12 de agosto de 2025
Politica

‘Um contra 20’: Políticos e pré-candidatos surfam onda de debate nas redes sociais

RIO – No centro de uma roda com 20 conservadores, um comunista inicia o debate sobre medidas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em volta de uma mesa e duas cadeiras, os adversários se revezam para rebater os argumentos e “ganhar a disputa de narrativa”. A batalha entre militantes de campos políticos opostos se tornou um formato em alta em canais no YouTube que tratam sobre política – com até 3,1 milhões de visualizações – e já começa a ser explorado por políticos eleitos e pré-candidatos para as eleições de 2026.

O filão dos debates virtuais contrasta com os tradicionais confrontos eleitorais na TV. Alguns adotam tempo definido para perguntas e respostas e outros são mais abertos, sem regras pré-estabelecidas. Há cerca de 30 dias, um desses debates “furou a bolha”. O vereador Lucas Pavanato (PL-SP) foi colocado frente a frente com “20 esquerdistas” em um debate promovido pelo canal no YouTube “Spectrum”. O quadro “Zona de Fogo” já ultrapassou 3 milhões de visualizações e abasteceu as redes sociais do parlamentar, conhecido pela atuação virtual.

Deputado Guilherme Cortez debate com 20 conservadores
Deputado Guilherme Cortez debate com 20 conservadores

Os assuntos são diversos: de cotas raciais, feminismo e “ideologia de gênero” a aborto. Vinte pessoas sentadas ao redor do debatedor principal se revezam para rebater os argumentos levantados por Pavanato.

Outros dois debates também renderam milhões de visualizações entre o vídeo principal, cortes e ao servir de base para reacts – outros canais que reagem ao conteúdo produzido originalmente. Há dez dias, o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP) esteve no centro da roda para a sabatina de debatedores, desta vez, conservadores. O vídeo já atingiu 700 mil visualizações em menos de uma semana.

As pautas de costume se repetem nos debates, apesar da mais recente edição do Índice de Conservadorismo Brasileiro, realizada pelo Ipsos-Ipec, revelar uma leve queda no conservadorismo da população em relação aos temas. Segundo a pesquisa, o conservadorismo atingiu a marca de 0,652 em uma escala de 0 (totalmente progressista) a 1 (totalmente conservador). O resultado representa um recuo em relação a 2023 (0,665), mas ainda se mantém acima dos níveis mais progressistas registrados em 2021 (0,639) e 2022 (0,637).

Cortez atribui o sucesso dos debates nas redes sociais ao desejo de as pessoas consumirem conteúdos políticos “de uma maneira menos formal e mais próxima da realidade delas”.

“As pessoas querem consumir conteúdos políticos de uma maneira menos formal e mais próxima da realidade delas, sem toda aquela pompa dos debates de TV ou o discurso pronto de uma propaganda eleitoral. Ver um político debatendo com alguém como ela, assim como elas discutem política com os amigos e familiares. O formato também ajuda a atingir um público das redes sociais que não se interessa pelos debates políticos ‘tradicionais’, como o Parlamento por exemplo”, disse.

Outro fato que ajuda a explicar como o formato rende milhões de visualizações é a polarização na política, segundo o deputado. Para ele, “é bom ter a oportunidade de discutir às claras as diferenças políticas”.

“É um formato totalmente calcado na polarização. As pessoas se interessam em ver o embate direto entre pontos de vista antagônicos. Se for respeitoso e democrático, não tem problema nenhum. É bom ter a oportunidade de discutir às claras as diferenças políticas quando elas existem. Agora, se descamba para a violência ou desinformação, aí o debate de ideias fica prejudicado”, disse.

O debate se propõe a convencer, ao menos a princípio, uma pessoa com visões opostas sobre temas que vão da economia aos costumes. Como mostrou o Estadão, no entanto, a polarização tem forte componente afetivo, de acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o que, na prática, limita a capacidade de o indivíduo de avaliar e criticar com mais discernimento.

Apesar da barreira, o deputado avalia que é possível trabalhar o convencimento de quem pensa diferente, “mas nem sempre é fácil”.

“É possível, mas nem sempre é fácil. Eu vejo que a extrema-direita aprendeu a fazer política com distorção de informações e provocações que inviabilizam um debate sério. Muita gente também consome esse tipo de conteúdo como um jogo de futebol, em que você quer ver o seu lado ‘destruir’ o rival. Isso tudo dificulta uma visão não enviesada. É preciso combinar postura e conteúdo para furar essas barreiras”, disse.

A cientista política Mayra Goulart, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que os novos formatos e uso das redes sociais indicam uma fragmentação na formação da opinião pública. Segundo ela, as plataformas e seus algoritmos favorecem alguns tipos de conteúdos e performances em detrimento de outros.

“Antes, os formadores de opinião eram mais verticalizados, intelectuais e mídias tradicionais, hoje são mais horizontais e plurais ainda que não haja uma relação propriamente igualitária entre eles. Ou seja, os atributos das plataformas e de seus algoritmos favorecem alguns tipos de conteúdos e performances em detrimento de outros. Do mesmo modo, favorece a formação de bolhas de dissonância cognitiva, formadas por pessoas que pensam da mesma forma e que acabam só recebendo conteúdos que reforçam suas posições”, explicou.

De acordo com ela, o formato debates desafia a “formação de bolhas” e colocam pessoas que pensam diferente no mesmo ambiente.

“Me parece que este novo tipo de formato desafia essa formação de bolhas, colocando pessoas que pensam diferente no mesmo ‘ambiente’, o que é muito positivo, ainda que dificilmente consiga de fato superar as limitações do algoritmo é um movimento louvável que, se for disseminado, pode conseguir começar a contrabalançar os amplos efeitos negativos dessas tecnologias e seu impacto sobre a democracia”, afirmou.

 

 

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