A cortina de fumaça do motim contra o STF
Por que a direita, capitaneada pelo PL e por alguns parlamentares do Centrão, se amotinou no Congresso após a decisão do STF de decretar prisão domiciliar para Jair Bolsonaro?
Eles sabem que são minoria e que uma agenda de confronto institucional aberto dificilmente avançaria. Num sistema multipartidário e fragmentado como o brasileiro, em que nenhuma força política é majoritária, retaliações legislativas contra o Supremo são improváveis. Exigiria um grau de unidade e coordenação entre Congresso e Executivo que, hoje, simplesmente não existe. Portanto, as chances de retaliação que venham as restringir os poderes institucionais do Supremo são praticamente nulas.
A resposta está no “position-taking” – a política de sinalizar alguma “fidelidade” para a plateia de eleitores bolsonaristas e para o próprio Bolsonaro. Os parlamentares de direita caminham no fio da navalha: de um lado, precisam sinalizar a Bolsonaro e à sua base que não irão abandoná-lo; de outro, querem se livrar dele o quanto antes e reafirmar compromisso com a democracia para atrair os eleitores de centro contra a reeleição de Lula.

Ao contrário dos bolsonaristas mais radicais do PL, os deputados do Centrão não são ideológicos, mas fundamentalmente pragmáticos. Sua bússola é a sobrevivência eleitoral. Se, como tudo indica, Bolsonaro for condenado pelo STF por tentativa de golpe e perder força política gradualmente, qual será a melhor estratégia para candidatos da centro-direita em 2026?
Uma estratégia que pode se revelar dominante é prometer, de forma calculada e ambígua, anistiar Bolsonaro caso eleito – o suficiente para parecer convincente à sua base, mas sem compromisso real de cumprir. Assim, captariam o apoio do clã e dos eleitores mais radicais em 2026, mas evitariam o risco de reabilitá-lo politicamente. Um Bolsonaro livre e elegível poderia ameaçar diretamente o projeto de reeleição do novo presidente eleito.
Trair Bolsonaro após as eleições não é isento de riscos, mas tampouco inédito, considerando as inúmeras traições do próprio Bolsonaro a antigos aliados. Certamente provocaria a ira da direita mais radical, mas permitiria ao novo governo mais espaço para implementar sua agenda e se legitimar como uma alternativa de direita democrática que não confronta decisões de outras instituições.
O único ponto concreto que até o momento uniu essa reação no Congresso não foi anistia nem impeachment de ministros do Supremo, mas o fim do foro privilegiado. A mudança, apoiada até por parlamentares de esquerda, livraria deputados e senadores do radar do STF em casos como o das suspeitas de fraude nas emendas parlamentares. O Supremo já investiga 35 legisladores por suposto desvio de recursos e porte ilegal de arma.
Essa aliança entre Centrão e extrema direita contra o Supremo é, portanto, menos uma sinalização de retaliação real e mais uma cortina de fumaça. O Centrão só enfrentaria o STF por extrema necessidade e quando a sua sobrevivência eleitoral estivesse em risco – e, desta vez, a necessidade atende pelo nome de mudança do foro privilegiado.