica Hypermarcas, hoje Hypera Pharma, entre 2012 e 2014.

Isaura endossou entendimento do juiz da 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa, Lavagem de Bens e Valores que considerou que o fiscal teria praticado ‘os crimes em investigação através da função exercida’ e determinou seu afastamento das funções.

A defesa se declarou ‘perplexa’. “Trata-se de uma investigação sigilosa do Ministério Público que se arrasta desde 2021 sem apresentação de denúncia por não ter sido vislumbrada a prática de crime”, protestam os criminalistas Rubens de Oliveira e Rodrigo Carneiro Maia, que representam o fiscal.

A Hypera Pharma não se manifestou.

A Secretaria da Fazenda informou que Guilherme já é alvo de processo administrativo disciplinar na Corregedoria da Fiscalização Tributária, ‘cuja penalidade, confirmadas as acusações a ele imputadas, pode ser a de demissão a bem do serviço público’.

Segundo a investigação, teriam sido pagos R$ 6 milhões a Guilherme Rodrigues Silva, entre novembro de 2012 e junho de 2014; na segunda vez, entre meados de junho de 2014, mais R$ 6 milhões 'a título de propina'
Segundo a investigação, teriam sido pagos R$ 6 milhões a Guilherme Rodrigues Silva, entre novembro de 2012 e junho de 2014; na segunda vez, entre meados de junho de 2014, mais R$ 6 milhões ‘a título de propina’

‘Diminuição das liberdades’

A juíza integra, na condição de substituta, os quadros da 7.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça. Ela analisou um pedido de habeas corpus da defesa de Guilherme contra a decisão da 2.ª Vara de Crimes Tributário que, ao mandar afastar o fiscal de Rendas, considerou ‘essencial a diminuição das liberdades do acusado’.

Secretaria da Fazenda de São Paulo; auditor fiscal de Rendas Guilherme Rodrigues Silva é alvo de investigação
Secretaria da Fazenda de São Paulo; auditor fiscal de Rendas Guilherme Rodrigues Silva é alvo de investigação

“Sem as prerrogativas do cargo, evita-se a continuidade delitiva, bem como diminui-se eventual influência que o agente possa ter sobre outros agentes públicos, tudo nos termos do artigo 319, VI do Código de Processo Penal e artigo 17-D do Código de Processo Penal”, anotou o juízo da 2.ª Vara de Crimes Tributários.

Vinte parcelas de R$ 300 mil

Sob suspeita da prática de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro, o auditor fiscal é alvo de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), conduzido por promotores do Gedec (Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos), braço do Ministério Público estadual.

A investigação foi impulsionada pela delação de cinco ex-executivos da Hypermarcas. Guilherme teria recebido propinas da farmacêutica em ‘duas oportunidades distintas’.

Na primeira vez, aponta a investigação, teriam sido pagos R$ 6 milhões a Guilherme, entre os meses de novembro de 2012 e junho de 2014. Na segunda vez, entre meados de junho de 2014, mais R$ 6 milhões, totalizando R$ 12 milhões ‘a título de propina’.

Na avaliação da Promotoria, a propina pode ultrapassar a marca de R$ 14 milhões (em valores da época) ‘se somados aos gastos decorrentes das manobras de lavagem de dinheiro’.

ICMS na divisa

“Com efeito, depreende-se do conteúdo dos autos que Guilherme Rodrigues Silva, no exercício das funções de agente fiscal de Rendas, portanto, na qualidade de servidor público, teria praticado o crime de corrupção passiva ao solicitar/receber, por duas vezes, valores indevidos a título de propina”, destacou a 2.ª Vara de Crimes Tributários.

A Hypermarcas teria praticado corrupção ativa ‘com o fim de isentar/diminuir a autuação tributária nos procedimentos fiscais adotados quanto ao recolhimento de ICMS’ na divisa entre São Paulo e Minas.

‘Animus associativo’

De acordo com a investigação, Guilherme e a Hypermarcas S.A., ‘com o auxílio de terceiros, teriam realizado manobras para lavagem desses valores, agindo com animus associativo para a prática do crime previsto no artigo 1° da Lei n° 9.613/1998’.

