14 de agosto de 2025
Politica

O Judiciário falha na prestação de contas à sociedade

A cúpula do Judiciário está prestes a enfrentar um dos maiores desafios não só da história brasileira, mas da própria democracia mundial. Precisa julgar um ex-presidente admirado pela metade da população e, ao mesmo tempo, acusado de tramar um malsucedido golpe de Estado. Temos um caso jurídico, político e afetivo. Para que a tarefa seja bem-sucedida, não bastará apenas aplicar a justiça. Será necessário mostrar que o poder, como um todo, é isento e se guia pelas leis, não por política ou interesses pessoais. O Judiciário tem sido, no mínimo, bastante negligente nessas questões.

Fachada do STF: Cúpula do Judiciário precisa julgar um ex-presidente admirado pela metade da população e, ao mesmo tempo, acusado de tramar um malsucedido golpe de Estado
Fachada do STF: Cúpula do Judiciário precisa julgar um ex-presidente admirado pela metade da população e, ao mesmo tempo, acusado de tramar um malsucedido golpe de Estado

O que vemos, diariamente, são notícias e fatos desairosos sobre seus principais atores. Os últimos deles, que envolvem o Tribunal Superior do Trabalho (TST), foram espantosos. Incluem a criação de uma área VIP no aeroporto de Brasília para os magistrados não serem incomodados pelos inconvenientes (ou seja, os cidadãos normais) e a compra de automóveis de valores algo dispendiosos para servir os juízes.

O grande problema é que não se trata de algo fora da curva. Os chamados penduricalhos se tornaram uma jabuticaba nacional. Pagamentos acima do teto constitucional a juízes somaram R$ 10,5 bilhões em 2024 no Brasil, de acordo com estudo do Movimento Pessoas à Frente, citado em reportagem deste Estado de São Paulo. O aumento, com o beneplácito do Conselho Nacional de Justiça, foi de 49% em um ano. É uma espécie de epidemia de supersalários autoconcedidos que chega a todas as unidades federativas brasileiras. E, como cereja do bolo, já houve até condenação a uma jornalista que divulgou os altos salários de desembargadores do Rio Grande do Sul.

Mas a questão salarial é apenas parte do problema, por incrível que pareça. Certas decisões heterodoxas tomadas pelo Judiciário, no caso, assinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), podem parecer perseguição política. Nisso se incluem penas altíssimas de cadeia para gente que foi claramente bucha de canhão de conspiradores mais poderosos, cancelamento de perfis de redes sociais, e declarações, mesmo nos autos, que soam mais como manifestos políticos do que argumentos para decisões judiciais.

Parece não haver preocupação em mostrar à metade da população que quem eles consideram líder político cometeu crimes e merece ser punido por isso. Há risco desse descaso provocar um ressentimento que deveria, no mínimo, ter sido ponderado. Um curioso efeito colateral desses abusos do Judiciário é que uma conquista civilizacional como “liberdade de expressão” se tornou bandeira de gente que admira a ditadura militar brasileira – regime que colocava censores nas redações de jornais.

Há também questões adicionais, como as seguidas confraternizações da cúpula do Judiciário com a elite econômica brasileira. Muitas vezes são travestidas como debates, diálogos e conversas de alto nível. Mas nem Cândido, o ingênuo personagem de Voltaire, acreditaria que não há lobbies envolvidos. A sociedade, e não apenas os grupos radicais bolsonaristas, tem acompanhado tudo isso com lupa.

O próprio ministro Alexandre de Moraes admitiu, esta semana, que qualquer ser-humano é passível de erros e acertos, o que inclui, por certo, os integrantes do Judiciário. Uma reflexão até surpreendente vinda de uma autoridade considerada inflexível, “que sempre dobra a aposta”. A questão agora é levar em consideração toda essa sucessão de erros e tratar de corrigi-los. Até porque o desafio maior, julgar Jair Bolsonaro com equilíbrio e isenção, está prestes a acontecer. Haverá humildade, tempo, capacidade de renúncia e disposição para isso tudo?

 

 

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