Avanços & retrocessos
Edis Milaré, jurista que integrou o Ministério Público de São Paulo e se destacou na seara do Direito Ambiental, empresta sua capacidade e talento para produzir obras que se disseminam por todo o Brasil. Sua iniciativa de editar livros que celebrem a Ação Civil Pública é uma das constantes mais festejadas no oscilante mercado do livro jurídico.
O lançamento da obra que comemora os 40 anos da ACP serviu também para homenagear os juristas Kazuo Watanabe e Cândido Rangel Dinamarco, próceres do processo coletivo e que, juntamente com Ada Pellegrini Grinover e Waldemar Mariz de Oliveira formaram o quadro pioneiro ao tratar da matéria.
O encontro foi patrocinado pela Apamagis, cujo Presidente, Thiago Elias Massad, conseguiu reunir figuras importantes nessa jornada, como Hugo Nigro Mazzilli, Rosa e Nelson Nery e Sidnei Beneti, entre outros.
Coube-me a moderação no painel “Atualidades e Desafios”, com a participação do Desembargador Federal Edilson Vitorelli, da promotora Susana Henriques da Costa e da jurista Rosa Maria de Andrade Nery, com os quais aprendi muito.
Vitorelli anunciou que, entre os dez maiores acordos coletivos do mundo, dois deles ocorreram no Brasil, exatamente aqueles que resultaram dos desastres em barragens mineiras. Mencionou a questão ainda não resolvida do custeio das perícias requeridas pelo MP e o andamento de projetos de lei que podem aprimorar o instrumento da tutela dos interesses coletivos, como os PL 4441/20, 4778/20, 1641/21 e o PL 3/2025. Não é confortador, para o sistema Justiça brasileiro, ainda ter oitenta milhões de processos em curso. O ideal seria evitar a proliferação de lides individuais, depois de uma ação coletiva haver firmado entendimento sobre o tema.
A promotora Susana Henriques da Costa abordou o aspecto empírico na apreciação do tema e entende que a história do Ministério Público se confunde com a história do processo coletivo brasileiro. Considera positiva a evolução da matéria, com o Judiciário mais aberto a apreciar pedidos complexos, embora ele não seja a alternativa primária, senão subsidiária. O desafio é manter em atuação o processo coletivo e fazê-lo inibir as demandas individuais. A demanda coletiva ainda é pouco atrativa, porque não dispensa a propositura de execuções individuais. Mas enxerga possível o advento de alguns avanços.
A professora Rosa Nery, com sua experiência no Ministério Público, na Magistratura, na docência e como doutrinadora do Direito Privado, tanto Civil como Processo Civil, fez uma síntese precisa a respeito. Nossa latinidade proíbe o trato consequente da responsabilidade objetiva. A concepção predominante é a de que a responsabilidade apenas decorra de culpa, a título de dolo ou em sentido estrito.
Propôs que a ação civil pública seja instrumento a ser utilizado preventivamente. Se isso tivesse ocorrido, inúmeros desastres teriam sido evitados. Criticou o sistema de precedentes, que chama de antecedentes. Isso proíbe ao juiz de primeiro grau, aquele que enfrenta a realidade mais próxima ao fato gerador de uma demanda, criar a melhor solução. Tipifica protótipos e não é isso o que a realidade oferece.
Foi proveitosa a manhã para reflexão a respeito não só da ação civil pública, uma resposta brasileira para as nossas carências do sistema Justiça, mas para repensar a própria jornada que o equipamento estatal encarregado de solucionar controvérsias encetou, principalmente a partir de 5.10.1988.
É surreal a existência de quatro instâncias, quando o STF deveria ser exclusivamente Corte Constitucional, o STJ uma Corte de Unificação, de acordo com a inspiração italiana e o curso dos processos terminar, definitivamente, na segunda instância.
A perversão torna um calvário para o injustiçado percorrer os entraves do Judiciário, agravados por uma caótica estrutura recursal. Somente quem não tem razão pode usufruir dessa insuportável e cada vez mais burocratizada lentidão. A ironia é que, pretendendo concretizar o justo, a Justiça brasileira muitas vezes premia o infrator e penaliza o ofendido.
Que a saudável inspiração de Kazuo, de Cândido, de Ada e Mariz passem a habitar a mente de nossos parlamentares e se promova um dia a profunda reforma estrutural da Justiça brasileira. Sem isso, continuará a litigância excessiva, predatória e a vergonhosa aquisição de direitos contidos em precatórios, ao preço da “bacia das almas”.