Os investigadores encontraram indícios de que o auditor fiscal solicitou à Hypermarcas o montante de R$ 6 milhões em 20 parcelas mensais de R$ 300 mil, ‘cujo pagamento foi efetuado em espécie’.

Posteriormente, por volta de junho de 2014, o fiscal de Rendas teria solicitado o pagamento de mais R$ 6 milhões, ‘os quais, acrescidos dos impostos decorrentes das manobras de lavagem de dinheiro, totalizaram o montante de R$ 8 milhões’.

O segundo pagamento teria sido ‘implementado por Cláudio de Figueiredo, doleiro que foi apresentado por Guilherme aos representantes da Hypermarcas’.

A investigação aponta indícios de que o doleiro ‘integra e lidera uma organização criminosa composta por dois núcleos, sendo identificado, até o momento, ao investigado o agente fiscal Guilherme Rodrigues Silva como coautor/partícipe dos crimes cometidos”.

Para a Justiça pesa a ‘existência de prova da materialidade e indícios de autoria’. “Havendo, sim, perigo decorrente da total liberdade do investigado (Guilherme Rodrigues Silva), a imposição de medidas cautelares diversas é suficiente para evitar sua interferência na instrução processual e a reiteração delitiva.”

A juíza Isaura Cristina Barreira transcreveu a decisão de primeiro grau. “Cumpre esclarecer que, do que conta, sua posição (de Guilherme) é diferente da exercida pelo doleiro e de menor importância na rede criminosa, de forma que sua influência sobre os demais investigados também parece ser menor.”

Com uma ressalva. “Apesar de menor, essa influência (do auditor fiscal) não é inexistente, demandando assim a imposição de medidas cautelares diversas, sem prejuízo do agravamento da cautelar imposta, caso se descubra, no decorrer das diligências, que o acusado vem interferindo ou tentando interferir diretamente nas investigações.”

COM A PALAVRA, A DEFESA

Os criminalistas Rubens de Oliveira e Rodrigo Carneiro Maia Bandieri, que representam o fiscal de Rendas Guilherme Rodrigues Silva, se declararam ‘perplexos’ com a decisão. Eles afirmam que ‘a investigação sigilosa do Ministério Público de São Paulo se arrasta desde 2021 sem a apresentação de denúncia’.

O procedimento dos promotores do Gedec, diz a defesa, ‘tem por objeto os mesmos fatos supostamente ocorridos entre 2012 e 2014, que já foram alvo de investigações anteriores, em diversas esferas, devidamente arquivadas há mais de cinco anos, por não ter sido vislumbrada a prática de qualquer crime’.

Em pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça contra a decisão da 2.ª Vara de Crimes Tributários, os advogados sustentam que ‘os fatos tidos como criminosos pelo Ministério Público remontam há 10 anos, impondo seríssimo constrangimento ilegal ao impetrante’.

“Além de atemporal, a medida demonstra ser desproporcional e abusiva. Assim, verifica-se que o ora paciente se encontra submetido a constrangimento ilegal por suportar o ônus de ser afastado do seu cargo público sem qualquer justa causa”, argumentam.

Segundo a defesa, o fiscal de Rendas ‘tem sofrido uma intensa investida do órgão acusatório’. Os advogados afirmam que houve quebra do sigilo bancário até do filho de Guilherme que, à época, tinha apenas dois anos de idade. “Houve quebra de sigilo bancário e fiscal da sua esposa, mãe e irmã, foi realizada busca e apreensão em sua residência, realizaram o bloqueio de todas as suas contas bancárias e o bloqueio das contas bancárias de sua mãe, irmã e esposa”, queixam-se. “Por fim, afastaram Guilherme Rodrigues Silva do seu cargo público.”

Eles pontuam ‘ausência dos requisitos autorizadores das medidas cautelares impostas’ e a ‘desnecessidade da medida extrema de suspensão das funções públicas de Guilherme’.

“Causa perplexidade a manutenção das investigações com base única e exclusivamente em declarações genéricas prestadas em sede de colaboração premiada, desprovidas de qualquer elemento de corroboração, o que contraria a legislação vigente”, protestam Rubens de Oliveira e Rodrigo Carneiro Maia Bandieri.

