De olho em 2026: Lula e Tarcísio travam duelo silencioso pela paternidade do túnel Santos-Guarujá
Antes mesmo de sair do papel, o túnel Santos-Guarujá já virou palco de uma disputa política silenciosa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), potenciais adversários na corrida eleitoral de 2026. A guerra é velada: em público, os dois trocam elogios e celebram a parceria entre governo federal e estadual para viabilizar uma obra prometida há décadas. Nos bastidores, porém, duelam pela paternidade da construção.
Procurados, tanto o Ministério de Portos e Aeroportos quanto a Secretaria de Parcerias em Investimentos do governo de São Paulo disseram trabalhar em conjunto no projeto.
Em fevereiro, ao dividirem o mesmo palco em Santos (SP), Lula e Tarcísio destacaram a parceria entre as gestões, mesmo em meio às diferenças ideológicas. No mesmo mês, porém, um monitoramento interno de redes sociais do governo paulista, obtido pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostrou a preocupação da gestão Tarcísio em levar o crédito pela obra.

“O túnel Santos-Guarujá é nosso”, diz o documento. “Publicações futuras precisam responder aos questionamentos sobre a origem do investimento e o processo de construção da obra. Ainda que a parceria com o Executivo federal seja estratégica, a comunicação digital precisa deixar claro que essa é uma conquista da gestão estadual”, completa.

O relatório interno, feito por uma empresa contratada pela gestão Tarcísio, observa em outro momento que o projeto desperta alta expectativa entre os usuários e que grande parte dos comentários nas redes gira em torno de uma pergunta-chave: afinal, a obra é do governo federal ou estadual?
A resposta é: dos dois. No site do governo de São Paulo, consta que o projeto terá um investimento total de R$ 6,8 bilhões. A maior parte virá de recursos públicos: R$ 5,4 bilhões, que serão divididos igualmente entre Estado e União. Questionadas, as duas gestões confirmaram que a divisão é igualitária.
Integrantes do governo Lula se incomodam com a forma como Tarcísio divulga a obra. Segundo interlocutores no Palácio do Planalto, o governador omite em suas publicações que o projeto é feito em parceria com o governo federal. Nos bastidores, aliados de Lula chamam a postura da gestão Tarcísio de “traição” e lembram que foi o próprio governador quem buscou o presidente para viabilizar a parceria.
“O presidente Lula tinha todos os motivos para realizar a obra sozinho. A área é federal, o dinheiro disponível é da Autoridade Portuária de Santos, estatal federal, o canal marítimo é federal. O governo anterior, que tinha Tarcísio como ministro (da Infraestrutura), pretendia privatizar tudo, com a alegação de que o túnel seria construído pelo privado a partir de 7 anos de concessão”, diz Márcio França, atual ministro do Empreendedorismo.
Segundo França, que comandou a pasta de Portos e Aeroportos no início do mandato de Lula, mesmo diante desse quadro, Lula autorizou, “republicanamente”, deixar o governo de São Paulo tocar a obra em parceria. Mas, segundo ele, a postura do Estado foi outra.
“O governo de São Paulo excluiu a Autoridade Portuária do processo licitatório, fez publicações no Porto (de Santos) com uma bola de futebol, omitindo tudo que é federal, e agora isso. Eles não sabem viver em República, pensam que são dois países”, completou o ministro, que tem intenção de disputar o governo do Estado no ano que vem.
A deputada Rosana Valle (PL-SP), uma das representantes da região no Congresso, tem visão diferente. “Tarcísio já tinha o projeto. Ele ia incluir o projeto do túnel e já tinha todo o planejamento no processo de desestatização do porto de Santos. Trocou o governo (federal), o governo que assumiu (Lula), não concorda com a desestatização do porto. E aí, mesmo assim, sabendo da importância da obra, é que o governo do Estado, é que o governador Tarcísio de Freitas insistiu”, disse a deputada. A deputada ainda afirmou que o governo federal “adora anunciar, adora fazer propaganda mas, de efetivo, pouco faz”.
