15 de agosto de 2025
Politica

Quando o direito vira obstáculo à concorrência

O sistema de patentes, que deveria funcionar como um motor de incentivo à inovação e da concorrência, vem sendo desvirtuado por práticas abusivas com fins anticompetitivos. Entre os principais desvios estão o patenteamento defensivo e o exercício abusivo dos direitos de propriedade industrial.

Essas condutas combinam ações que, embora eventualmente amparadas em normas jurídicas à primeira vista, na verdade contradizem os próprios fundamentos constitucionais do sistema de patentes, tornando-se por isso ilícitas. Trata-se, na prática, de uma estratégia econômica voltada a estender o escopo e o tempo de exclusividade sobre tecnologias, em prejuízo da concorrência e do interesse coletivo.

Essa lógica, que sobrepõe interesses individuais às funções social e coletiva da propriedade industrial, até poderia ser defendida sob o argumento de que estaria amparada pela liberdade de iniciativa e pela busca legítima do lucro. No entanto, essa não é a lógica consagrada pela Constituição da República, nem tampouco pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

A concorrência, no ordenamento jurídico brasileiro, é instrumento para assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Os princípios constitucionais do artigo 170 não podem ser lidos de forma isolada. Eles estão subordinados ao modelo constitucional como um todo, voltado à proteção do processo competitivo e à prevenção da concentração excessiva de poder econômico.

A livre iniciativa, por isso mesmo, não se opõe à regulação estatal. Ao contrário, depende dela para continuar existindo. A atuação do Estado é necessária para garantir que a liberdade de empreender não seja usada como escudo para práticas que bloqueiam rivais e impedem o avanço tecnológico. A regulação da concorrência, nesse sentido, dá forma e conteúdo à livre iniciativa.

O sistema de patentes possui um fundamento concorrencial. Ao regular o uso de tecnologias inovadoras, o Estado deve zelar pelo ambiente competitivo, protegendo-o de abusos que prejudiquem o desenvolvimento tecnológico e social.

É essa a lógica que o Supremo Tribunal Federal reconheceu ao julgar a ADI 5.529, em 2021, quando reafirmou que o direito de exclusividade concedido pelas patentes deve estar a serviço do interesse público e do desenvolvimento nacional. Patentes não devem servir como ferramenta de exclusão da competitividade por prazo indefinido.

O desafio enfrentado pelas autoridades que regulam a concorrência é distinguir o que constitui uma atuação legítima no mercado, ainda que acarrete a exclusão de concorrentes, daquilo que configura abuso com o objetivo de eliminar a competição. Essa tarefa se torna ainda mais complexa no campo da propriedade industrial, onde o direito de exclusão é um elemento central.

Por isso, é fundamental que os direitos de patente tenham limites bem definidos em termos de escopo e duração. Quando esses limites não são claros, o sistema pode ser desvirtuado e usado para restringir a concorrência e dificultar o avanço técnico.

É necessário, portanto, garantir que os instrumentos jurídicos cumpram sua finalidade e não sejam transformados em obstáculos ao interesse coletivo. O equilíbrio entre o exercício da liberdade econômica e a função social da propriedade deve ser assegurado como um princípio essencial da ordem constitucional.

 

 

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