“Os únicos elementos que sustentam e, inclusive, deram azo à instauração do aludido PIC (Procedimento Investigatório Criminal) foram as delações premiadas realizadas pelos representantes da empresa Hypermarcas, srs João Alves de Queiroz Filho, Nelson Mello, Cláudio Bergamo dos Santos e Carlos Roberto Scorsi, junto à Procuradoria-Geral”, afirmam.

Nem mesmo a quebra de sigilo do fiscal indicou movimentações suspeitas, segundo a defesa. No período de 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro ‘nenhuma transação atípica foi encontrada’.

Segundo os advogados, o Ministério Público representou pela extensão da quebra de sigilo pelo período de 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2015 e, posteriormente, pelo período de 2014 a 2016, ‘em desfavor de algumas pessoas jurídicas investigadas’. “Novamente e, conforme já esperado, nenhuma transação atípica ou evolução patrimonial incompatível foi constatada em desfavor de Guilherme Rodrigues Silva”, sustenta a defesa.

“Tanto é que o próprio Ministério Público, no relatório de análise dos resultados das quebras de sigilo bancário e fiscal, consignou que ‘analisando a quebra em questão, foi possível comprovar repasse de valores do Grupo Hypermarcas para as empresas listadas acima, contudo, não foi possível lincar tais valores com o agente fiscal de Rendas Guilherme e seu grupo familiar”, acentuam os advogados.

“Ou seja, o próprio MP, durante extenso lapso temporal, praticamente uma década, não conseguiu apontar qualquer recebimento ilícito de valores por Guilherme”, insistem. “Inclusive, aqui cabe uma observação: Guilherme já havia sido alvo de uma investigação pelos mesmos fatos e conduzida pelo mesmo Ministério Público, porém foi arquivada. Segundo consta da decisão de arquivamento, ‘não foi possível constatar indícios mínimos de que o peticionário (Guilherme) utilizava pessoas jurídicas para branqueamento de capitais’.”

Os advogados destacam o histórico profissional de Guilherme. É graduado em Ciências Navais pela Escola Naval Brasileira (1994) e foi nomeado como Guarda-Marinha do Corpo da Armada. Dois anos depois, em 1996, após ter conquistado o posto de tenente da Marinha do Brasil, ele iniciou seus estudos em Direito e Contabilidade.

Em 1997, foi aprovado no concurso para auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, onde iniciou sua carreira em fevereiro de 1998.

“Ao longo destes 27 anos atuando como auditor fiscal, o paciente concluiu seu Mestrado em administração de empresas pela Universidade de Pittsburgh/EUA, em 2002, bem como especialização em auditoria pela FEA/USP e diversos outros cursos. Sucintamente, o paciente possui quase 30 anos de serviço público, sem considerar sua atuação pelas Forças Armadas, sem o registro de qualquer mácula ou práticas antiéticas quando da sua atuação em favor do Estado.”

Os criminalistas enfatizam .“Não há contemporaneidade na medida adotada e permitir o afastamento deste servidor do seu cargo público beira a antecipação da pena. Se nestes dez anos ele não ofereceu qualquer risco à persecução penal, por que iria oferecer agora? Ou então, se Guilherme oferece o aludido risco, por que afastá-lo após dez anos do período investigado?”

COM A PALAVRA, A SECRETARIA DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

“O auditor citado, que se encontra afastado de suas funções, responde a processo administrativo disciplinar na Corregedoria da Fiscalização Tributária, cuja penalidade, confirmadas as acusações a ele imputadas, pode ser a de demissão a bem do serviço público. Ressalta-se o compromisso desta Secretaria da Fazenda e Planejamento em sempre apurar com rigor qualquer notícia de desvio de conduta de seus integrantes, aplicando-se as medidas punitivas previstas na legislação.”

COM A PALAVRA, A HYPERA PHARMA, ANTIGA HYPERMARCAS

A farmacêutica não se manifestou.

COM A PALAVRA A DEFESA DE CLÁUDIO FIGUEIREDO

A reportagem do Estadão pediu manifestação da defesa de Cláudio Figueiredo. O espaço está aberto.

 

 

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