Os direitos sucessórios do cônjuge correm perigo
A proposta de reforma do Código Civil (PL 4/2025), atualmente em trâmite no Senado Federal, traz no seu bojo uma ameaça silenciosa, mas de efeitos devastadores: a possível exclusão do cônjuge e do companheiro da sucessão legítima. Em outras palavras, pretende-se relegar a viuvez a um cenário de vulnerabilidade e desamparo, travestido de atualização legislativa.
O projeto caminha na contramão da história. Em vez de consolidar avanços sociais conquistados a duras penas, como a equiparação entre casamento, união estável e união homoafetiva, pretende o legislador dar um salto para trás, sem rede de proteção. Em um país ainda marcado por desigualdades de gênero, a medida afetará diretamente as mulheres que, por décadas, se dedicaram à administração do lar e ao cuidado dos filhos, abrindo mão da carreira profissional em nome de um projeto de vida familiar.
A justificativa? Liberdade testamentária e respeito à autonomia privada. Mas, por trás dessa retórica liberal, esconde-se o risco de institucionalizar a invisibilidade da mulher que não contribuiu financeiramente para a formação do patrimônio, mas que, sem dúvida, foi coautora invisível da riqueza amealhada durante a convivência.
Atualmente, o Código Civil trata o cônjuge como herdeiro necessário. Isso significa dizer que nos casos em que o regime de bens do casamento não conferir ao consorte a condição de meeiro – como, por exemplo, no regime da separação de bens – ele participará da sucessão na qualidade de herdeiro, concorrendo em pé de igualdade com os descendentes do falecido.
Além disso, toda pessoa não pode dispor, por doação ou por testamento, de mais da metade de seus bens, quando tiver descendente, ascendente ou cônjuge. Trata-se de proteção legal que visa garantir a esses herdeiros uma fração mínima do patrimônio (50%). Por isso são chamados de herdeiros necessários.
No projeto de reforma do Código Civil, pretende-se excluir o cônjuge do rol de herdeiros necessários para tratá-lo como herdeiro facultativo. Com isso, na hipótese de o falecido deixar descendentes ou ascendentes, o cônjuge não terá nenhum direito sucessório. Além disso, seja qual for o cenário familiar, qualquer pessoa, por mera liberalidade, poderá afastar o seu cônjuge da sucessão.
Excluir o cônjuge da sucessão não é um mero ajuste técnico em páginas de lei; é uma ruptura ética com o pacto de justiça material que sustenta a vida em comum. Sob o verniz de uma modernização apressada – que ignora a economia afetiva das casas brasileiras e a contribuição, tantas vezes invisível, de quem cuidou do lar – condena-se o sobrevivente a negociar a própria dignidade. Ao desamparar exatamente quem partilhou riscos, trabalho e tempo, transfere-se para os ombros mais vulneráveis o custo de um progresso de gabinete. Se esse é o preço da “atualização”, ele se paga com o que não deveria ter preço: o mínimo existencial do cônjuge que fica e o direito de continuar a vida sem ser empurrado para a margem.