Deveres democráticos ante consequências ditatoriais
“A educação para a democracia exige conhecimentos básicos da vida social e política e uma correspondente formação ética.”
Maria Victória Benevides. Educação para a democracia.
Lua Nova, n. 38, p. 223-237, 1996.
Quando uma nação sofre ruptura constitucional e fica submetida a regime de exceção, desprovido da legitimidade decorrente da livre escolha pelo voto e desnaturado pelo arbítrio autoritário do mandonismo ilimitado, são erodidas as bases do Estado de Direito: deixa de haver controle sobre o exercício do poder, corrompendo-se as instituições, e os direitos humanos passam a ser violados sistemática e impunemente, fragilizando-se a cidadania.
Por isso, sempre que há ditadura, proliferam a censura, a tortura, os desaparecimentos e as mortes dos perseguidos por motivação política, ao arrepio da ordem jurídica. No momento em que o despótico furacão perde força, tem suas trevas dissipadas e o horizonte novamente se abre às luzes da liberdade e da legalidade, é preciso lidar com os escombros do entulho autoritário acarretado.
Imprescindível, então, a reconstrução democrática, por meio de procedimentos e mecanismos legais, no âmbito da chamada justiça de transição: apuração das violações, reparação indenizatória, responsabilização sancionatória e prevenção dissuasória, para se fechar a porta ao terror estatal de um golpe ditatorial.
A ditadura brasileira imposta em 1964 causou vítimas fatais. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, coordenada pelo Professor da USP Pedro Dallari, foram 434 vidas ceifadas sob a responsabilidade do Estado, por motivação exclusivamente política. Destas, 140 eram estudantes.
Diante da gravidade da situação comprovada, providências foram adotadas e respaldadas pela Constituição de 1988, tanto para o aperfeiçoamento do Estado (planos de direitos humanos, Ouvidorias, Controladorias, Defensoria Pública, fortalecimento da Advocacia, do Ministério Público e do Judiciário), como para medidas reparatórias (Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão de Anistia, viabilizadas pelo então Secretário de Direitos Humanos e Ministro da Justiça, José Gregori, e Comissões Estaduais para indenização em função das vítimas fatais, torturas e prisões ilegais (em São Paulo, por meio da Lei n. 10.726/2001, impulsionada pelo então Secretário da Justiça Belisário dos Santos Jr. e assinada por seu sucessor, Edson Vismona), além das iniciativas educativas (museus, publicações, peças de teatro e filmes, até o ápice da repercussão com o Oscar obtido por Ainda Estou Aqui, alertando as novas gerações quanto à mortífera brutalidade ditatorial).
A Universidade de São Paulo está fazendo sua parte na agenda de justiça e memória, em especial por meio do projeto Diplomação da Resistência, da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, titularizada pela Professora Ana Lanna, o qual reconhece as violações sofridas diretamente por seu corpo discente, movidas por ilícita repressão politicamente motivada, e providencia a titulação honorífica correspondente.
Em conclusão desse ciclo reparatório de grande simbolismo e intensa valorização das liberdades democráticas, realizou-se na tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco (palco da Carta aos Brasileiros de 1977 e de 2022), no dia 11 de agosto de 2025, cerimônia presidida pelo Reitor, Professor Carlos Carlotti, e organizada pelo Diretor, Professor Celso Campilongo, para a diplomação in memoriam de Arno Preis, diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto assassinado em 1972, e João Leonardo da Silva Rocha, diretor da Casa do Estudante assassinado em 1975. Em seguida, descerrada placa no quase bicentenário Pátio das Arcadas, tornando indelével a histórica ocorrência.
Pois lembrar é resistir, para que jamais se repita – e a humanidade siga o caminho da civilização, não o da barbárie, evoluindo do Estado de Direito para o Estado Democrático de Direito, como ensina a Professora Nina Ranieri. Ditadura, nunca mais!