Em resposta calculada, o Planalto divulgou e impulsionou nas redes, há cerca de duas semanas, um vídeo afirmando que “o governo do Brasil vai construir o túnel Santos-Guarujá”. Reservadamente, correligionários de Lula dizem que a ausência de menção ao governo estadual no vídeo foi “intencional” e reflexo justamente do posicionamento do Estado.
Governos Lula e Tarcísio batem cabeça por aditivo em convênio do túnel
A disputa pela “paternidade” da obra é pano de fundo para novas acusações do governo federal contra Tarcísio. Aliados de Lula dizem que o governador estaria atrasando o início das obras ao não assinar um aditivo ao convênio com a União. A versão final do documento — enviada em 25 de julho — traz exigências consideradas essenciais para viabilizar o leilão e liberar o aporte federal. Segundo correligionários do presidente, porém, os termos já vinham sendo discutidos há meses com a administração paulista.
Entre outros pontos, o aditivo prevê que, ao fim da concessão, todas as áreas e estruturas do túnel voltem para a União e fiquem sob gestão da Autoridade Portuária de Santos. Também classifica a obra como viária e de infraestrutura portuária — permitindo o uso de recursos do porto para o projeto —e obriga a empresa vencedora a negociar com o porto qualquer intervenção ou suspensão nas operações.
Aliados de Lula afirmam que a manutenção da parceria depende da assinatura do aditivo; caso contrário, o governo federal assumirá integralmente a obra. Também consideram a parceria estratégica para acelerar um projeto de tamanha complexidade, mas ressaltam que a União teria recursos para executá-lo sozinha e que o túnel começa e termina em área pública federal. Os correligionários do petista ainda lançam dúvidas sobre a origem do aporte estadual, levantando a hipótese de possível uso de recursos do BNDES. Questionada pela reportagem, a gestão Tarcísio não respondeu sobre a origem do aporte estadual para a obra.
Em nota, o Ministério de Portos e Aeroportos disse que os governos federal e estadual seguem trabalhando de forma integrada para concluir os ajustes no convênio de delegação e assegurar a plena execução da obra. A Secretaria de Parcerias em Investimentos do governo de São Paulo, por sua vez, disse que recebeu um ofício do Ministério no último dia 25 de julho com a solicitação de aditivo ao convênio e, após análise, a equipe técnica concluiu que os pedidos do governo já estavam contempladas no instrumento vigente, não havendo necessidade de novo aditivo.
“A resposta foi formalizada em ofício encaminhado nesta terça-feira (12/8). Conforme previsto em norma federal, qualquer alteração solicitada com menos de 35 dias úteis antes da data prevista para o leilão pode acarretar atraso no processo e a necessidade de republicação do edital”, afirmou a pasta.
Ao Estadão, o presidente da Autoridade Portuária de Santos, Anderson Pomini, defendeu a manutenção da “boa parceria” com o governo Tarcísio e a assinatura, pelo Estado, dos termos regulatórios, que segundo ele servem para garantir segurança jurídica à obra e o aporte financeiro do Porto. “Esperamos que governador cumpra o combinado com o presidente Lula para definitivamente executarmos 100 anos de projeto”, completou.
O projeto do túnel está na fase burocrática de obtenção de licenças ambientais — uma delas foi liberada nesta terça-feira, 12, pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O leilão está previsto para 5 de setembro, e o início do canteiro de obras, para novembro.
Para o professor Marco Antônio Teixeira, coordenador do mestrado e doutorado em Gestão e Políticas Públicas da FGV EAESP, a disputa pela paternidade da obra não é por acaso.
“O túnel Santos-Guarujá é equivalente à Ponte Rio-Niterói. A ponte eliminou as balsas, ligou dois pontos distantes e virou um cartão-postal. O túnel vai unir duas das cidades mais populosas da Baixada Santista. É uma obra com uma ressonância nacional muito forte e que pode render dividendos eleitorais a quem a inaugurar, dando ao governante o status de ‘tocador de obra’“, diz ele.
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